Principio essas reflexões com uma advertência de Yuval Noah Harari, que serve bem aos que não movem uma palha para ajudar a mudar o mundo, caso, por exemplo, dos juízes que, por comodidade, preferem o conforto da interpretação literal dos textos normativos, ainda que se saiba que o direito pode não estar integralmente contido na lei: “Se o futuro da humanidade for decidido em sua ausência, porque você está ocupado demais alimentando e vestindo seus filhos – você e eles não estarão eximidos das consequências”. (Trechos do ebook “21 Lições para o século 21”, Companhia das Letras. Apple Books).Feito o registro, digo, agora, que todos nós, magistrados, temos, por dever de ofício, que refletir acerca da nossa atuação em face das expectativas da sociedade, o que nem sempre ocorre, porque há, sim, como exceção danosa, os que não dão importância para o nosso deficit de credibilidade.
À luz dessa constatação e tendo em vista que vivemos tempos de inovações tecnológicas que estão revolucionando a prestação jurisdicional, decidi, nessa oportunidade, tecer considerações em face dos juízes que chamo, para fins de comparação, de “digitais” (contemporâneos) e dos que denomino “analógicos” (atrasados).
Devo advertir, nessa linha de reflexão, que nenhum avanço tecnológico reverterá o quadro atual de descrença, se não houver sincronia entre esses avanços e uma mudança de rumo de alguns magistrados, para os quais o tempo parece não ter passado, razão pela qual continuam, mesmo diante das inovações tecnológicas, com uma mentalidade, digamos, analógica, ou seja, atrasada.
O Poder Judiciário avança, a olhos vistos, com a perspectiva de, nos próximos anos, possibilitar a todos os brasileiros acesso amplo, irrestrito e em tempo real aos nossos serviços. Mas essa será uma conquista que tende a ser debalde se não houver uma mudança de atitude do próprio magistrado, de quem se espera, cada vez mais, comprometimento com o seu desempenho, integridade e previsibilidade em suas decisões.
Faço a advertência porque, nos dias atuais, ainda há juízes que teimam em decidir, por exemplo, contra os precedentes, olvidando-se que eles, os precedentes, conferem “segurança jurídica, isonomia e eficiência às decisões” (Luís Roberto Barroso), agindo, com efeito, na era digital como se vivessem no mundo analógico.
Nesse cenário, importa redizer, noutro giro, que “Juiz digital”, sendo juiz do seu tempo, é aquele que, além de não surpreender a cada decisão, não tem medo de processo; e decide contramajoritariamente, se necessário, ainda que, decidindo, tenha que enfrentar os dissabores propiciados pelas incompreensões.
O “Juiz digital”, lado outro, age sempre, no dia a dia, como qualquer cidadão, sem explorar prestígio ou traficar influência, e sem ousar bradar o odiento “sabes com quem estás falando”, porque tem ciência e consciência de que todos são (ou deveriam ser) iguais perante a lei.
O “Juiz digital” tem consciência de que, algumas vezes, tem que se transformar num gladiador (para lembrar Dworkin e o juiz Hércules), para bem decidir, sem permitir, jamais, a instrumentalização da sua razão, que, sabe-se, não liberta; antes, oprime ( Marilena Chauí).
Nessa linha de intelecção, importa concluir que o “Juiz digital” é aquele que, diante de um pleito judicial para o qual não exista regra específica (dogma da subsunção), não se furta de decidir, de uma maneira ou de outra, objetivando a satisfação dos direitos vindicados, que, afinal, é o seu, é o nosso compromisso.
Finalmente, “Juiz digital” é aquele que sabe que não existe intérprete neutro e que o ponto de observação do julgador faz a diferença, razão pela qual toda interpretação contém um grau considerável de subjetividade, que deverá, sempre, ser sopesada, para não deixar transparecer que não tenha sido imparcial.
É isso.