Uma das maiores dificuldades que constato nas relações que travamos com o semelhante – sejam colegas, amigos, filhos ou mesmo consorte – decorre da nossa incapacidade de compreender e de ser compreendidos..
Nesse cenário, não é rara uma desinteligência em face de uma incompreensão, que pode, dependendo da relevância, levar a relação ao paroxismo, disso resultando a reafirmação do óbvio, ou seja, de que, nas nossas relações, precisamos ser, além de compreensivos, tolerantes.
A verdade é que as pessoas não conseguem – ou não querem – definitivamente, compreender as outras – por má-fé, maldade ou incapacidade mesmo; incapacidade que, desde o meu olhar, é muito mais significativa quando se tratam das relações que se travam no âmbito das corporações.
Mas as incompreensões são, até, irrelevantes, se levarmos em conta que, no mundo que habitamos, competindo com a mesma tenacidade com as incompreensões, viceja, ademais, com efeitos muito mais danosos, o mais deletério e nefasto de todos os sentimentos que é a inveja, sentimento repugnante e sobre o qual já me detive em outras reflexões.
Se é verdade, como antecipei algures, que temos enormes dificuldades para compreender o semelhante, maiores serão as dificuldades se o semelhante é dissimulado, do tipo que não diz coisa com coisa, que afirma negando e que nega afirmando, que diz hoje o que nega amanhã, que sublima a farsa e o embuste como armas argumentativas.
Só para ilustrar, lembro que, antes do desfecho da revolução de 30, Getúlio Vargas, aluno aplicado da escola do caudilho Borges de Medeiros, dissimuladamente, fazia juras de fidelidade eterna a Washington Luis, então presidente da República, de quem tinha sido ministro da fazenda, enquanto que João Neves, por determinação do mesmo Getúlio Vargas, por trás, prosseguia costurando a aproximação com Minas Gerais, dificultando, assim, a real compreensão de sua posição política, que só terminou por se revelar com o desfecho da Revolução que o levou à presidência da República, cumprindo destacar que, quando insinuado o flerte com Minas, João Neves se limitou a dizer que o Rio Grande tinha olhos para todos os lados, à direita e à esquerda, como o fazem os jacarés.
Ainda a guisa de ilustração. Quando sondado por Assis Chateaubriand sobre a possibilidade de um candidato do Rio Grande do Sul, terceira força eleitoral do país à época, para se contrapor ao candidato de Washington Luis, no caso Júlio Prestes, Getúlio encarregou o oficial de gabinete a providenciar uma resposta imediata. Mas advertiu: era preciso mostrar-se receptivo à ideia de um acordo com Minas, para não denotar desprezo pelo caso, mas também com cuidado para não demonstrar entusiasmo excessivo, a fim de não transparecer avidez pessoal. É dizer: era preciso, segundo orientação de Getúlio, não se fazer entender, não ser compreendido, pois, afinal, no mundo da política, é assim mesmo que as coisas funcionam.
Mas no mundo do simples mortais as coisas deveriam fluir de outra forma. É preciso ter clareza nas ideais, como é necessário, ademais, predisposição para o entendimento. É preciso ter ciência que nas relações pessoais não se pode viver de tergiversações, de aparências, a partir de frases dúbias, feitas para não ser entendidas, pois isso pode denotar uma esperteza que não se coaduna com o que se espera nas relações das pessoas que se amam, se prezam e se respeitam.
É isso.