Aqui e agora, a continuação das minhas reflexões em face do meu aniversário, no último dia 02, quando completei 70 anos; parcialmente bem vividos, admito, na medida em que somente parte das minhas idiossincrasias administrei com alguma competência, de modo a preservar a minha sanidade e dos que estão no meu entorno.
A barba e os cabelos encanecidos, a pela flácida, as marcas no rosto, a saudade candente e lancinante, em face do que vivi e do pouco que usufrui da vida que me foi ofertada, pelos mais diversos motivos, dão a exata dimensão da relevância do tempo vivido; tempo que, em mim, consolidou a certeza de que, mais importante que ter razão, é ser feliz, e que, ademais, um dia a mais na minha provecta existência me dá a sensação de viver uma bênção que não se concede a muitos.
O tempo passou, claro – e passou sem fazer concessões, como sói ocorrer. Devo a ele a eterna gratidão de me permitir viver o suficiente para poder compreender que devemos olhar muito mais a alma do ser humano que a sua aparência e modo de ser, para não ser levado a preconceitos e prejulgamentos.
O tempo me ensinou, dentre outras coisas, ser uma insensatez desperdiçar o melhor da vida complicando as coisas simples, descurando da importância de cada momento vivido, para só entendê-lo, muitas vezes, quando ele já se transformou em recordações. É que, como diz o sábio, o tempo passa, a vida passa, permanecendo em nós apenas as memórias, exceto, claro, as que não fomos capazes de guardar, quiçá em face de sua irrelevância.
Consciente de ter envelhecido, quero, agora, conduzir a minha vida em paz, até onde o tempo me premiar com sua generosidade, pois há algum tempo me dei conta que um dia mais é, na verdade, um dia a menos.
Velhinho capeta, mal-humorado, criador de caso, não sou – não quero ser.
Não sei ser assim, afinal.
Velhinho simpático?
Também não sou.
Se não fui simpático na juventude, é muito pouco provável que o seja na velhice.
Mas eu tenho arroubos de simpatia, sim – espasmos de simpatia, alguns dizem.
O que fica de lição, depois de tudo, é que, se não podemos parar o tempo, devemos, ao menos, com o tempo vivido e com o tempo que nos resta, amar o próximo, respeitar as diferenças, afagar quem precisa de afago, ajudar a minimizar a dor de quem sente dor, dar carinho a quem dele necessidade, ser solidário com o sofrimento alheio; e, se possível, viver sem drama, sem conflito e sem estresse – em paz com a vida e com fé no que virá.
Olho, mais uma vez, para o meu corpo e vejo que não cuidei de mim como deveria.
Não cuidei da matéria – e nem cuidei da alma.
Sei que é impossível, mas queria, sim, voltar no tempo, para poder reparar os erros que, podendo, não deixei cometer.
Queria, sim, voltar no tempo para pedir perdão as pessoas que magoei e que não podem mais me perdoar.
Queria, sim, fazer muita coisa diferente do que fiz, porque, reavaliando a minha trajetória, sei que poderia ter sido melhor do que fui – e sou.
Se voltasse no tempo, faria muitas coisas diferentes, sim.
Diferente dos arrogantes, eu admito, sim, que não faria tudo outra vez.
Eu faria só parcialmente o que fiz.
Eu, no mínimo, faria a mim as concessões que não fiz e seria mais tolerante com os erros dos outros – e com meus próprios erros, em razão dos quais me impus desnecessário sofrimento.
Eu, muitas vezes, fui rude comigo mesmo, por birra e insensatez, admito.
Exigi de mim muito mais do que deveria.
Nessa questão estive próximo da irracionalidade.
Eu sou, sim, esse ser contraditório e complexo que as palavras desnudam.
É isso.