Pronúncia

Processo nº 109322002

Ação Penal Pública

Acusado: C.J.S.M.

Vítima: MÁRIO KLEBER AZEVEDO DOS SANTOS

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra C. J. S. M., vulgo “Cocó”, brasileiro, solteiro, estudante, filho de Francisco Tolentino Martins e Raimunda de Jesus Soares Marinho, residente e domiciliado na Rua 03 do Piquizeiro, nº 10, Cruzeiro do Anil, por incidência comportamental no artigo 121, c/c o artigo 14, II, do Digesto Penal, em face de, no dia 19 de maio de 2002, por volta das 19h30min., no Angelin Velho, ter lesionado MÁRIO KLEBER AZEVEDO DOS SANTOS, atingido-lhe com dezoito golpes de faca.

A persecução teve início mediante portaria. (fls. 07)

Laudo de Exame de Corpo de Delito às fls. 65/66.

Recebimento da denúncia às fls. 74.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 79/82.

Defesa prévia de às fls. 87/88.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas LEDENILSON COSTA MARINHO (fls. 112), LUCILENE SOARES CORREIA (fls. 113) JOSIEL PINTO (fls.114), FRANCISCO TOLENTINO MARTINS MARINHO (fls.115)e JOSÉ MARIA MARTINS MARINHO (fls.116).

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a pronúncia do acusado nos termos da denúncia(fls.123/127).

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição sumária do acusado ou a desclassificação da imputação, fazendo-a recair no artigo 129 do CP. (fls.125/128)

 

Relatados. Decido.

 

1. Os autos sub examine albergam ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra C. J. S. M., por incidência comportamental no artigo 121, §2º, II, c/c o artigo 14, II, do Codex Penal, em face de, no dia 19 de maio de 2002, por volta das 19h30min horas, no Angelin Velho, nesta cidade, ter tentado assassinar MÁRIO KLEBER AZEVEDO DOS SANTOS, em quem desferiu dezoito golpes de faca, cujo crime não teria se consumado, por razões alheias à vontade do acusado.

2. A persecução criminal, como de praxe, se deu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial.

3. Na sede administrativa, o acusado – então indiciado – disse que, no dia do fato, foi tomar satisfação com o ofendido, em face de ameaças que ele (ofendido) vinha fazendo contra ele (acusado).(fls. 11/13)

3.1 O acusado acrescentou que, depois de uma discussão entre ambos, o ofendido retirou uma faca da cintura e partiu para lhe furar.(ibidem)

3.2 Noutro naco, mais adiante, o acusado disse que travaram uma luta corporal, tendo a faca do ofendido caído no chão, tendo-a juntado do solo o acusado.(ibidem)

3.3 Adiante, sem tergiversar, o acusado confessou que partiu para cima do ofendido, desferindo contra ele várias facadas, tendo, em seguida, se evadido do local.(ibidem)

4. O ofendido, na mesma sede, disse que, no dia do fato, passava pela Rua 03 do Piquizeiro, quando o acusado, José Maria e “Tica”, armados de facas e de um pedaço de pau, lhe atingiram com dezoito facadas, além de várias panadas de faca e de facão. (fls.30)

4.1 O ofendido afirmou, ademais, que, em face das lesões, chegou a colocar as vísceras para fora, mas, ainda assim, os seus agressores o arrastaram para fora da padaria, dando-lhe vários chutes. (ibidem)

4.2 Adiante o ofendido acrescentou que fingiu que estava morto para evitar que seus agressores lhe matassem, tendo sido, depois, socorrido e levado para a Unidade Mista do Bequimão, para, depois, em face da gravidade das lesões, ser levado para o Hospital Djalma Maques. (ibidem)

5. Com esses e outros dados relevantes acerca da autoria e materialidade delitiva, foram os autos apresentados ao MINISTÉRIO PÚBLICO, o qual ofertou denúncia contra o acusado por incidência comportamental no artigo 121, §2º, II, c/c artigo 14, II, ambos do Codex Penal, pedindo, alfim, que fosse o mesmo PRONUNCIADO, para, depois, ser julgado pelo TRIBUNAL DO JÚRI, por cuidar-se de crime doloso contra a vida.

6. Deflagrada a persecutio criminis in judicio, o acusado foi citado, qualificado e interrogado.

7. O acusado, por ocasião do seu interrogatório, a exemplo do que fizera em sede administrativa, confessou a autoria do crime, dizendo que usou uma faca peixeira, caseira, inox, cabo branco, que estava em poder do ofendido, com ela lesionando-o por três ou quatro vezes. (fls.80).

7.1 Noutro fragmento o acusado disse que, numa luta corporal, conseguiu tomar a faca do ofendido, com ela lhe lesionando-o na altura da barriga.(ibidem)

8. Além do acusado, foram ouvidas várias testemunhas em sede judicial.

9. A testemunha LEDENILSON COSTA MARINHO, ad exempli, disse que ficou sabendo que, no dia do fato, a vítima estava armada de faca, tendo o acusado, com o mesmo instrumento, lesionado a vítima.

10. A tia do acusado, LUCILENE SOARES CORREIA, disse que o crime aconteceu no interior de uma padaria e que, ao chegar no local, o crime já tinha ocorrido. (fls.113)

10.1 LUCILENE SOARES CORREIA disse, ademais, que ficou sabendo que o autor do crime tinha sido o acusado COSME JOSÉ SOARES MARINHO, se utilizando de uma faca. (ibidem)

10.2 Noutro excerto a testemunha disse que o acusado e a vítima há muito tempo não se relacionavam, não sabendo, entretanto, as razões da inimizade. (ibidem)

11. JOSIEL PINTO, de seu lado, disse que estava no interior da panificadora, quando viu a vítima chegar correndo, sendo seguida pelo acusado armado de faca.(fls.114)

11.1 Adiante a testemunha em comento disse que vendo que a vítima estava sendo seguida pelo acusado, cuidou de trancar a porta da panificadora, com o ofendido do lado de dentro. (ibidem)

11.2 Em outro fragmento, a testemunha JOSIEL PINTO acrescentou que o acusado conseguiu deslocar a porta do trilho, tendo penetrado no seu comércio, para, no seu interior, iniciar uma briga com a vítima, tendo esta se armado com um cabo de vassouro. (ibidem)

11.3 Mais à frente, a testemunha disse que deixou a panificadora e saiu em busca de providências e que, quatro minutos depois, ao voltar ao local, já encontrou a vítima lesionada, no meio da rua, tendo ouvido comentários de que o autor das lesões tinha sido o acusado.(ibidem)

12. JOSÉ MARIA MARTINS MARINHO, tio do acusado, disse que estava em sua residência, quando ouviu gritos que davam conta da existência de uma briga, tendo ido ao local da ocorrência. (fls.114)

12.1 A testemunha aduziu que, chegando ao local, viu quando o acusado tomou a faca da vítima, batendo em sua mão com um pedaço de pau e que, em seguida, de possa da faca, o acusado lesionou a vítima, não sabendo, no entanto, quantas vezes. (ibidem)

13. De tudo que restou apurado nas duas sedes, posso afirmar que provadas estão a autoria e a materialidade delitiva, a autorizar, por isso, a submissão do acusado a julgamento perante seus pares, vez que aqui se cuida de crime doloso contra a vítima, em sua forma tentada.

14. Na mesma linha de entendimento do MINISTÉRIO PÚBLICO, entendo que deva ser afastada a qualificadora do motivo fútil, tendo em vista que o acusado e o ofendido tinham querelas antigas.

15. No que se refere à excludente de ilicitude, tese consubstanciada nas alegações finais da defesa, entendo que as provas amealhadas não demonstram, à evidência, induvidosamente, ter agido o acusado para defender-se de uma agressão iminente, nem que tenha repelido à agressão de forma moderada.

16. A verdade é que o acusado, ao que dimana das provas consolidadas nos autos, desferiu várias facadas no ofendido. É dizer: o acusado não se ouve com moderação na repulsa da agressão que disse estar prestes a sofrer.

17. A verdade que deriva das provas, ademais, é que o acusado, ao repelir a agressão que disse ser iminente, o fez além dos limites estritamente necessários, daí a inviabilidade de reconhecer-se, nesta face, a excludente de ilicitude apontada nas alegações finais da defesa.

18. O reconhecimento da legitima defesa, todos sabemos, só com provas extreme de duvidas de que o autor do fato tenha agido sob seu manto.

19. É de rigor que se diga que as provas colacionadas não me convencem a existência de nenhuma circunstância que exclua o crime ou que isente o réu de pena.

20. O que vejo aflorar nos autos, devo dizer, é que a excludente de ilicitude apontada na defesa do acusado não se mostra nítida, clara, de modo irretorquível.

21. De relevo que se diga, nessa linha de pensar, que, mínima que seja a hesitação da prova a respeito da excludente, impõe-se a pronúncia do acusado, para que causa seja remetida ao Tribunal do Júri, competente, ex vi legis, para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

22. No exame dessas questões, excedo-me, mas reafirmo, não se pode olvidar que a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, daí decorrendo que só excepcionalmente essa competência deve ser afastada.

23. Na fase em que está o processo e considerando as provas consolidadas, é dever do magistrado promover o seu encaminhamento ao órgão jurisdicional competente, em face da inexistência das hipóteses de absolvição sumária e desclassificação.

24. O que se espera de um magistrado, diante dessas questões, é examinar o material probatório produzido, para, consciente da inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri, pronunciar o autor do fato, presentes os pressupostos legais, quais sejam, a prova da existência do crime e os indícios de autoria.

25. A absolvição sumária do autor do fato, nessa hora, só é viável por meio de convencimento judicial pleno, ou seja, por meio do juízo de certeza, sempre excepcional nessa fase.

25.1 Mínima que seja a hesitação, deve o julgador optar pela admissibilidade da acusação, para não subtrair o julgamento do acusado pelos seus pares.

26. Para absolvição sumária nos crimes de competência do Tribunal do Júri, como pretendido pela defesa, é sempre necessário que haja um prova segura, incontroversa, plena, límpida, cumpridamente demonstrada e escoimada de qualquer dúvida acerca da justificativa ou dirimente, de tal sorte que a pronúncia se mostraria manifestamente injusta. Definitivamente, não é o que ocorre nos autos sob retina, daí a necessidade de que se admita a acusação, para que o acusado seja julgado perante o Tribunal leigo.

27. À conta do exposto, JULGO, parcialmente, PROCEDENTE a denúncia, para, de conseqüência, PRONUNCIAR o acusado por incidência comportamental no artigo 121, c/c artigo 14, II, do CP, para que o mesmo seja julgado perante o TRIBUNAL DO JÚRI, provadas a autoria e a materialidade delitiva, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 406 do Digesto de Processo Penal.

P.R.I.

Intime-se o acusado, pessoalmente, desta decisão.

Preclusa a via impugnativa, encaminhem-se os autos à distribuição, para os devidos fins.

 

São Luís, 14 de agosto de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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