Homicídio culposo. Absolvição. Culpa exclusiva da vítima

“No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Antecipo, a seguir, alguns fragmentos da decisão.

 

  1. Tivesse a acusada desenvolvendo, no momento do fato, ad exempli, velocidade excessiva, e, em face disse, tivesse atropelada a ofendida, poder-se-ia afirmar que agiu de conformidade com o artigo artigos 302, do CTB
  2. Mas não! O que ocorreu mesmo foi que a vítima, de inopino, provavelmente bêbeda, desceu do canteiro central da pista, provocando, com sua ação, o acidente do qual resultou a sua morte.
  3. Posso afirmar, portanto, que a única responsável pelo acidente foi a própria vítima. E quando tal acontece, não se pode responsabilizar o condutor do veículo atropelador, pois que não agiu com culpa – não foi imprudente, nem negligente.
  4. Não se pode dizer que quem trafega numa avenida de grande movimentação de veículo deve estar esperando que alguém, subitamente, atravesse a rua. Isso, para mim, não seria agir com prevenção. Seria muito mais que isso. Seria pura adivinhação.

 

Segue a decisão, por inteiro.

PROCESSO Nº 145462001
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO: M. DA P. A. DE L.
VÍTIMA: J. S.

Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra M. DA P. A. DE L., devidamente qualificada nos autos, por incidência comportamental no artigo 302, caput, da Lei 9503/97, em face de, no dia 06 de janeiro de 2001, poe volta das 21h00, quando dirigia um veículo Corsa Winda, 2000, pela Av. Daniel de La Touche/Cohama,no sentido Olho D’agua/Centro, a uma velocidade de 60(sessenta) quilômetros, ter atropelado J. S., quando esta tentou atravessar a avenida em comento, que faleceu em consequencia das lesões produzidas nela.
A persecução criminal teve início mediante portaria. (fls. 07)
Prova pericial às fls. 22.
Exame cadavérico às fls. 26.
Recebimento da denúncia às fls. 152/153.
A acusada foi qualificada e interrogada às fls. 158/159.
Defesa prévia às fls. 161/164.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas F. W. V. C. B. C. (fls.171), J. F. DE L. (fls. 172), M. S. D.(fls. 187/188) e J. D. P. (fls. 189).
Na fase do artigo 499 do CPP, o MINISTÉRIO PÚBLICO nada requereu. (fls.195v.)
Nas alegações finais, o MINISTÉRIO PÚBLICO pediu a absolvição da acusada, nos termos do inciso VI, do artigo 386 do CPP (fls.200/203), no que foi secundado pela defesa.(fls.212/215)

Relatados. Decido.

01.00. O MINISTÉRIO PÚBLICO, viu-se acima, denunciou M. DA P. A. DE L. por incidência comportamental no artigo 302 do CTB no dia 06 de janeiro de 2001, por volta das 21h00, quando dirigia um veículo Corsa Winda, 2000, pela Av. Daniel de La Touche/Cohama, no sentido Olho D’agua/Centro, a uma velocidade de 60(sessenta) quilômetros, ter atropelado J. S., quando este tentou atravessar a avenida em comento, que faleceu em consequencia das lesões produzidas nela.
02.00. A persecução criminal se desenvolveu em dois momentos distintos – sedes judicial e administrativa.
03.00. A primeira fase, eminentemente administrativa, teve início mediante portaria.
04.00. Várias foram as provas produzidas, com destaque para o interrogatório da acusada. (fls. 10/11)
05.00. A acusada admitiu estar na direção do veículo que atropelou a ofendida, deixando entrever, inobstante, que não teve como evitar a colisão, já que a ofendida, cambaleando, desceu do canteiro central da avenida, sem nenhum cuidando, sem atentar para a corrente de tráfego, decorrendo disso a inevitável colisão.(ibidem)
06.00. A acusada disse que, apesar de ter puxado o carro para o lado, não teve como evitar o acidente, tendo parado o veículo e prestado socorro ao ofendido. (ibidem)
07.00. Além da acusada, outras provas testemunhais foram colhidas – M. S. S. D. (fls. 17), F. W. V. C. B. C. (fls. 181) e J. F. DE L. . ( fls.19/20)
08.00. Na mesma sede foram produzidas as provas periciais – LAUDO DE EXAME DE VISTORIA EM VEÍCULO (fls.22) e EXAME CADAVÉRICO (fls. 22).
09.00. Com esses dados, onde avulta a importância da palavra da acusada, que não foi desmerecida por nenhuma outra prova, encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.
10.00. De posse dos dados colacionado em sede extrajudicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO ofertou denúncia contra M. DA P. DE L., imputando a ela o malferimento do artigo 302 do CTB.
11.00. Citada, a acusada foi qualificada e interrogada em juízo.(fls.158/159)
12.00. Nesta sede a acusada afirmou:

I – que, ao tempo do fato dirigia um Corsa Wind, de propriedade de seu filho.
II – que, na Av. Daniel de La Touche, sentido Olho D’agua/Centro, atropelou uma pessoa, que tentava atravessar a avenida.
III – que no dia do fato estava chovendo e ainda tentou desviar o veículo da vítima, não sendo possível, entretanto.
IV – que desenvolvia uma velocidade de 60(sessenta) quilômetros por hora.
V – que, além da chuva, a avenida era mal iluminada, em razão do que, quando viu a vítima, já estava muito próximo dela, não sendo possível evitar o choque.
VI – que, em seguida, cuidou de socorrer a vítima, levando-a para o socorrão, onde faleceu.

13.00. Em seguida foi ouvida, às fls. 171, a testemunha W. V. C. B. C., o qual, de seu lado, disse, dentre outras coisas:

I – que estava próximo ao local da ocorrência, porém não viu o momento do atropelamento, porque estava de costas.
II – que, depois de consumado o fato, a acusada tratou de socorrer a ofendida.
III – que, depois, ouviu comentários de que a vítima estava, provavelmente, embriagada.
IV – que ouviu comentários de que a vítima era bebedora habitual.
14.00. Dando prosseguimento à instrução criminal, foi ouvida a testemunha J. F. DE L. (fls. 172), esposo da acusada, o qual, de seu lado, afirmou:
I – que, ao tempo do carro, estava dentro do veículo da acusada.
II – que constatou que a vítima se desequilibrou e caiu na avenida em que trafegava a acusada, do que resultou o atropelamento.
III – que a acusada estava a 60 quilômetros por hora.
IV – que depois da colisão a acusada tratou de socorrer a ofendida.
15.00. M. S. S. D., que se encontrava no local da ocorrência, de sua parte, afirmou, dentre outras coisas:
I – que observou o ofendido no canteiro central da avenida, tentando atravessá-la.
II – que observou que outro motorista quase atropelava o ofendido, tendo conseguido desvia com uma manobra rápida.
III – que, na hora do acidente, o ofendido, mais uma vez, tentou atravessar a pista, tendo sido atingido quando colocou o pé na avenida.
IV – que a acusada não teve tempo de desviar do ofendido.
V – que a vítima foi socorrida pela acusada.(fls. 187/188)

16.00. Esses os principais dados amealhados em sede judicial.
17.00. Passo, a seguir, a par da prova consolidada, expender as minhas conclusões acerca do fato narrado na denúncia.
18.00. A conclusão a que chego,em face das provas amealhadas, na mesma linha de entendimento do MINISTÉRIO PÚBLICO, é que o ofendido foi o responsável exclusivo pela ocorrência.
19.00. A forma culposa de homicídio só restará tipificada, é consabido, se presentes estiverem os seguintes requisitos: a) comportamento humano voluntário; b) descumprimento de dever de cuidado objetivo; c) previsibilidade objetiva do resultado; e d) morte involuntária.
20.00. A par dessas considerações posso afirmar que ação da acusada não se amolda ao tipo penal do artigo 302 do CTB, tendo em vista que não descumpriu com o dever de cuidado objetivo, não tendo, pois, nenhuma responsabilidade pelo acidente ocorrido, atribuível exclusivamente à vítima.
21.00. A acusada, a considerar as provas consolidadas nos autos, não foi imprudente, não foi negligente e nem provocou o acidente por imperícia, disso resultando a inevitabilidade de sua absolvição.
22.00. Em se tratando de delito culposo, sabe-se, mister se faz a existência da prova plena e inconteste da imprudência, negligência ou imperícia, desprezando-se para tal presunções e deduções que não se arrimem em provas concretas e induvidosas.
23.00. A verdade é que o contexto probatório dos autos não evidencia que a acusada dispunha de meios para evitar o gravame, nem que desenvolvia velocidade incompatível com a via, não assomando, in casu sub examine, por isso, a presença de provas do alegado na peça incoativa.
24.00. Tivesse agido a acusada fora das expectativas impostas pelas normas de trânsito, aí, sim, haveria que se falar em responsabilidade criminal pelo homicídio culposo que se viu materializar nos autos.
25.00. No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível.
25.01. A acusada, não se pode olvidar, cumpria as regras de trânsito quando se deu a ocorrência.
25.01.01. A acusada, quando da ocorrência, não foi imprudente, negligente e nem imperita, daí poder-se afirmar que observou o dever de cuidado objetivo, a desautorizar a edição de um decreto condenatório.
26.00. Somente a inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada nos autos, autoriza o decreto condenatório.
27.00. Tivesse a acusada desenvolvendo, no momento do fato, ad exempli, velocidade excessiva, e, em face disse, tivesse atropelada a ofendida, poder-se-ia afirmar que agiu de conformidade com o artigo artigos 302, do CTB
27.01. Mas não! O que ocorreu mesmo foi que a vítima, de inopino, provavelmente bêbeda, desceu do canteiro central da pista, provocando, com sua ação, o acidente do qual resultou a sua morte.
28.00. Posso afirmar, portanto, que a única responsável pelo acidente foi a própria vítima. E quando tal acontece, não se pode responsabilizar o condutor do veículo atropelador, pois que não agiu com culpa – não foi imprudente, nem negligente.
29.00. Não se pode dizer que quem trafega numa avenida de grande movimentação de veículo deve estar esperando que alguém, subitamente, atravesse a rua. Isso, para mim, não seria agir com prevenção. Seria muito mais que isso. Seria pura adivinhação.
30.00. Nesse sentido a melhor jurisprudência.
APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO E MORTE DE PEDESTRE EM RODOVIA. VÍTIMA EMBRIAGADA.
Deve ser mantido o veredito de improcedência, quando a prova demonstra que a vítima caminhava sobre o leito da rodovia, à noite, perambulando embriagada (34dg/l) e tentou efetuar a travessia, quando atropelada. Culpa exclusiva da vítima. Imprevisibilidade de sua conduta.
Não demonstrado tenha o réu agido culposamente, na condução de seu veículo. Alegação de que o demandado trafegava em velocidade excessiva não comprovada. E utilizava farol baixo, com reconhecido alcance menor, ante o cruzamento de caminhões.
Apelo improvido.
31.00. No mesmo sentido:
APELAÇÃO-CRIME. ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO CULPOSO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Culpa exclusiva da vítima. A vítima agiu absolutamente de forma imprevisível, impossibilitando qualquer tipo de reação ao condutor do veículo a fim de evitar o atropelamento. Acórdão Nº 70021804638 de Tribunal de Justiça do RS – Segunda Câmara Criminal, de 28 Fevereiro 2008 TJRS. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
32.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência,
ABSOLVER M. DA P. DE L.. brasileira, casada, comerciante, filha de S. E. de A. e E. O. da S., residente na Rua 77-A, Q. 63, Casa 02, Vinhais, nesta cidade, o fazendo com espeque no inciso IV, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal.
P.R.I.C.
Sem custas.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
São Luis, 20 de março de 2009.
Juiz JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

6 comentários em “Homicídio culposo. Absolvição. Culpa exclusiva da vítima”

  1. brilhante sentença! estou passando por isso no momento. minha mae se envolveu num acidente semelhante. a vitima foi a unica culpada. estava muito bebado. temos um processo pelo frente. espero que deus ilumine o magistrado.

  2. Estou fazendo a defesa de um cliente, estacionou caminhão carga pesada de dois eixo, carga alta, em uma rodovia sem acostamento, face ambos os lados, fosse tentar subir com o caminhão ele tobaria.veio a vitima, um ciclista, em uma reta, e ao passar pelo caminhão, veio outro veículo em direção contrario, ofuscando sua visão, onde o mesmo colidiu com lateral do caminhão, vem o ministério público requerer sua condenção, alegando que ali não podia parar, mais encontra partida, via de transito rapido tabém, não é para bicicleta trafegar, nem existe ciclovia no local, o cilista deveria estar em sentido oposto, passando do lado esquerdo da rodovia, conforme o CTB. estou na faze de apresentar alegações finais, Magistrado, me dê uma luz.OAB.MG.49839

  3. Prezado,
    Estava eu em uma rodovia federal de pista dupla quando um ciclista atravessou em minha frente de repente e foi atropelado, tentei parar mas não foi possível, e o ciclista veio a óbito. Prestei socorro devido. Estavo na faixa da esquerda a uns 100km/h. O que poderá acontecer comigo? Serei enquadrado por homicídio culposo ou posso ter a chance de não responder processo, visto que a pericia mostra que a vitima entrou em minha frente repentinamente montada em sua bicicleta. Obrigado

  4. após levantar tese homicidio culposo – culpa exclusiva da vitima – promotor não conformado apelou – irei apresentar as contra-razões de defesa defendendo a mesma tese, espero que o tribunal compreenda a tese levantada,uma vez que a vítima tentou subir na traseira do caminhão, quando este parou e em seguida engatou uma marcha-ré, aair o pneu traseiro esmagou sua cabeça.obrigado.

  5. houve acidente comigo guando Pa 150 guando derepente tinha um buro e bati parte do buraco e veio motoqueiro sem capecete mim colidiu e morreu na hora fiquei por mais 15 minutos no local meu ficou sem condições de trafegado ai sai do local devido na hora ia passando carro IML, e pedi ajuda a ele ele vira cadavel teve morte instantania ai mim tiram do local..fiquei disperado pois 40anos nunca tive acidente e de especial nenhuma comigo fiquei disperado quase tenho destemunhas so dois um mi tirou de la e outro que chegou junto com IML que ia fazer uma diligencia em outro lugar como fica meu caso mim uma ajuda ai por de Deus

  6. V.Exa., por favor explique-me quais as penalidades que um condutor de veículo automotor devidamente habilitado pode sofrer em decorrência do atropelamento e morte de um pedestre, conforme a narrativa dos fatos:
    o condutor trafegava pela pista direita de uma grande avenida, que possui duas pistas com fluxo de trânsito no mesmo sentido e são separadas por um canteiro central. Numa intersecção, o condutor mudou de pista, local em que a placa de sinalização ilustra a proibição da mudança da pista esquerda para a direita, manobra contrária àquela executada pelo condutor que provavelmente assim entendeu ser permitida. Ao executar tal manobra, o veículo atropelou um pedestre quando este finalizava a travessia da pista esquerda da via, sobre a faixa, porém em desobediência ao semáforo vermelho para os pedestres. O condutor permaneceu no local e providenciou o socorro à vítima, que permaneceu internada por nove dias mas faleceu devido a gravidade dos ferimentos. Quais seriam as penalidades previstas neste caso? Desde já, agradeço.

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