Reflexões sobre violência – VII

Publico, a seguir, artigo de minha autoria, publicado no Jornal Pequeno, edição de 05 de agosto do corrente.

O artigo abaixo e o sétimo que publico, no mesmo jornal, refletindo sobre violência.

“Desde que passei a judicar na área criminal, primeiro como juiz da 2ª Vara Criminal de Imperatriz e, depois, como Juiz da 7ª Vara Criminal desta comarca, defrontei-me com algumas evidências que têm me impulsionado à reflexão acerca da criminalidade. De efeito. No exercício da judicatura criminal, constatei: I) que 08(oito) em cada 10 (dez) acusados vivem apenas em companhia da mãe, vez que foram abandonados pelo pai, muitas vezes logo no momento da notícia da gravidez indesejada; II) que 08(oito) em 10(dez) ações penais distribuídas à sétima vara criminal versam sobre crimes contra o patrimônio, com a absoluta prevalência do crime de roubo; III) que 09 (nove) em cada 10(dez) crimes contra o patrimônio são praticados por jovens entre 18(dezoito) e 24 (vinte e quatro) anos de idade; IV) que esses jovens são, de regra, das classes menos favorecidas; e V) que, também como regra, as mães dos acusados, em sua absoluta predominância, saem de casa pela manhã para trabalhar e só retornam à noite, perdendo o controle das ações dos filhos.

Diante das constatações supra e das reflexões que delas dimanam, impende indagar: por que tantos pais abandonam os filhos, os deixando sob a responsabilidade apenas da mãe? A ausência da liderança paterna, isoladamente, estimula a prática de crimes? Por que os crimes contra o patrimônio – furto e roubo – são praticados, precipuamente, por jovens? Que necessidade premente estimula os jovens das classes menos favorecidas à prática de crimes desse matiz? Será, pura e simplesmente, sonho de consumo? Por que se atenta tanta contra o patrimônio? As ações dos jovens das classes menos favorecidas seria um protesto em face das injustiças sociais que permeiam a sociedade? Ou será uma forma de demonstrar que não suportam ser alijados dos bens de consumo? A corrupção e o enriquecimento ilícito de muitos homens públicos estimulam, também, a prática de crimes das classes menos favorecidas, numa espécie de vendeta em face dessas ações perniciosas? A descrença em nossas instituições – Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc – estimula a prática de crimes ou é a sensação e a quase certeza da impunidade a mola propulsora da criminalidade? O mau exemplo de alguns dos nossos representantes legais (governadores, deputados, senadores, prefeitos, vereadores) e demais agentes públicos (juizes, promotores, delegados, fiscais de renda, etc) é, também, causa estimulante da prática de crimes? Pode-se argumentar, à luz dessas constatações, que se houvesse combate, sem tréguas e sem distinção, à criminalidade, seja ela de que matiz for, os jovens carentes se sentiriam desestimulados de praticar crimes? Será que se a nossa representação nas casas legislativas e no Poder Executivo fosse mais qualificada moralmente, os jovens tenderiam a refluir as suas ações criminosas?

Admito que sem um estudo percuciente, sem uma análise mais aprofundada dessas questões não se terá uma reposta, pronta e acabada, para elas. Atrevo-me a afirmar, entretanto, em face da minha experiência, que a impunidade, a fragilidade da família, os maus exemplos de alguns agentes públicos e o sonho de consumo, induvidosamente, estimulam a prática de condutas desviantes – muito embora não sejam estas as únicas causas propulsoras da criminalidade.

A verdade que salta aos olhos de qualquer leigo é que o jovem, sem orientação e sem a liderança do pai, sem a orientação da própria mãe, é alvo fácil do assédio das lideranças negativas.

Sobreleva anotar que o jovem a quem se nega acesso aos bens materiais mais elementares, fica, sim, ao sabor das tentações da sociedade de consumo. O jovem, entregue às tentações do mundo exterior, encontra na rua, nos amigos de ocasião, nos oportunistas de plantão, no uso de drogas e bebidas alcoólicas, estímulo para os desvios de conduta.

O jovem, já impulsionado pelo ambiente propício para prática de condutas desviantes, é abastecido – e estimulado – , ademais e com freqüência, de informações acerca de malversação de verbas públicas, de desvio de conduta de maus agentes públicos, de enriquecimento ilícito de alguns espertalhões, os quais, quase sempre, passam à ilharga dos órgãos persecutórios.

É bem de ver-se, noutro giro, que o jovem, fragilizado, sem comando, sem valores familiares, sujeito a toda sorte de estímulo nocente e pernicioso, se defronta, não raro, com a constatação, por exemplo, de que um colega de infortúnio, preso depois de um assalto, foi colocado em liberdade logo em seguida, fato que introduz nele o sentimento malsão de que praticar crimes pode não ser tão grave assim, pode não resultar em punição.

Para reverter esse quadro – ou, pelo menos, tentar -, é preciso, sem mais tardamento, que se resgate o sentido da família e que, dentre outras medidas de cunho educativo, se desenvolvam mais campanhas tendentes a demonstrar as conseqüências de uma gravidez não planejada. É preciso, de mais a mais, tirar o jovem das ruas, sem mais demora, a ele oferecendo educação em tempo integral e ensino profissionalizante, capacitando-o para competição no mercado de trabalho. É preciso, ademais, que o Poder Judiciário seja capaz de responder aos reclamos da sociedade, punindo quem deve ser punido, sem trégua e sem enleio, sem discriminação de classe ou de cor. É necessário, sem mais tardança, que se implementem medidas tendentes a minimizar a exclusão social e os efeitos da perversa concentração de rendas que se verifica em nosso país.

As medidas acima elencadas, é forçoso convir, não terão o condão de, isoladas, resolver o problema da criminalidade e, de conseqüência, da violência. Tenho a nítida convicção, nada obstante, que, com a implementação delas, far-se-á refluir a criminalidade a níveis suportáveis, já que é utópico pretender-se uma sociedade sem crimes.

O autor de um ilícito deve ter a plena certeza de que em face dele receberá a correspondente reprimenda penal. O que não se pode, o que não se deve, em face, muitas vezes, de nossa omissão, é deixar que a sensação de impunidade se espraia, se derrame sobre a sociedade. A certeza da impunidade, a concessão desenfreada de liberdade provisória, o apego excessivo ao formalismo jurídico, os maus exemplos dos nossos homens públicos, aliados à outras causas, não tenho dúvida, estimulam a prática de crimes, gerando violência e tornando um sacrifício a vida em sociedade”.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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