NEM TUDO QUE PARECE É O QUE PARECE SER

A frase que tomo de empréstimo para título dessa crônica é de todos conhecida.

Ela encerra um ensinamento para a vida, pois tendemos, sim, ante uma circunstância que dimana das relações sociais, imaginar estar diante do que aparenta ser o quê, na verdade, não é.

Ressabiado, diante de tantas decepções vividas, lembro que, determinada época, tive, no corpo de funcionários sob o meu comando, um(a) funcionário(a) que, de tão eficiente, de tão atencioso(a), despertava em mim uma inquietação.

Pensava, com meus botões, a propósito, que ele(a) – o(a) funcionário(a)- devia ter algum defeito grave que eu ainda não havia percebido, já que, pela minha experiência de vida, não existia no mundo alguém que fosse tão certinho(a) como ele(a) aparentava ser, ou seja, que tivesse tantas qualidades quanto as que eu via nele(a).

Com o tempo, lamentavelmente, confirmei o que mais temia, ou seja, ele(a) não era mesmo o que aparentava ser. Como todo ser humano, tinha defeitos – alguns graves e insuperáveis – os quais impuseram o seu afastamento do corpo de servidores.

Esse é um fato que, em face do ambiente em que foi gerado, não teve maiores repercussões, pois que dele resultou apenas a minha decepção com o ser humano; mais uma, apenas.

Numa outra perspectiva de reflexão – mas dentro do contexto das relações humanas -, é de rigor a constatação, ademais, que, muitas vezes, o que aos nossos olhos se revela, à primeira vista, como uma boa intenção, uma ação magnânima, pode trazer embutida uma armadilha, uma maldade, a partir da qual reafirma-se, a toda evidência, uma face tenebrosa – dentre tantas – do ser humano.

Uma passagem da nossa história para ilustrar a minha constatação.

Evaristo da Veiga, autor da letra do Hino Nacional, fundador da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, propunha o fim do tráfico negreiro, o que, em princípio, se mostrava uma benemérita atitude. Mas, lamentável dizer, todavia, não era uma manifestação humanitária. Visava, na verdade, segundo sua ótica, estancar de imediato a infusão de sangue africano – tido por ele como raça estúpida e rude – na população brasileira, esquecido que rudeza e estupidez são apanágios de quem escraviza e não em face de quem é escravizado.

José Bonifácio de Andrada e Silva, de seu lado, tinha ideia semelhante, que, do mesmo modo, não decorria de uma visão humanitária, mas para proteger os brasileiros, segundo ele, da imoralidade, dos vícios, da falta de honradez dos “infames negros escravizados”, indignos de liberdade, desconsiderando que o que os tornava indignos não era a sua natureza, mas a natureza dos que, sem escrúpulos, os escravizava.

Diante de situações que tais – e tantas outras que permeiam as nossas relações – é que devemos estar sempre atentos, para nos proteger, desse duplo padrão comportamental, donde se vê que não são poucos os que, infelizmente, mediante desfaçatez, fingem ser o que não são, na medida em que suas ações revelam, definitivamente, a alma que têm e em razão da qual agem sem escrúpulos e sem controles.

Importa concluir, com essas reflexões, que o homem – e sua infinita capacidade de dissimular, de mentir, de fraudar e escamotear as suas verdadeiras intenções – encontra campo fértil para as suas mais perversas maquinações na incapacidade que muitos de nós temos de perceber a realidade, ou mesmo em face de uma deficiência cognitiva conveniente que nos impossibilita de ver – e querer ver – as perversas intenções que subjazem quando a realidade não convém aos nossos interesses.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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