Um estranho e impensado parecer

Procuro, no exercício de minhas funções, ser ético. Nesse sentido, não faço comentários acerca de promoções de Promotores de Justiça e nem sobre sentenças de colegas. Mas como o meu blog tem sido acessado por acadêmicos de direito, sinto-me no dever de fazer menção a um determinado parecer, no qual o Promotor de Justiça opina pela concessão de LIBERDADE PROVISÓRIA a um acusado – pasmem !- que teve a PRISÃO PREVENTIVA decretada no mesmo processo.

Depois do esdrúxulo parecer, vieram-me os autos conclusos para decidir.

Eis, a seguir, a minha decisão. Bastante singela, é verdade, mas exemplar, sobretudo em face da matéria nela albergada.

Observe, leitor amigo, que não revoguei a PRISÃO PREVENTIVA do acusado, mas, tão-somente, relaxei a sua prisão, em face do constrangimento ilegal a que estava submetido. A revogação da PRISÃO PREVENTIVA do acusado só se justificaria se não mais subsistissem os motivos que renderam ensanchas à sua edição. E os motivos permanecem.

 

 

Vistos, etc.

Cuida-se de AÇÃO PENAL que move o MINISTÉRIO PÚBLICO, contra JOÃO FERREIRA DE SOUZA NETO, por incidência comportamental no artigo 121, § 2º, II, do CP.

O acusado está preso, em face de PRISÃO PREVENTIVA decretada neste juízo, deste o ano de 2005, sem que, até agora, se conclua a instrução criminal.

Vários foram os óbices que emergiram ao longo da instrução, inviabilizando, até agora, a entrega do provimento judicial. Nenhum dos óbices, todavia, decorreu da ação do acusado. Todos, vejo dos autos, decorrem, precipuamente, da omissão do Estado.

Em face do tempo de prisão do acusado, a sua procuradora, às fls.206/208, pediu a concessão de LIBERDADE PROVISÓRIA ao acusado.

O representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, acredito que sem se deter no exame do pleito, despreocupadamente, contemplativamente, sonolento, concorda com o mesmo.(fls.210/211).

Vieram-me os autos conclusos para deliberar.

Em verdade, o acusado, em face de sua vida ante acta, não faz por merecer o benefício que postula. Pena que o MINISTÉRIO PÚBLICO, na condição de custos legis, não tenha se dado ao trabalho de examinar a questão á luz da lei, limitando-se a concordar com um pleito que espezinha a legislação em vigor.

Todos sabemos que não se concede LIBERDADE PROVISÓRIA, quando presentes os motivos que autorizam a PRISÃO PREVENTIVA. Todos sabemos que a PRISÃO PREVENTIVA é absolutamente incompatível com o instituto da LIBERDADE PROVISÓRIA. Essa é uma questão que, de tão singela, não merecia maiores reflexões.

O acusado, tendo uma vida prenhe de deslizes, respondendo a processos em outra comarca, como assoma dos autos, não faz por merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA; tanto não faz que teve contra si editado um DECRETO DE PRISÃO neste juízo (fls. 69/71), do que resulta, a fortiori, a impropriedade do pleito e do parecer ministerial.

Nada obstante o exposto, a prisão do acusado não pode mais perdurar. É que, viu-se acima, o acusado está preso há mais de dois anos, sem que a instrução se encerre e sem que se possa atribuir a ele a responsabilidade pela demora.

Estando o acusado preso há muito mais tempo do que se possa imaginar razoável, sem que a instrução se encerre, está submetido a constrangimento ilegal.

À conta do exposto, RELAXO a PRISÃO do acusado, o fazendo para restabelecer o seu status libertatis, porque submetido a constrangimento ilegal.

Expeça-se o necessário ALVARÁ DE SOLTURA.

Encaminhe-se cópia do ALVARÁ, via precatória, ao Juízo onde se encontra preso, para que se lhe dê cumprimento.

São Luís, 20 de junho de 2007

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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