CONVENHAMOS, NÃO É POUCA COISA
Nunca busquei o poder a qualquer custo. Nesse sentido, sempre deixei que as coisas fluíssem. Não me submeto, assim, a qualquer condição para ascender. Contudo, não penso e nem ajo nesse sentido para parecer diferente, já que o normal mesmo é, estando no poder, buscar ascensão, alcançando cargos de direção, para engrandecer o curriculum, ser destacado numa galeria de fotografias ou para receber homenagens, o que não é bem a minha praia; ademais, porque sou carente de dois predicados básicos para qualquer pleito eletivo: simpatia e carisma.
Essa minha posição confronta a teoria segundo a qual todas as nossas motivações e energias não passam de aspirações pelo poder; até mesmo o sexo, o que, segundo essa teoria, seria uma das categorias de poder, “seja porque queremos possuir o corpo de outra pessoa – e, portanto, possuímos a pessoa completamente -, seja porque achamos que, ao possuí-la, impedimos outros de fazê-lo” (Leszek Kolakowki, in Pequenas Palestras sobre Grandes Temas, editora Unesp, p. 12).
Nessa linha de compreensão, Hobbes entendia que o movimento primário de todo ser humano é em direção ao poder. É dele a conclusão: “[…] evidencio uma inclinação geral de toda a humanidade, um perpétuo e incansável desejo de poder após poder, que só cessa com a morte[…]” (apud Martin Cohen, Casos Filosóficos, 2012, p.135).
É compreensível, pois, é à luz dessas menções teóricas – confirmadas na prática -, que muitas energias são despendidas pelo homem na busca pelo poder. Daí que não são poucos os que, obstinados, perseguem o poder de toda forma, despendendo até as forças que não têm. Todavia, a busca do poder não deve levar os postulantes a uma luta fratricida e sem limites, impondo aos contendores, bem ao reverso, o necessário e inefável respeito à sua própria dignidade.
O homem público se credencia para o exercício do poder em face da sua história; daí por que a sua conduta deve, como imperativo moral, ser ilibada, escorreita, imaculada, ainda que a ascensão, muitas vezes, resulte frustrada. Assim pensando, compreendo que não se deve transigir com o erro e com as concessões covardes e pouco republicanas em face do poder.
Faço essas reflexões apenas para deixar consignada a minha especial admiração por Sérgio Moro – não só em face de ter liderado a maior e mais exitosa operação de combate à corrupção que se tem notícias na história do Brasil, como também por não ter se submetido aos caprichos do supremo mandatário da nação para alcançar uma indicação ao Supremo Tribunal Federal, sabido que não são poucos os que, por ela, trocariam a própria dignidade. Digo isso porque ele bem que poderia ter aquiescido com todas as vontades de Sua Excelência para, assim, ficar “de boa” e pavimentar seu caminho em direção à suprema indicação, como vem fazendo André Mendonça, “em ações tão espetaculares quanto ridículas” (Elio Gaspari). Sérgio Moro, ao contrário, com a honradez e dignidade poucas vezes vistas, firmou posição definitiva em face de suas convicções e, com elas inabaladas, abriu mão de sua indicação, no afã de fazer a coisa certa.
Nada obstante a admiração que nutro por Sérgio Moro, como de resto nutrem por ele todas as pessoas de bem cansadas dos desvios de conduta dos nossos homens públicos, anoto que sempre vi, com reservas (cum grano salis, portanto), determinadas posições do ex-juiz, que, como todos nós, errou aqui e acolá, malgrado, reconheça-se, com absoluta preponderância dos acertos, razão pela qual eu não o absolvo de seus pecados e nem o canonizo pelos acertos, impondo-me o dever, todavia, de destacar que, num mundo em que há pessoas capazes de qualquer expediente pelo poder, ele, no particular, como em tantas outras ações, deu um exemplo de rara dignidade ao Brasil: primeiro, ao deixar o Poder Judiciário para servir ao país e, depois, ao abrir mão da indicação ao STF, em defesa de suas convicções pessoais, o que, convenhamos, não é pouca coisa.
É isso.