SABER OUVIR


“Temos de tirar o chapéu para a vida, em homenagem às técnicas de
que ela dispõe para despojar um homem de toda a sua relevância e
esvaziá-lo completamente do seu orgulho” (CASEI COM UM
COMUNISTA, de Philip Roth).
Faço a ilustração para que nos lembremos, sempre, que nenhum orgulho
resiste às vicissitudes da vida, daí a necessidade, ante essa certeza
indiscutível, que o homem se despoje do seu orgulho, tirando o chapéu
para a vida, para a sedimentação das boas relações, sem radicalismo,
ante a certeza, que alguns obscurecem, de que a verdade não tem dono
e que o orgulho exacerbado não contribui para a sedimentação das
relações sociais.
Nesse sentido, conviver com os contrários, com quem pensa e age
diferente de nós, é um aprendizado que requer paciência e exige de
todos nós uma certa dose de perseverança e, sobretudo, humildade.
Todavia, tenho constatado, não tem sido fácil, por arrogância e vaidade,
sobretudo nos dias presentes, contemporizar as posições antípodas, que
tendem, por óbvio, a ser mais frequentes, quanto mais plural for a
sociedade.
No mundo plural em que vivemos, portanto, é preciso saber ouvir,
refletir, com respeito e humildade, o que dizem aqueles que pensam
diferente de nós.
Qualquer pessoa minimamente atenta já deve ter percebido que
habitamos num mundo onde pontificam, infelizmente, os que não
sabem ouvir, os intolerantes, os que desprezam os argumentos do
interlocutor, como se fossem senhores absolutos da razão, a reclamar,
urgentemente, uma revisão de conceitos, pois, muito provavelmente,
quando se derem conta de que a verdade não tem dono, e que talvez
tenham se apropriado de uma mentira, sentir-se-ão como aquele sujeito
que, apesar do poder que tinha, apesar de toda a sua arrogância, não
podia mudar a cor da luz do semáforo, se submetendo, nesse cenário, às
mesmas restrições impostas a todos, indistintamente, como de resto
acontece em várias passagens da vida.
Não é democrático, nem razoável, definitivamente, não saber ouvir,
não tolerar a adversidade.
O pensamento único e a verdade absoluta não habitam o mundo da
relatividade, que não tolera os que só o veem de acordo com as cores
da sua lente, conforme as suas idiossincrasias, com os valores que
incorporou e a partir dos quais forjou a sua personalidade.
Viver, conviver, compartilhar as inquietações, as angústias com os que

pensam de modo diferente, com os que têm visão de mundo oposta à
nossa, é um exercício de humildade que todos nós deveríamos cultivar.
Nesse sentido, importa destacar, também à guisa de ilustração, que o
médico Dráuzio Varela, em “Carcereiros”, lamenta ter perdido contato
com o mundo marginal, destacando que essa situação deixava a sua
vida mais pobre, vez que não suportava ter que conviver
exclusivamente com pessoas da mesma classe social e valores
semelhantes aos dele, sem a oportunidade de se deparar com o
contraditório, com o avesso da vida que levava.
Essa, sim, é uma lição de vida para os que só querem ouvir a sua
própria voz, para os que abominam a diversidade, a pluralidade de
ideias.
É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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