“O mais grave diante desse quadro é que o povo, anestesiado, parece que já não tem mais forças, provavelmente porque julgue que não tem a quem recorrer, pois até mesmo alguns membros do Poder Judiciário, que deveriam agir de forma exemplar, também exercem o poder de forma predatória, tirando o seu naco e incorporando-o ao seu patrimônio – ou de algum membro de sua família, na tentativa de furtar-se à ação fiscalizadora das raras instituições que ainda atuam eficazmente nessa área.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
- Quando leio notícias acerca de enriquecimento ilícito – dia sim e outro, também – , lembro, inevitavelmente, de Montesquieu, que, no século XVIII, estupefato com desvio de verbas públicas para enriquecer os particulares, asseverou: “outrora a riqueza dos particulares fazia o tesouro público. Agora, porém, o tesouro público se torna patrimônio dos particulares”.
- Essa afirmação de Montesquieu é mais que atual. É atualíssima! É o dia-a-dia do noticiário. E, mais grave, sempre – ou quase sempre – envolvendo a classe política, ou seja, os nossos representantes legais, aqueles que escolhemos para, em nosso nome, defender o interesse da coletividade.
- Essa frase parece que concebida no limiar do século XXI. Vendo o quadro atual, penso que foi vociferada ontem, anteontem – agora mesmo.
- O tempo passou e o desvio de verbas públicas apenas se sofisticou. E é surpreendente como a cada dia as ratazanas descobrem uma nova maneira de lesar o patrimônio público. E são inescrupulos, insensíveis, descarados. Nada arrefece a sua volúpia. Não há um dia sequer que não se assista ou se leia uma notícia dando conta do desvio de verbas públicas.
- Montesquieu, se vivesse nos dias atuais, talvez até postulasse a canonização dos ratinhos de botica que, à na sua época, se apropriavam da coisa pública.
- É sabido que não foi somente no século XVIII que os malfeitores se beneficiaram do tesouro público. A diferença, nos dias atuais, é apenas de meios, volume e intensidade. Nunca os colarinhos brancos foram tão sofisticados e tão gananciosos. Eles parecem que têm pressa. Ou melhor, eles têm pressa mesmo, pois as facilidades podem se limitar a um só mandato. É preciso, pois, agir com rapidez, sem titubeio, sem demora e sem enleio, pois a manhã o patrimônio público pode estar sob outro comando, quiçá muito mais feroz.
- Nos dias atuais, reafirmo, a coisa corre frouxa, sem controle e sem peias. E vai ser sempre assim. O que se pode, quando muito, é minimizar a ação predatória dos marginais que exercem cargos públicos.
- Mas, para isso, as instituições têm que funcionar a plena carga. Como estão, capengas, frouxas e contemplativas, as coisas tendem a piorar, uma vez que os homens públicos dos nossos dias, quase que como regra, não se intimidam se lhes facilitam o acesso aos cofres públicos, sobretudo por saberem inoperantes e discriminatórias as instituições persecutórias.
- O que se malversa de verba pública no Brasil de hoje – como, de resto o foi durante toda a sua historia – é uma grandeza – e uma ignomínia, também.
- O pobre de agora, se ascende ao poder e, no seu exercício, tem acesso à verba pública, é o rico de amanhã. É o ex-pobre, como gostam de se auto-intitular. No Brasil isso é cultural. Vivo, esperto, perspicaz é o capaz de, exercendo o poder, dele tirar proveito de ordem material. Nessa jornada não existem escrúpulos. Hoje, como no passado, o enriquecimento ainda se faz às escâncaras, sem nada temer, com a omissão e beneplácito das instituições persecutórias.
- A verdade é que, hoje, como sempre, ninguém tem receio de ostentar, de demonstrar que enriqueceu no exercício de um cargo público. O dinheiro público faz a festa dos calhordas. Enquanto isso, os pobres continuam morrendo nas filas dos hospitais, pra ficar apenas no exemplo mais eloqüente – e mais revoltante, também.
- O mais grave diante desse quadro é que o povo, anestesiado, parece que já não tem mais forças, provavelmente porque julgue que não tem a quem recorrer, pois até mesmo alguns membros do Poder Judiciário, que deveriam agir de forma exemplar, também exercem o poder de forma predatória, tirando o seu naco e incorporando-o ao seu patrimônio – ou de algum membro de sua família, na tentativa de furtar-se à ação fiscalizadora das raras instituições que ainda atuam eficazmente nessa área.
- E assim, numa mesma comunidade, os desvalidos e os espertos vão vivendo – aqueles caindo aqui e levantando acolá, para, outra vez, voltar a cair para não mais levantar; estes, amealhando fortunas e vivendo de ostentação, confiantes na impunidade.
Teste
Olá, bom dia.
Sou servidor do Controle Interno do Executivo Federal desde 2001. De lá pra cá mantém-se a percepção clara, que confirma seu texto, de que os gestores públicos, de maneira geral, tendem a se utilizar das prerrogativas e garantias dos cargos que ocupam para benefício próprio. Elementos de convicção sobram para aqueles que poderiam agir combatendo, na seara do Judiciário, esse tipo de coisa. Mas falta, em meu sentir, comprometimento com a causa, principalmente por parte do Ministério Público. Além disso, tem-se uma imprensa extremamente politizada, apegada não em informar, mas em se atrelar àqueles que estão no poder. Isso inviabiliza uma das manifestações possíveis do controle social.
Além disso, vê-se, aqui e acolá, notícias que comprometem a pressuposta imparcialidade de membros do Judiciário local.
O quadro está formado: a sensação que se tem é desoladora, faz deitar por terra aquela máxima popular de que o crime não compensa. Pelo menos na gestão da coisa pública, esse adágio não se aplicaria, melhor seria dizer outro, que na administração pública da coisa pública, o certo é ser errado.
A visão acima, não se pretende pessimista, apenas destaca a percepção atual das coisas, baseada na experiência do controle nesses anos. Não se perdeu a esperança, ainda, mas não se acredita que mudança significativas ocorram na minha ou na geração de meus filhos. Nosso povo não tem maturidade cívica para entender que de fato ele tem o poder nas mãos, que é potencialmente capaz de mudar, cobrar …
Zé,
Parabéns! Lê o Estado de domingo, pois deve sair um artigo mais ou menos sobre isso, que escrevi.
Um abraço.
Tenho este blog na minha lista de favoritos. não é com frequência que o visito. entretanto, das vezes que tenho oportunidade de ler os artigos fico como que numa mistura de indignado e contente. a indignação, claro, é óbvia -os desmandos grassam quase que diariamente. contente porque sei que muitos estão de olhos bem abertos para o que está acontecendo e emitindo suas opiniões em vários blogs sérios aqui da internet. ontem mesmo, como que quase uma rotina diária, mais uma notícia que nos deixa acabrunhados: prendem e depois soltam os vigaristas (daslu, camargo corrêa). neste artigo em questão, vê-se que entra século saí século (antes era ¨entra ano e sai ano¨) as coisas continuam inalteradas. a ganância dos poderosos é feroz. pior que antes se falava em alguns milhares de ¨dinheiros¨(cruzados, cruzeiros, reais). hoje, são milhões, bilhões, que são desviados dos cofres públicos. a voracidades dos que detém o poder é incomensurável. parece que roubam para duas, três gerações (ou até mais) à frente. agora vai o meu simplório ponto de vista: não seria a melhor -e única- saída o sequestro/bloqueio dos bens desses vorazes indivíduos? acho que seria a única forma de bloquear essa ganância exagerada. cadeia prá eles, hum! sei não. ficam lá um periodozinho, saem e vão usufruir do que roubaram e acabam esquecendo. TEM QUE TER LEI, E LEI DURA (DURISSIMA) PARA ESTES INDIVÍDUOS. um bom domingo e boa semana, excelência.