Mais uma reflexão sobre violência.

A seguir, o texto integral das reflexões sobre violência, publicado no Jornal Pequeno, dia 10 do corrente.

Essa é a quarta matéria em que refleti, publicamente, acerca da violência.

Acho que vale à pena ler o texto e refletir.

Tenha, pois, boa leitura.

REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA – IV

José Luiz Oliveira de Almeida*

Numa das várias informações em face de habeas corpus, tive a oportunidade de refletir acerca dos efeitos da violência sobre a vítima. O fiz com a pretensão de convencer o magistrado relator a não conceder o writ, em face da perigosidade do acusado e da gravidade do crime que cometera.

Num dos excertos mais relevantes, afirmei, verbis: “Os efeitos da violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançando nos bailes da vida, ao som de uma potente radiola; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra, evitam sair de casa, deixam de freqüentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perdem a paz e a tranqüilidade” .

Adiante, aduzi: “Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda quando presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas, aterrorizadas, pávidas e receosas”.

Noutro excerto, conclui: “Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais, impávidos, intrépidos; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, deprimidas. Pena que esse quadro não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade”.

As colocações que fiz, devo dizer, não são mera retórica. É assim mesmo que as coisas funcionam no dia-a-dia. Causa comiseração – mesmo ! – o estado emocional das vítimas de um crime violento – assalto, estupro, seqüestro, etc.

Por essas e tantas outras razões que tenho receio de que, com a nossa indolência, percamos essa guerra. É preciso, pois, empunhar armas e sair para batalha. É preciso enfrentar essa guerra de frente. Nós não podemos nos deixar intimidar pelos meliantes. Eles são petulantes e nada temem. Nada os intimida. A vida do semelhante, para eles, é o que menos importa. A vítima, para eles, é algo descartável.

A verdade é que vivemos uma verdadeira guerra urbana. Vivemos todos estupefatos. Somos todos vítimas, em sentido amplo, da violência urbana. Temos medo de entrar em um banco; temos medo de sair de um banco. Temos medo de dia; a noite nos apavora. Até o silêncio causa pânico. Não estamos seguros sequer em nossas casas, antes lugar sagrado. O facínora nela penetra, sem pedir licença, e nos desfalca de bens materiais e emocionais.

Nos dias de hoje, não temos sequer o direito de ir com a nossa família a uma praça, como se fazia outrora, fruto da violência que permeia a vida em sociedade. Os meliantes tomaram conta da cidade. Com todas as dificuldades que temos para desempenhar o nosso mister, o que ainda nos dá algum alento é, na maioria das vezes, a Polícia – de segurança e judiciária.

É preciso ter presente que o assaltante, que é quem, nos dias atuais, inferniza a nossa vida mais de perto, podendo matar, não morre. Ele age, sempre, com extrema vilania. Um gesto apenas, pode significar a morte da vítima de um assalto. É por isso que a ele deve ser dispensado tratamento rigoroso, na mesma proporção de sua ação. Mas o medo também pode matar. Isso não é nenhuma novidade em medicina. A ansiedade, que é a versão civilizada do medo, também mata. Os atos de violência, em qualquer de suas formas, desde a violência coletiva, como é o caso da guerra, dos atentados, das violações de direitos, etc., até a violência individualizada, como são os assaltos, os estupros, a tortura, etc. podem ser comparados a uma espécie de câncer da alma.

As vítimas, diretas ou indiretas (familiares, testemunhas, etc.) da violência, correm o risco de desenvolver algum transtorno emocional. A população em geral não está infensa a essa possibilidade. Nos todos já vivemos a paranóia da violência.

Ações violentas afetam profundamente a vida psíquica do ser humano, isto é, que prejudicam o seu conforto psíquico. Submetida a essas ações violentas sobre o psiquismo, a pessoa deixa de ser dona e senhora de seu eu, deixa de governar-se e determinar-se a si mesma, perdendo, conseqüentemente, o domínio de seu ser e de sua liberdade.

Essas são apenas algumas das conseqüências da violência urbana. Nós, enquanto dirigentes das instâncias formais de combate à criminalidade, não podemos, diante desse quadro, quedarmos inertes como se pusilânimes fôssemos. Não é necessário esperar que sejamos atingidos, direta ou indiretamente, por um meliante, para agirmos com rigor.

Para ilustrar e demonstrar que, muitas vezes, a nossa omissão faz a festa do meliante, vou narrar uma história recente que, em face de sua relevância, exemplifica, a mais não poder, como a omissão das instâncias formais de controle social pode ser daninha.

Pois bem. Esta semana, estando de plantão, era pretensão da Delegada do 9º DP, Uthânia Vanderlene Moreira Lima Gonçalves, pedir a decretação da prisão temporária de assaltantes especializados em roubos a mansões na área nobre de São Luis. A pretensão da eminente delegada esbarrou numa questão legal e noutra funcional, quais sejam, a) a lei exige a manifestação prévia do MINISTÉRIO PÚBLICO para decretação da prisão temporária e – pasmem! – b) não havia nenhum representante da instituição de plantão.

Traduzindo: se não houvesse outra alternativa legal e se dependesse a prisão dos meliantes do representante da principal instituição de controle social, ou seja, do órgão responsável pela persecução criminal, ela não aconteceria, simplesmente porque não havia PROMOTOR DE JUSTIÇA designado para o plantão.

Diante dessa lastimável omissão, o que fiz? Correndo todos os riscos, mas com responsabilidade, em face dos dados que dispunha, decretei a prisão preventiva dos meliantes, única alternativa viável para tirar de circulação uma quadrilha desaforada e destemida. Era o mínimo que podia fazer, para não ter que frustrar um louvável trabalho de investigação que se fazia no 9º DP e em respeito à sociedade. Os meliantes, agora, estão todos presos, para gáudio das pessoas de bem.

O exemplo acima reafirma as colocações que tenho feito no sentido de que a pusilanimidade, a fragilidade, a omissão de nossas instituições têm feito a festa dos meliantes.

Felizmente, ainda há profissionais da estirpe da Del. Uthânia Vanderlene Moreira Lima Gonçalves, que, obstinada, apesar de todas as dificuldades, saiu a campo e fez um trabalho exemplar, prendendo os meliantes, com uma pequena ajuda do PODER JUDICIÁRIO.

O que se espera, agora, é que as demais instituições façam a sua parte. O que espero, doravante, é que, com esse exemplo, todas as instituições de controle social se dêem conta de que a nossa omissão tem estimulado a violência urbana.

O ambiente gelado dos nossos gabinetes não nos pode tornar insensíveis diante do quadro de violência que se descortina sob os nossos olhos.

Nós não podemos esperar que um ente querido sucumba diante da arma de um assaltante, para, só depois, agirmos com rigor, impulsionados pela dor e pela revolta.

Definitivamente, não se devem fazer concessões aos criminosos, sobretudo aos violentos. Não se devem fazer mesuras aos criminosos recalcitrantes, ademais. É necessário agir com rigor. Os efeitos da prisão provisória sobre a psique do meliante não são maiores que os efeitos sobre o psiquismo da vítima. Chega de, em homenagem ao formalismo, privilegiar o infrator violento, em detrimento das pessoas de bem. Chega de omissão, de frouxidão e de acomodação.

Noutro giro de avaliação, é necessário que se reafirme que o rigor formal, muitas vezes, tem contribuído, ainda mais, para o descrédito do Poder Judiciário. O excesso de formalismo tem sido fomentador de violência. Os nossos jurisdicionados não compreendem por que, em face de uma formalidade, se faz retornar ao convívio social quem afrontou a ordem pública de forma acerba.

É cediço que o magistrado não deve decidir ouvindo apenas os reclamos da sociedade. Não é menos verdade, no entanto, que os magistrados fanatizados pela lógica do formalismo jurídico podem ser agentes fomentadores de violência.É preciso que não percamos de vista que a visão puramente formalista do direito, o apego excessivo ao formalismo processual pode, muitas vezes, se manifestar mais importante que a função jurisdicional, o que, convenhamos, é inaceitável.



Os excessivamente legalistas muitas vezes viram as costas para as mais graves violações dos direitos dos cidadãos, em homenagem a um formalismo acerbo, razão de muitas decisões aparentemente legais, mas injustas.



Os magistrados que, desde o meu olhar, em face de um pequeno excesso de prazo, ad exempli, coloca, de logo, o meliante em liberdade, é cúmplice inconsciente dos violadores da ordem pública e concorrem, significativamente, para exacerbação da violência.



O magistrado que, como no exemplo acima, deixasse de decretar a prisão dos meliantes, em face da omissão de outra instituição, demonstraria, no mesmo passo, falta de compromisso com a ordem pública.



Ao ler na imprensa, na quinta-feira, o resultado do trabalho da Del. Uthânia VanderlenE Moreira Lima Gonçalves, alcançando desarticular uma quadrilha perigosíssima, com a contribuição do Poder Judiciário, sinto-me, de certa forma, compensado. É uma pena, sinceramente, que não tenha podido contar com o MINISTÉRIO PÚBLICO.



Tenho a mais absoluta convicção de que as vítimas dessas facínoras, ao saber de sua prisão, dormiram mais tranqüilas, apesar do trauma vivido. É preciso, pois, reconhecer mais esse trabalho de fôlego da Polícia Civil, na pessoa da obstinada Del. Uthânia VanderlenE Moreira Lima Gonçalves, a qual, enquanto muitos dormiam no aconchego do seu lar, despreocupadamente, lutava, quase solitária, mas obstinadamente, à caça de meliantes.



Tomara que esse exemplo faça despertar aquele que está agachado diante da violência, apenas usufruindo o que de bom o poder oferece.

*Juiz Titular da 7ª Vara Criminal

e-mails: jose.luiz.almeida@globo.com e bettoliver@uol.com.br

blog: http://www.assimdecido.blogspot.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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