Há cronistas que juram de pés juntos que a inspiração para uma crônica é uma “luz que chega de repente, com a rapidez de uma estrela cadente, que acende a mente e o coração (João Nogueira). Confesso que, de minha parte, não recebo as minhas crônicas com a mesma rapidez. Tenho até muitas dificuldades para escrevê-las. É que elas precisam de um fato concreto e relevante para se manifestarem, daí que estou sempre atento aos acontecimentos para que, a partir deles, flua a minha inspiração.
A política nacional, por exemplo, pela ação dos nossos representantes, é, para mim, uma fonte inesgotável de inspiração. Nesse sentido, eu bem que poderia, à falta de outro tema, refletir, aqui e agora, por exemplo, sobre a propalada “nova política”, em face do protagonismo do famigerado “Centrão”, onde habitam os mais fisiológicos homens públicos da nossa pátria. Não devo fazê-lo, no entanto, em face da minha condição de magistrado, na compreensão de que há limites para exposição do meu pensamento.
Aprendi, desde sempre, que não convém a um magistrado expor o seu pensamento sobre qualquer tema; máxime temas sensíveis como os políticos. É necessário prestar vassalagem ao bom senso e à ética, os quais devem ser a bússola a orientar as manifestações públicas de um julgador. Nesse sentido, não convém uma exposição demasiada sobre questões políticas, ainda que eu tenha em linha de conta que o juiz não deva ser um eunuco político.
À luz dos fatos e noutro giro, eu bem que poderia, se a mim me fosse permitido, comentar, com a devida profundidade, a decisão de soltura de André do Rap pelo ministro Marco Aurélio Mello, via liminar, bem assim a contraordem emanada do presidente do Supremo Tribunal Federal. Todavia, da mesma forma, não convém fazê-lo. É preciso, também nesse caso e do mesmo modo, tributar homenagem irrestrita ao Código de Ética.
O certo é que outras tantas condutas dos nossos homens públicos poderiam, sim, levar-me à elaboração de um artigo. Afinal, eles não cansam de surpreender com as suas ações, algumas delas pouco ou nada republicanas; outras, em face da sua relevância, desafiando, tão somente, uma detida reflexão.
Com essas cautelas, vou me deter, portanto, na notícia que mais me chamou a atenção nos últimos tempos, pelo que ela tem de inusitada: o choro do ditador norte-coreano Kim Jong-in, no fim de semana passado, durante o desfile militar em comemoração ao 75º aniversário do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, seguido de um pedido de desculpas ao povo coreano, admitindo, num rasgo de humildade, ter fracassado na condução do país em tempos de pandemia e tufões.
Confesso que nem nos meus delírios imaginei testemunhar o choro de um ditador e, no mesmo passo, uma manifestação de humildade desse mesmo ditador. Um ditador vertendo lágrimas perante seus súditos é algo que eu supunha não ser possível, ciente de que são, de rigor, pessoas insensíveis, quase sempre más, que não hesitam em mandar matar, em trucidar um adversário ou um inimigo político para se perpeturem no poder, como registram os fatos históricos.
Dito isso e ao ensejo, importa consignar, para não perder a oportunidade – e aqui faço o registro em minha defesa também -, que pessoas com a feição casmurra também choram. Daí porque não me surpreendi, como o fiz em face do ditador, quando vi o ministro Gilmar Mendes com a voz embargada na despedida de Celso de Mello, da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal.
Os fatos aos quais fiz menção acima deixam uma lição comezinha: o homem, por mais forte que pareça, por mais frio que seja, por mais poder que tenha, ainda que seja uma pessoa destemida, violenta e aparentemente insensível, também chora, seja ele um ditador, um ministro do Supremo Tribunal Federal ou um simples mortal, como o signatário destas reflexões.
É isso.