Deu na Folha de São Paulo e na revista Veja

“Quando se tratam de crimes contra o erário cometidos por pessoas que não ameacem a integridade física de outros, o que importa é que o autor devolva em tempo hábil os valores subtraídos, acrescidos de multas pesadas. A reclusão, se necessária, deveria ser breve -ou substituída por prestação de serviços à comunidade.”

Excerto do Editorial Folha de São Paulo de 30 de abril de 2009.

( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2903200901.htm)

“O Brasil daria também um passo gigantesco na luta contra os que roubam dinheiro público se aos corruptos do mundo oficial fosse dispensada a mesma e diligente orquestração de esforços de polícia e Justiça que levou à condenação e prisão da dona da Daslu.”

Excerto da Carta ao leitor de revista Veja edição nº 2106, Ano 42, nº 13, de 1º de abril de 2009
(http://veja.abril.com.br/010409/cartaleitor.shtml)

 

Abaixo estou publicando um editorial do Jornal Folha de São Paulo, de hoje e, em seguida, a carta ao leitor da revista Veja.

Da leitura fui instado a me fazer as seguintes indagações:

1. Por que a prisão de pessoas da elite financeira  causa tanta indignação?

2. Por que quando são presas  pressoas das classes mais humildes não se vê nenhuma manifestação de indignição?

3. Por que ninguém questiona a exibição dos “ladrões de galinhas” em programas jornlisticos, sem que se tenha sequer iniciado o inquério policial?

 

Primeiro, o editorial da Folha
Atrás das grades

Contra o que determinam a lei e os tribunais superiores, autoridades abusam do recurso às prisões preventivas
SETORES da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário acomodam-se, perigosamente, a um método de atuação sensacionalista e truculento. Disseminam escutas e monitoramentos sem o devido controle, criam uma narrativa a partir de meras inferências e deslancham a “operação”, uma rede de arrasto de prisões e apreensões do que estiver no caminho.
Investigados por meses sem o saber, detidos e seus advogados não têm acesso ao teor das acusações que embasaram a prisão.
Mas eis que, no dia do espalhafato policial, um senador, acusado de ter recebido R$ 300 mil irregularmente de uma construtora, exibe um recibo: teria sido oficial a doação. A PF não apresentou provas que confirmassem a suspeita lançada a público.
Na falta de apuração e controle competentes, vários policiais, procuradores e até juízes têm apostado na manipulação da opinião pública. Tomam um fato -a impunidade nas camadas mais altas da renda e do poder, motivo de justa indignação popular- como mote de uma cruzada para intimidar pessoas e empresas identificadas com tais “elites”.
As prisões que decretam passam a impressão, equivocada, de que o investigado está sendo punido. Detenções provisórias e preventivas não têm nenhuma relação com sentença ou condenação. Num processo ou num inquérito ainda indefinidos, são mecanismos incidentais cujo uso vem sendo banalizado nas esferas inferiores do Judiciário.
A prisão, na fase intermediária do juízo, é reservada pela lei a pessoas que, mediante “prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”, ameacem a integridade física de outros, a “ordem econômica” e a coleta de provas ou demonstrem propensão à fuga. Fora desses casos excepcionais, a regra constitucional, reafirmada há pouco no Supremo Tribunal Federal, é que o réu responda em liberdade até serem esgotados os recursos.
À luz desse parâmetro -um patrimônio das democracias, que protege o indivíduo contra arbitrariedades de agentes públicos-, não se sustenta o festival de prisões usualmente deflagrado pela PF, com o aval de juízes. Na quarta-feira, até secretárias da construtora Camargo Corrêa foram presas. Se a polícia monitorou suspeitos por mais de um ano e fez as apreensões nos locais escolhidos, qual o sentido de manter funcionários detidos?
Nenhum, responderão as cortes superiores nesses casos, as quais frequentemente têm posto em liberdade pessoas cuja prisão preventiva fora decretada na primeira instância.
E o que dizer, por falar em primeira instância, da condenação a 94 anos de cadeia da empresária paulista Eliana Tranchesi, sob a acusação de práticas lesivas aos cofres públicos e formação de quadrilha? Um facínora que, no Brasil, tenha sequestrado e assassinado duas pessoas não receberá pena superior a 60 anos.
Quando se trata de crimes contra o erário cometidos por pessoas que não ameacem a integridade física de outros, o que importa é que o autor devolva em tempo hábil os valores subtraídos, acrescidos de multas pesadas. A reclusão, se necessária, deveria ser breve -ou substituída por prestação de serviços à comunidade.
Condenar estes réus a décadas num presídio -e, sem motivo plausível, mandar encarcerá-los antes que esteja encerrado todo o circuito processual- responde a uma concepção vingativa e primitiva de Justiça.

 

Agora, a Carta ao Leitor da Revista Veja:

A lei vale para todos

A empresária paulista Eliana Tranchesi, dona da Daslu, sacerdotisa da moda para os ricos e poderosos de todas as regiões do Brasil, não pode ser demonizada como o símbolo da desigualdade e da injustiça social no país. Eliana foi condenada por uma série de crimes relacionados com a importação fraudulenta de produtos de luxo, que resultaram na sonegação de mais de 600 milhões de reais. Ela foi presa na semana passada e recolhida a uma penitenciária em São Paulo. Seu irmão e o principal importador da Daslu também foram presos, acusados dos mesmos crimes. Eliana e seus sócios, porém, devem ser punidos apenas por seus desvios de conduta. É preciso desestimular as tentativas de enxergar na punição da dona da Daslu uma condenação também a todos aqueles que, apenas por desfrutar uma boa situação material, parecem aos olhos do populismo rasteiro cidadãos privilegiados e inimputáveis. A caça aos ricos é uma tentação suicida que, como demonstra a história, só produz mais miséria moral, política, econômica e social.
Deve-se refrear também o impulso de ver no comércio de artigos caros e requintados apenas mais uma demonstração viciosa das classes abastadas. As pessoas que fabricam e vendem essas mercadorias, desde que respeitem as leis, são cidadãos tão úteis à comunidade quanto quaisquer outros. Como toda indústria, a do luxo cria empregos, produz riqueza e qualifica a mão de obra – e permite que as pessoas exerçam sua liberdade individual também na maneira como dispõem de seu dinheiro. Se a condenação de Eliana Tranchesi a 94 anos e seis meses de prisão tem algum significado maior – fique ela efetivamente presa ou não -, é o de marcar, talvez, o fim da era em que os ricos e com boas conexões em Brasília podiam tocar seus negócios livres dos impostos, fora do alcance das leis e ao arrepio de todas as regras comerciais, em prejuízo flagrante para os concorrentes – e, consequentemente, para o bom funcionamento da economia de mercado. O Brasil daria também um passo gigantesco na luta contra os que roubam dinheiro público se aos corruptos do mundo oficial fosse dispensada a mesma e diligente orquestração de esforços de polícia e Justiça que levou à condenação e prisão da dona da Daslu.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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