OS DONOS DA VERDADE

Nada é mais danoso para as relações do que a soberba, a vaidade e arrogância. E, nesse cenário, vem junto a pretensão de ser proprietário da verdade, de conhecer o rumo certo, a direção, sobretudo quando se trata de um líder qualquer, pois, nesse alvitre, leva consigo parcela de seguidores, muitos dos quais, fanatizados, perdem a sensatez/lucidez.

Não sei lidar bem com essas questões. Aliás, tenho enorme dificuldade de conviver com os que se imaginam proprietários da verdade, como se esta fosse, como qualquer objeto de consumo, exposta à venda numa gôndola de supermercado.

Contudo, não é assim qu a banda toca, disso inferindo-se que, por mais relevante que seja a nossa posição, por mais destacada que seja a nossa atuação, por maiores que sejam as nossas convicções, é preciso ter humildade para ouvir e refletir sobre os que pensam diferente.

Não se constrói o mundo com arrogância, tentando impor as nossas vontades, os nossos desejos, e, de quebra, as nossas verdades, seja qual for a posição que ostentemos na sociedade, sobretudo se as nossas posições entram em rota de colisão com a ciência e se exercemos uma posição de liderança, porque esse tipo de comportamento açula a insensatez dos que se recusam a pensar.

Se é verdade que a vida, não é menos verdadeiro que há os que teimam em não aprender e preferem arrotar incoerência e arrogância, levando consigo, quando se trata de uma liderança, os indefesos, ignorantes e fanatizados, cujo horizonte se perdeu em face de sua estupidez, limitadora de sua cognição.

Na ficção, tudo é possível, porém, no mundo dos comuns, ainda não nasceu um dono da verdade, conquanto haja aqueles que se arvoram proprietários dela, nem que, em face disso, precisem, muitas vezes, desqualificar o interlocutor, em vez de refletirem sobre o objeto do conhecimento.

Devido a esse enorme equívoco de percepção, os que se imaginam donos da verdade creem estar sempre certos, imputando, nesse afã, o erro e a percepção equivocados sempre ao interlocutor. Por isso, não raro, são histriônicos, tentam vencer os embates com argumentos irracionais, esmurrando o bom senso e agredindo a sensatez, incapazes que são de parar para ouvir o ponto de vista adverso, daí que, em vez de melhorarem os argumentos, gritam e desqualificam os que pensam diferente (Desmond Tutu).

Convém lembrar, a propósito, o grande Elio Gaspari, para quem “a convicção de estar sempre certo nos impede de reconhecer que somos capazes de errar”, razão pela qual, por pensarem desse modo, vivem em permanente solidão, na suposição, também equivocada, de se bastarem a si mesmos (Vinicius de Morais).

Para ilustrar essas reflexões, convém chamar à colação a reflexão do ministro Luís Roberto Barroso, segundo o qual “quem pensa diferentemente de mim não é meu inimigo”, para, na mesma linha, argumentar que “a verdade não tem dono e que respeitar o outro e conviver com a divergência não significa abrir mão de si próprio”.

Logo, é preciso aceitar o pluralismo e o contraditório. Pena que há os que não aceitam a diversidade como algo natural; em face disso, pensam solitariamente, não aceitam a divergência, que veem como uma afronta. Por isso, ao invés do argumento contrário, focam, muitas vezes, na pessoa de quem o enuncia, numa lamentável reafirmação desse péssimo hábito brasileiro de que o melhor argumento é desqualificar moralmente quem pensa diferente.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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