A CULTURA DA DISCRIMINAÇÃO

É comum falar em preconceito quando julgamos uma pessoa pelos mais variados motivos.

Na verdade, ao pé da letra, não é bem preconceito, na medida em que preconceito nada mais é do que um conceito formado antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos.

Mas, reconheço, do preconceito pode vir a discriminação, que ocorre quando destacamos uma pessoa em face de uma condição especial ou quando pretendemos – ou tentamos, pelos menos – estabelecer uma separação, uma apartação ou segregação dessa mesma pessoa, nas mais variadas circunstâncias e pelos mais diversos motivos.

A recente discriminação, na busca de apartação, de algumas jovens universitárias da Bauru, São Paulo, em face de uma aluna “velha”, de 45 anos, que causou furor e indignação nacional, levou-me a essa reflexão.

Entendo, examinando os fatos numa outra dimensão, que é preciso analisar o comportamento dessas jovens para além da situação fática subjacente.

A maioria, claro, justificadamente, criticou, com veemência, o comportamento das jovens.

E acho que deve mesmo ser criticado, face à intolerância nele contido, a contribuir para a situação conflituosa na qual estamos todos inseridos nos dias atuais, potencializada pela internet (rectius: redes sociais), que, como diz Umberto Eco, celebrado autor de “O nome da rosa”, deu voz a um legado de imbecis.

O que quase ninguém atentou – que é o que importa mesmo para essas reflexões – é que, na verdade, essas jovens são produto de uma cultura discriminatória há muito sedimentada na sociedade.

A verdade, translúcida e insofismável, é que a nossa sociedade foi construída com base em preconceitos que nos levaram às situações discriminatórias como a que me reportei acima, tornando a vida em sociedade mais conflituosa.

Essa cultura, nos dias de hoje, apenas se potencializou no mundo sem controle da internet, que tem abrigado, como sói ocorrer, os mais condenáveis comportamentos.

O que testemunhamos hoje, com as redes sociais, é o que todos fazem intramuros, nas rodas seletas de amigos, cuja repercussão e consequente condenação moral só corre quando a discriminação ultrapassa o umbral da privacidade.

A verdade é que todos, de certa forma, em determinado momento da vida, em determinadas circunstâncias, discriminamos o semelhante.

Essas jovens, portanto, são o resultado de um caldo de cultura nefando, do que se pode inferir que, de rigor, elas apenas externalizaram, nas redes sociais, o pior da nossa formação cultural.

É bem de concluir-se, pois, que elas não agiram em face do nada.

Elas não inventaram a discriminação.

Elas são, tanto quanto nós outros, produto de uma cultura que se sedimentou com o tempo, convindo lembrar, à guisa de ilustração, que, por muito tempo, o branco considerou o negro como um ramo à parte da espécie humana (Laurentino Gomes, Escrivão III).

Elas agiram, portanto, em face do que aprenderam nos ambientes que vivem ou frequentam, nos quais o preconceito e a discriminação são algo natural, na medida em que, em face deles, podem-se dar boas risadas escarnecendo o semelhante.

Elas só não entenderam que os tempos são outros.

Elas não se deram conta que o preconceito e a discriminação, tolerados intramuros, recebem, nos dias de hoje, veemente condenação moral, sobretudo quando veiculados em redes sociais.

A verdade é que discriminamos em face de quase tudo; isso é fato.

Eu mesmo sofri várias discriminações na minha vida.

Fui discriminado até pelos defeitos que nunca tive.

A vida em sociedade tem sido assim.

Discrimina-se pela estatura, pela cor, pela origem, pela falta de cultura, pelo excesso de cultura, pelo peso, pela opção sexual, pela posição assumida, pela posição não assumida etc.

Em face desse cenário, a mudança depende de cada um de nós.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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