O poder da ostentação e a ostentação do poder

O artigo a seguir foi publicado no Jornal Pequeno, edição de 22 de julho do corrente.

Antes do tema escolhido para refletir, desejo fazer um registro que entendo necessário. Pois bem. Quando externei a minha indignação com as algazarras no Posto Esso Ponta D’areia, manifestei-me acerca da tentativa de resolução do problema junto ao Ministério Público do Meio-Ambiente e da Infância e da Juventude. Fui surpreendido, poucos dias depois, com uma notificação extrajudicial do Promotor Luis Fernando Cabral Barreto Júnior, exigindo que eu declinasse a qual promotoria do meio-ambiente me reportara, já que ele, com a respeitabilidade que adquirira, não podia ser confundido com o Promotor a quem tinha sido levada a questão.
Devo dizer, só para esclarecer, que, diferente do que imaginou o Promotor Luis Fernando Cabral Barreto Júnior, o seu colega do Meio-Ambiente e sua colega da Infância e da Juventude, tanto quanto ele faria, fizeram o que estava ao seu alcance para solução do problema. Não foram, portanto, omissos, como se possa imaginar.
Do exposto resulta que, ao me manifestar acerca do Ministério Público, não tive a pretensão de demonstrar que tenha sido omisso, porque omissos, efetivamente, não foram os dois Promotores a quem tive a oportunidade de levar o problema, os quais, por isso, de minha parte, só merecem encômios.
Feito o registro, passo, a seguir, ao tema escolhido para reflexão.
No romance Travessuras da Menina Má, de Mário Vargas Llosa, um misto de ficção e realidade, o peruano Ricardo, um dos protagonistas, reencontra a mulher por quem se apaixonou ainda na adolescência e por ela passa a lutar com sofreguidão. Ricardo ultrapassa os limites do razoável para ter consigo a mulher amada, que, de seu lado, só pensa em ostentação, em poder e conforto – prazeres que ele não podia lhe oferecer.
Depois de vários encontros e desencontros, Ricardo encontra Lily (um dos nomes adotados por sua amada), agora vivendo no Japão, com o chefe mafioso nominado Fukuda. Nesse encontro, Ricardo indaga dela, por que, com tantas posses, sendo tão fascinada pela ostentação, andava de ônibus, ao que respondeu que, para os japoneses, seria uma ostentação agir de outra forma. E, adiante, adverte: “aqui não é bem-visto diferenciar-se dos outros, seja como for”.
Essa passagem do romance me fez refletir sobre nossa província. É que, penso, pode estar aí a explicação do nosso atraso. No Maranhão, vislumbro, as pessoas que estão no Poder adoram uma ostentação, vivem para se diferenciar das outras pessoas, adoram parecer superiores. Os que estão no Poder por essas plagas regozijam-se em demonstrar aos mais humildes que “estão podendo”, como se diz vulgarmente. E, muitas vezes, o que é grave, “estão podendo” mesmo. – às vezes, é triste dizer, com o dinheiro público.
O grave, o que preocupa, o que causa estupefação e indignação nessa ostentação, é que, ao que parece, tem valido à pena ostentar, tem valido à pena lutar pelo Poder, ainda que, para isso, se negocie a dignidade, o caráter, alma e, até, a família. Os exemplos estão aí para provarem que não estou blasfemando. Por essas bandas, é chique estar no Poder e poder demonstrar estar podendo. Longe do Poder, por essas plagas, parece que não há salvação, afinal, ao que entrevejo, somente no Poder as portas se abrem com facilidade. É por isso que muitos usam o Poder para ostentar, para se regalar, para esnobar, para parecer superior. Muitos que estão no Poder esquecem que são pagos pelos cofres públicos para trabalhar em benefício da coletividade. Esses se apegam aos cargos como se fossem propriedades privadas, esquecendo-se que no Poder estão para servir e não para dele se beneficiar.
E o povo, como fica diante da ostentação do Poder e do poder da ostentação? Bem, o povo, percebo, parece dar importância a quem demonstra, seja por qual símbolo ou título for, que está no Poder e que está podendo. Não estar no Poder, não galgar uma ascensão profissional, aos olhos de muitos, parece, pura e simplesmente, ser bobo, incompetente, incapaz.
Tenho a nítida sensação, pelo que observo no dia-a-dia, que, para muitos, por um cargo de ostentação e prestígio, se deva lutar, sejam quais forem as armas. E não adiante tentar argumentar as razões do “fracasso”, os motivos pelos quais não se chegou lá. Nada é capaz de justificar as razões, por exemplo, de não ser promovido, de não ascender na carreira. Aos olhos de muitos, aquele que não ascendeu profissionalmente, parece, pura e simplesmente, um palerma, um tanso, um incompetente, pouco importando o que está por trás do insucesso.
A verdade é que, para alguns, para aqueles que glorificam o Poder, há que se transpor qualquer obstáculo para ascender, pois que, só ascendendo, se pode ostentar o Poder, daí derivando o poder da ostentação. Afinal, mesmo para o mais simples dos mortais, o Poder fascina e seduz. E é mesmo impressionante como, no Poder, tudo se transforma. Mesmo o cidadão mais humilde, se ascende ao poder, passa a ser visto – e agir – de outra forma, observadas as exceções que confirmam a regra.
No Poder, constato, mesmo aquele que, aos olhos do interlocutor era apenas um paspalhão, passa a ser respeitado, requisitado, bajulado. Passa, sem surpresa, a freqüentar, amiúde, as colunas sociais. No Poder, no bobalhão se descobre detalhes de uma inteligência até então despercebida. No poder, aquele que não tinha platéia para as bobagens que dizia, jamais falará sozinho.
Quiçá, repito, não esteja aí a razão do atraso do nosso Estado e a razão do progresso do Japão. Os homens que estão no Poder por essas paragens, com exceções, pensam muito mais em seu bem-estar pessoal, de sua família e de alguns apadrinhados do que em servir à coletividade – e adoram ostentar.
Por essas e por outras razões é que somos um Estado miserável. Aqui viceja a cultura de que estar no poder é poder dele usufruir em benefício pessoal, é poder ostentar, parecer superior, engalanar-se. Por aqui o que vale mesmo é poder ostentar o Poder – e louvem-se as exceções, porque elas, felizmente, existem.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “O poder da ostentação e a ostentação do poder”

  1. Prezado e Excelentissimo, Dr José Luiz O. de Almeida, em consulta a internet encontrei o seu blog, sou bacharel em direito, moro no RJ, e gostaria que, se possivel, pudesse me ajudar.
    Estou com uma grande dúvida acerca de uma questão processual penal, que me foi proposta, lhe asseguro não se tratar de caso concreto.
    Talvez, dentro de sua vasta experiência, já tenha se deparado com algo real e semelhante, o que poderá e muito me ajudar à me desvencilhar desta dúvida.
    Portanto, gostaria de lhe transmitir esta duvida e hipotese,o meu e-mail é barros.plinio@gmail.com

    Atenciosamente,

    Plinio José.

  2. Sou assessora de Promotoria de Justiça há quase três anos, apaixonada por literatura e pelo Direito. Confesso que não pensei encontrar crítica tão coerente e justa acerca da nossa realidade social.Verdadeiramente, o fascínio, a meu ver, insjustificado, pelo poder é o cerne e a razão maior de muitas das atrocidades que acontecem em nosso país…

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