As algazarras no Posto Esso Ponta D’areia

Abaixo, o artigo de minha autoria, sobre as algazarras no Posto Esso Ponta D’areia, publicado no Jornal Pequeno, edição de domingo, dia 21 do corrente.

Era – e ainda é – minha pretensão publicar vários artigos refletindo sobre violência. Entendo que com essas reflexões, fruto de vinte anos enfrentando todo tipo de meliante, possa prestar um relevante serviço à coletividade.

Esta semana, no entanto, vou abrir um parêntese para outro tipo de reflexão, que, decerto, interessa a tantos que como eu sofrem com os maus costumes de alguns sociopatas, que teimam em afrontar as pessoas de bem da sociedade, buscando apenas o seu bem estar e o lucro a qualquer custo, pouco se importando com o semelhante, com a dignidade das pessoas, com as leis, com a ordem e com o respeito às instituições.

Todos nós sabemos que em São Luis se tem o mau vezo de ouvir músicas em veículos com as tampas dos porta-malas abertas – muitos e muitos decibéis acima do tolerável, releva anotar. Os proprietários dos veículos em comento – quase sempre donos de um mau gosto musical que causa asco– acham, por má formação moral educacional e cultural, que nós outros somos obrigados a ouvir as músicas que eles ouvem. E tome música da pior qualidade! Essas músicas vão penetrando em nós na marra, violentando os nossos ouvidos, nos abespinhando, profanando o nosso gosto musical – e a nossa liberdade de escolha.

As pessoas que vêm a esta cidade ficam impressionadas com a falta de educação desses verdadeiros meliantes do som. Nas praias de São Luis, todos sabem, somos obrigados a ouvir músicas da pior qualidade, às alturas, o que nos impedem até de conversar. A alternativa – única, sobreleva dizer – é deixar o local; local que, por isso, deixa de ser público, para se constituir em um gueto destinado aos meliantes do som automotivo. Eles se transformam nos donos do pedaço. Ali, na área por eles eleita, eles são o prefeito, o juiz e o delegado – e ai de quem não gostar, de quem ousar reclamar.

Mas em relação à praia é fácil deixar de conviver com esse tipo de gente, com esses marginais do som. O difícil mesmo é quando a música invade a sua casa, aos finais de semana, te impossibilitando de ler, conversar, trabalhar, relaxar, assistir televisão, receber um amigo.

Para minha infelicidade – e dos demais condôminos -, o espaço físico do posto esso, no News Shopping Ponta D’ areia, foi escolhido por alguns desocupados, para, a partir de quinta-feira – e, depois, sexta e sábado – ouvirem músicas – sempre da pior qualidade –, com as tampas dos porta-malas abertas na direção do prédio em que moro. Ali, a exemplo dos marginais da praia, eles são a lei e a ordem. Ninguém ousa incomodá-los. O dono do posto, inclusive, lhes empresta a sua conivência.

Não preciso dizer que, por isso, às quintas, às sextas e sábados, não se dorme no meu condomínio – ou, no mínimo, se dorme mal. Não se dorme, não se lê, não se estuda, não se assiste televisão.

Em face dessa situação e de posse de um abaixo-assinado de todos os moradores do meu condomínio, busquei, civilizadamente, solução junto à Promotoria do Meio-Ambiente – e nada! Busquei, depois, a Promotoria da Infância e da Juventude – também não obtive sucesso. Fui ao Comando da Polícia Militar – e mais uma frustração. Recorri ao Corpo de Bombeiros – mais uma vez embalde. Tudo permaneceu como dantes.

De toda essa luta, frenética e incessante, para que respeitassem o meu direito de ter paz na minha própria casa, o que assisti, estarrecido, foi a confissão do proprietário do posto reconhecendo a algazarra, os incômodos e a sua impotência diante dos marginais do som automotivo, como se tudo isso fosse algo absolutamente normal. É dizer: diante do Ministério Público, confessou o mau uso da propriedade e de lá saiu como entrou – lépido, faqueiro e arrogante, confiante que nada vai acontecer. Afinal, estamos no Maranhão, onde os amigos do Poder tudo podem

Depois de buscar, em vão, solução administrativa para o problema, entendi devesse, finalmente, buscar o Poder Judiciário – última trincheira de luta de uma sociedade democrática e civilizada. No 8º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo, alcancei – ufa! – uma liminar, com a qual pude, finalmente, dormir por dois finais de semana.

Mas o proprietário do Posto e da Loja de Conveniência, incrustrados no News Shopping Ponta D’ areia, entendeu que devesse desrespeitar a liminar. Com esse sentimento, afrontando a todos nós, desrespeitando o Poder Judiciário, abespinhando a sociedade, determinou que a Loja de Conveniências permanecesse aberta, além da hora determinada pelo douto juiz do 8º Juizado Especial Civil.

O proprietário do posto, que nos afrontou a todos com a sua arrogância, que não respeita os nossos direitos, imaginando-se imune às ações da Justiça, fez pouco caso de uma ordem judicial e está sujeito, agora, ao pagamento de uma multa de R$ 2.000,00(dois mil reais), além de responder a processo-crime por crime de desobediência. Mas muitos me perguntam: e ele vai pagar essa multa? Eu respondo: ou paga ou o Poder Judiciário, mais uma vez, se desmoraliza.

Diante de tudo isso, resta indagar: Por que será que essas coisas acontecem no Maranhão? Por que será que algumas pessoas acham que tudo podem? Por que será que esse tipo de gente ainda encontra quem interceda a seu favor? Quando será que o Maranhão vai evoluir? Por que será que aí fora se prende Juiz, Desembargador, Delegado, Agente de Polícia, e no Maranhão um proprietário de um Posto de combustível passa ao largo das ações dos órgãos públicos?

Para mim a resposta a essas questões é muito simples. Aqui, nessa terra de ninguém, todo mundo que tem amigos no Poder – seja Judiciário, Legislativo ou Executivo – pensa que pode tudo. E o pior é que parece que pode mesmo. Vou confirmar essa máxima se as minhas pretensões junto ao Poder Judiciário resultarem infrutíferas.

Enquanto o proprietário do Posto, que se imagina acima do bem e do mal, não consegue – e será que vai conseguir? – revogar a decisão do honrado magistrado que concedeu a liminar, vou aproveitar esses dias para dormir, descansar, ler, assistir televisão e conversar. Que bom que ainda existem homens públicos que não se curvam ao poder de mando! Que liminar abençoada!

E que fique muito claro: não sou homem de refluir, não sou homem de desistir. E que ninguém se atreva a me pedir que retroceda. É preciso acabar com essa história de que para os amigos os favores da lei e para os inimigos o seu rigor.

Afinal: somos ou não somos iguais perante a lei?

 

 Juiz de Direito, Titular da 7ª Vara Criminal

e-mails: jose.luiz.almeida@globo.com e betooliver@uol.com.br

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Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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