As nossas lamentáveis condições de trabalho

Primeiro, quero pedir desculpas ao eleitor, em face de já há algum tempo não vir postando nenhum artigo. É que, nos últimos dias, tenho me dedicado, com a tenacidade de sempre, a impulsionar alguns processos que cuidam de alguns dos crimes mais revoltantes que já tive notícias nos últimos tempos. Em face disso, voltei, até, a marcar audiências para o período da tarde, malgrado tenha dito que jamais o faria novamente.

O excesso de liberdade provisória, de relaxamento de prisão, de audiências complexas, de informações em face de habeas corpus, as dificuldades para trabalhar, as audiências irrealizadas, o lamento das mães dos acusados presos, a falta de material de expediente, a omissão da Corregedoria, tudo isso, de certa forma, tem me estressado. Confessou que estou caindo aos pedaços. Mas vou seguir em frente.

 

Nesse labor diário, enfrentando toda sorte de dificuldades para tirar de circulação os que respondem a processo nesta vara por crimes graves e violentos, confesso que sempre que coloco um meliante perigoso em liberdade me envergonho da nossa Justiça – e me estresso, ainda mais.

 

Nos últimos tempos tenho colocado em liberdade, sistematicamente, meliantes dos mais variados matizes, por não ter tido condições de concluir as instruções a tempo e hora, por absoluta falta de condições de trabalho.Há dias que não há sequer água para beber; noutros não há máquina xerocopiadora, toner, papel chamex, etc.

Em face desse quadro, nas informações que prestei, em face do habeas corpus 7583/2007, relatado pelo eminente des. LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA, tive a oportunidade de resumir as dificuldades que tenho para trabalhar, desde a administração da Des. ETELVINA RIBEIRO GONÇALVES.

A seguir, o inteiro teor das informações, através das quais ver-se-á o retrato em branco e preto da situação dos juizes criminais para desempenharem a sua função.

PODER JUDICIÁRIO
FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS
JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL
SÃO LUIS-MARANHÃO

Ofício nº183/2007-GJD7VC São Luis, 18 de maio de 2007.

 

 

Excelentíssimo senhor
Des.Lourival de Jesus Serejo Sousa
Relator do hc nº 7583/2007 – São Luis(MA)
Paciente: Daniel Lima Cunha
Advogado: Glender Malheiros Guimarães

 

I – A RATIO ESSENDI DA IMPETRAÇÃO. PACIENTE A QUEM SE NEGOU O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.

DANIEL LIMA CUNHA, por intermédio de seu procurador, impetrou a presente ordem de habeas corpus, sob a alegação de que está submetido a constrangimento ilegal, em face de estar preso há mais tempo do que é razoável admitir, sem que a instrução se encerre.

II – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO PACIENTE. A IMPUTAÇÃO DE CRIME DE ROUBO. A GRAVIDADE DO CRIME E LEGITIMAR A MANTENÇA DE SUA PRISÃO.

Ao paciente o MINISTÉRIO PÚBLICO imputa a prática de ROUBO SIMPLES, tendo sido preso em FLAGRANTE no dia 23 de outubro do ano passado.

 

 

O paciente, em face da gravidade do crime que cometera, teve dois pedidos de LIBERDADE negados, como se vê dos documentos que seguem juntos.(docs.01 e 02)

 

 

Os indeferimentos se deram a) em face da gravidade do crime e, depois, b) em razão de, sob minha ótica, não ter ocorrido excesso de prazo para o encerramento da instrução.

 

III – O CONSTRANGIMENTO A QUE SE ACHA SUBMETIDO O PACIENTE. A NECESSIDADE DE QUE SEJA RESTITUÍDA A SUA LIBERDADE SEM MAIS TARDANÇA.

O paciente, nada obstante a imputação que lhe é feita pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, é preciso convir, está, sim, agora, submetido a constrangimento ilegal.
Com efeito, do dia em que foi indeferido o segundo pedido de liberdade do paciente(cf. doc.02), até a data atual, já se passaram quase quarenta dias, sem que se conclua instrução criminal e sem que se possa atribuir a ele as razões do atraso.

 

 

O atraso, é preciso convir, deve ser credito exclusivamente à máquina judiciária, definitivamente emperrada na última administração, como vou demonstrar a seguir.

 

IV – AS NOSSAS PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE TRABALHO. AS RAZÕES DO EXCESSO. A OMISSÃO DA CORREGEDORIA. O ABAIXO-ASSINADO DOS MAGISTRADOS CLAMANDO POR CONDIÇÕES DE TRABALHO.

A sétima vara criminal tem sido vítima da falta de condições de trabalho deste a administração da des. ETELVINA RIBEIRO GONÇALVES.

 

Durante a administração da des. ETELVINA RIBEIRO GONÇALVES, v.g., deixaram-me, injustificadamente e por longo período, com apenas um oficial de justiça, o que inviabilizou o meu trabalho e reduziu a minha produtividade – por coincidência, no ano em que concorri ao cargo de desembargador em que foi escolhida a dez. NELMA CELESTE COSTA.

Depois, veio a administração do des. STÉLIO MUNIZ, a quem não posso responsabilizar pelas minhas dificuldades. Mas durante esse período, fique sem DEFENSOR PÚBLICO. Em face disso, por vários meses busquei um convênio com a OAB/MA, para suprir a falta da DEFENSORIA.

Sem DEFENSOR PÚBLICO, os processos tiveram grave solução de continuidade, prejudicando, dessarte, a minha produtividade. Passei, por isso, vários meses implorando aos advogados, no corredor do Fórum, para que aceitassem a defesa dativa.

Nessa situação, os processos se avolumaram, as instruções emperraram e os meliantes, em liberdade, fizeram a festa.

Agora, sobreveio a gestão do des. RAIMUNDO FREIRE CUTRIM – para mim a mais desastrosa, caótica e inoperante das que conheci nos meus vinte anos de judicatura. Nela o caos se estabeleceu. Não vou fazer nenhum comentário. Vou apenas encaminhar a Vossa Excelência o abaixo-assinado subscrito pelos juizes criminais, onde se afirma que servimos apenas para conceder LIBERDADE PROVISÓRIA e para RELAXAR PRISÕES ILEGAIS.

Diante do caos estabelecido, sem carros para diligências, sem papel e toner para impressora, às vezes sem água, sem fotocopiadora e coisas que tais, não se poderia mesmo concluir a instrução a tempo e hora.

Por todo o exposto, reconhecendo o constrangimento ilegal a que esta submetido o paciente, cuidei de, nesta data, RELAXAR a sua PRISÃO – afinal este é o único papel de um juiz criminal em São Luis.

 

Cordialmente,

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Para ratificar as nossas precárias condições de trabalho, aproveito o ensejo para publicar o abaixo-assinado subscrito pelos juizes das varas criminais, dirigido ao Excelentíssimo Senhor Desembargador RAIMUNDO FEIRE CUTRIM, no qual, dentre outras coisa, admitimos que, hoje, o juiz criminal serve apenas para conceder LIBERDADE PROVISÓRIA e para RELAXAR PRISÃO ILEGAL.
Esse quadro é desalentador e nos obriga a refletir.

 

 

A seguir, o inteiro teor do abaixo-assinado.

 

ABAIXO-ASSINADO DOS JUÍZES DAS VARAS CRIMINAIS DA COMARCA DE SÃO LUIS, ESTADO DO MARANHÃO, AO EXECELENTÍSSIMO SENHOR CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA

Os signatários, juízes com atuação junto às varas criminais desta comarca, vêm, com respeito, diante de Vossa Excelência, clamar por melhores condições de trabalho, para que possam melhor atender à comunidade.

 

Várias são as dificuldades que temos para desempenhar as nossas funções – precárias acomodações, carência de material de expediente, computadores obsoletos, etc. Mas a maior dificuldade que enfrentamos, sem dúvidas, é a falta de transporte para que os oficiais de justiça cumpram, a tempo e hora, as diligências indispensáveis à realização das audiências.

Diante das dificuldades pelas quais passamos, nós, juízes criminais, temos, de certa forma, nos constituído em pertinazes, tenazes subscritores de LIBERDADE PROVISÓRIA e RELAXAMENTO DE PRISÃO, este sempre – ou quase sempre – decorrente de excesso de prazo para conclusão da instrução, por falta de condições de trabalho.

Essa situação nos constrange e nos coloca muito mal diante dos nossos jurisdicionados, os quais, por desinformação, nos vêem apenas como os responsáveis pela LIBERDADE deste ou daquele meliante, como se fôssemos insensíveis diante do quadro de violência e impunidade que se descortina sob nossos olhos.

A sociedade, extenuada, desalentada, cobra, ainda que silenciosamente, uma resposta do PODER JUDICIÁRIO, máxime das varas criminais, em face do sentimento de impunidade que se esparge por todo o tecido social, muitas vezes estimulando o exercício arbitrário das próprias razões.

Com as sucintas razões acima elencadas, rogamos a Vossa Excelência que, sem mais demora, resolva o grave problema do setor de transportes do Fórum, para que ele possa atender as demandas das varas criminais e para que, nós, juizes, possamos atender aos reclamos da sociedade, cada dia mais abespinhada, atormentada em face da violência que se esparge em todos os quadrantes da sociedade.

 

Colocando-nos à vossa disposição para informações complementares, subscrevemo-nos,

 

Atenciosamente,

Juíza Florita Castelo Branco Campos Pinho
Titular da 1ª Vara Criminal

Juiz Reinaldo de Jesus Araújo
Auxiliar 2ª Vara Criminal

Juíza Ana Célia Santana
Auxiliar da 3ª Vara Criminal

 

 

 

Juíza Maria José Milhomem B. de Melo
Titular da 4ª Vara CriminalJuíza Maria da Conceição Sousa Mendonça
Titular da 5ª Vara CriminalJuiz Raimundo Humberto S. Sousa
Titular da 6ª Vara Criminal

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara criminal

Juiz Fernando Luiz Mendes Cruz
Titular da 8ª Vara Criminal

Juiz Raimundo José Barros de Sousa
Titular da 9ª Vara Criminal

Juiz Luiz de França Belchior Silva
Titular da 1ª Vara de Entorpecentes

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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