FILHOS E DILEMAS MORAIS

Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Em vista das acusações de condutas ilícitas imputadas ao senador Flávio Bolsonaro, filho do atual presidente da República, e, também, a Fábio Luís Lula da Silva, o famigerado “Lulinha”, filho do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, foi que me propus a essas reflexões, porque envolvem pessoas destacadas da República, o que, de certa forma, aponta para a relevância de se perquirir até aonde podemos chegar na defesa dos nossos filhos.

Nesse sentido, inicio as reflexões com algumas indagações inquietantes: na defesa dos filhos vale tudo? Os filhos, por serem filhos, devem, de plano, ser perdoados pelos seus erros, pelos seus deslizes, pelos seus crimes? Os meus filhos, por serem meus filhos, merecem de mim a complacência e a compreensão que não merecem os filhos do vizinho? Até que ponto o homem público deve se envolver com a defesa dos filhos, a ponto de se descuidar dos destinos do próprio país? Nesse sentido, os interesses pessoais podem ser colocados acima do interesse público?

Duas séries televisivas (serviço de streaming) e um livro me levaram à indagação supra e, por consequência, a essas reflexões, que têm tudo a ver com o que testemunhamos nos dias atuais, como destaquei acima.

As séries em defesa de Jacob e Vossa Excelência, a primeira na Apple TV +, e a segunda no Globoplay –, bem como o livro Suzane Assassina e Manipuladora – tratam, a seu tempo e modo, do envolvimento de filhos com a prática de ilícitos.

Em Vossa Excelência (Apple TV+), produção israelense, narram-se os dilemas morais de um juiz íntegro ao saber do envolvimento do seu filho único com o cometimento de um crime grave. Na série em comento, o filho chega a casa aparentando desmedido nervosismo, e acaba confessando, depois de pressionado pelo pai, que usou o carro da família para dar uma volta, tendo, no caminho, se envolvido em um acidente com um motociclista. Contudo, em vez de socorrê-lo, acabou fugindo do local do crime. Diante do evento, o pai passa a lamentar por todas as vezes em que foi condescendente com o filho e o superprotegeu, indagando a si mesmo que tipo de ser humano ignora alguém ferido numa estrada para se preocupar apenas consigo mesmo. Um baita dilema moral, portanto, toma conta do juiz.

Na série Em defesa de Jacob (Globoplay), uma família leva uma vida aparentemente perfeita, numa casa confortável, num dos prósperos subúrbios americanos, numa aparente harmonia conjugal, até que Jacob, filho do casal, é acusado de matar um colega de classe. Andy e Laurie, pais de Jacob, sob o mesmo dilema moral, decidem defender o filho, mesmo sendo ele culpado.

Como se vê, nas duas situações antes descritas, ante o mesmo dilema moral, os pais assumem posturas diferentes.

Enquanto na série Vossa Excelência os pais do autor do fato assumem uma postura crítica, o que leva o espectador a crer – mais não posso dizer, para não dar spoiler – que não passarão panos na sua atitude, na série Em defesa de Jacob os pais assumem uma posição de intransigência, mas em defesa do filho.

O livro acima referido (editora Matrix) narra o assassinato dos pais de Suzane Louise von Richthofen, Manfred e Marísia, idealizado por ela própria, contando com a participação dos irmãos Cravinhos; um deles, Daniel, seu namorado. No dia do julgamento dos criminosos pelo Tribunal do Júri, a mãe dos irmãos Cravinhos, Daniel e Cristian, surpreendeu e emocionou a todos os presentes, quando, na condição de testemunha de defesa, subiu ao púlpito para depor. Na oportunidade, Nadja Cravinhos falou que criou os filhos com dignidade, amor e muito carinho, tendo, em seguida, com a voz embargada, sentenciado “Eu me sinto de luto e muito triste em relação à tragédia que se abateu sobre as duas famílias envolvidas” para, no final, surpreendendo a todos, pedir o que mãe nenhuma pediria para um filho, ou seja, a sua condenação, concluindo: “Essa justiça é necessária. Dói muito em mim, mas é necessária. Só peço a Deus que essa justiça imposta pelos homens seja na medida certa” (from “Suzane – Assassina e Manipuladora”, by Ulissses Campbel).

Em face do acima narrado, diante do dilema moral que se abate sobre os pais em face do envolvimento dos filhos com a prática de crime, resta-me indagar: devemos, em nome do amor que lhes devotamos, defendê-los a todo custo, mesmo sabendo que eles são culpados pelos crimes eventualmente cometidos, ou, ao reverso, devemos pugnar apenas para que a justiça seja feita, desde que seja na medida certa?

Agora a indagação definitiva: um homem público, com destacada posição na República, cujos destinos tem às mãos, está autorizado a mudar o rumo, mudar o discurso, mudar a conduta, trair os compromissos assumidos com a população por causa dos filhos, em defesa dos filhos, mesmo que eles tenham eventualmente cometido crimes?

Os destinos de uma nação podem ficar atrelados aos interesses familiares dos seus agentes ou, ao contrário, deveriam eles sublimar o interesse público, ainda que o preço a pagar seja a punição dos filhos pelos seus mal-feitos?

Nos dias presentes, essas e outras indagações me inquietam, sobretudo quando testemunho que, no jogo do poder, quando as questões pessoais sobrepujam o interesse público, ampliam-se as ações dos oportunistas, e o preço a ser pago é muito alto.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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