Vão-se os anéis – e os dedos, também

Vivendo como somos obrigados a viver nos dias atuais, sem paz de espírito, atormentados pela violência, pela corrupção, pelas injustiças sociais e por tantas coisas mais que nos infelicitam, sou remetido, inapelavelmente, a Confúcio que, mesmo pobre, tinha tanta alegria de viver que chegou a pensar que a vida bem vivida era mais importante do que qualquer vida após a morte. Confúcio, importa lembrar, vivendo num mundo de ambição e traição, exaltava a cortesia e a lealdade, a humildade e a delicadeza. Só podia mesmo ser muito feliz. Quantos de nós precisamos lembrar das lições de humildade de Confúcio?

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Vou publicar, a seguir,  mais uma das muitas crônicas que fiz – e faço – em face da quase insuportável violência que permeia a  vida em sociedade.

Antecipo abaixo um fragmento da crônica em comento:


 

  1. Vejo agora que, conforme parece, não basta entregar os anéis para preservarem-se os dedos. Vejam o que aconteceu no Rio de Janeiro com o empresário Marcelo Viana e com a publicitária Paula Barreto. Foram assaltados, ainda conversaram civilizadamente com os autores do crime, entregaram tudo que tinham aos quatro assaltantes, sem reagir. Todavia, ainda assim, foram jogados num abismo, na Av. Niemeyer. Não morreram por sorte. Contudo, arrasados psicologicamente – para sempre, não tenho dúvidas.
  2. Será que não bastava assaltar? Não bastava a violência? Não era suficiente o abalo psicológico? Não foi suficiente a subtração dos bens e da paz? Não bastava infernizar a vida das vítimas? Não bastava lhes tirar o sossego? Não foram suficientes os anéis? Querem também os dedos?

 

 

A seguir, a crônica, por inteiro.

Em virtude da violência que permeia a vida em sociedade, e do conhecimento que tenho sobre o proceder dos assaltantes, sempre orientei meus filhos como devem proceder ante um assalto: entregar tudo que têm, sem o mínimo gesto que possa ser entendido como uma reação. Com essas recomendações, o que pretendo é que eles, diante da situação de perigo que decorre de um assalto, preservem a vida, sem se preocuparem com o bem material que, ao que parece, por um raciocínio lógico, é o que almejam os assaltantes. No ano passado, a confirmar a minha antevisão, meu filho foi assaltado, não reagiu, entregou o seu aparelho celular ao meliante e voltou para casa são e salvo. Como qualquer pessoa descrente, sequer noticiou o fato à Polícia Judiciária. O assalto ao meu filho enriqueceu as cifras negras da criminalidade. Mas isso não é o mais importante. Ele foi apenas mais uma vítima da violência. O mais importante mesmo foi tê-lo, por inteiro, vivo e feliz, sendo preparado – e se preparando – para os próximos contratempos que decorrem da vida em sociedade.
Vejo agora que, conforme parece, não basta entregar os anéis para preservarem-se os dedos. Vejam o que aconteceu no Rio de Janeiro com o empresário Marcelo Viana e com a publicitária Paula Barreto. Foram assaltados, ainda conversaram civilizadamente com os autores do crime, entregaram tudo que tinham aos quatro assaltantes, sem reagir. Todavia, ainda assim, foram jogados num abismo, na Av. Niemeyer. Não morreram por sorte. Contudo, arrasados psicologicamente – para sempre, não tenho dúvidas.
Será que não bastava assaltar? Não bastava a violência? Não era suficiente o abalo psicológico? Não foi suficiente a subtração dos bens e da paz? Não bastava infernizar a vida das vítimas? Não bastava lhes tirar o sossego? Não foram suficientes os anéis? Querem também os dedos?
Vivendo como somos obrigados a viver nos dias atuais, sem paz de espírito, atormentados pela violência, pela corrupção, pelas injustiças sociais e por tantas coisas mais que nos infelicitam, sou remetido, inapelavelmente, a Confúcio que, mesmo pobre, tinha tanta alegria de viver que chegou a pensar que a vida bem vivida era mais importante do que qualquer vida após a morte. Confúcio, importa lembrar, vivendo num mundo de ambição e traição, exaltava a cortesia e a lealdade, a humildade e a delicadeza. Só podia mesmo ser muito feliz. Quantos de nós precisamos lembrar das lições de humildade de Confúcio?
Confúcio, só para recordar, nasceu em 551 a.C. e pertencia a uma ala pobre da China, mas, diferente de muitos (daí porque era feliz), não tinha ambições materiais. Ele era do tipo que tinha tanta alegria de viver que esquecia as suas preocupações e sequer notava a chegada da velhice.
Nos dias de hoje, com a ambição desmedida de muitos, com o sonho de consumo deformando a personalidade, com a volúpia pelo poder beirando ao paroxismo, chega-se até a pensar que o melhor que se faz, ao reverso de Confúcio, é esperar pela outra vida, já que a vida aqui na terra está quase insuportável, sobretudo para quem ainda tem a capacidade de se indignar.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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