Decreto de prisão preventiva. Fuga do acusado do distrito da culpa

contato

jose.luiz.almeida@globo.com   ou     jose.luiz.almeida@folha.com.br 

clip_image002

A prisão, quando necessária, é instrumento de que se devem valer os órgãos de persecução, no afã de não estimular a impunidade – ou a sensação dela -, cujos efeitos, todos sabemos, são mais que deletérios para o conjunto da sociedade.

clip_image002[1]

 

Cuida-se de decreto de prisão preventiva cujo fundamento é a fuga do acusado do distrito da culpa.

Antecipo a seguir alguns fragmentos da decisão.

 

  1. Tenho entendido – e nesse diapasão tenho decidido – que não se pode afrontar a ordem pública, não se pode malferir um preceito penal e, depois, seguir a vida como se nada tivesse ocorrido.
  2. É necessário que todos os que malfiram a ordem público prestem contas dos seus atos à sociedade.
  3. Não se pode afrontar a sociedade e sair palitando os dentes como quem se regalou com numa boa mesa de quitutes.
  4. Aquele que comete um crime deve ter a certeza de que não pode ficar impune, sob pena de se estimular a vingança privada.
  5.  O processo sub examine, como tantos outros, poderia, sim, permanecer nos escaninhos da Secretaria Judicial desta vara, até que sobreviesse a prescrição.
  6. Mas não é do meu feitio, não é da minha índole deixar como está para ver como é que fica.
  7. Essa postura, acovardada, contemplativa é digna de reproche; não se compatibiliza com a minha história, daí por que compreendo que, nesse caso como em tantos outros, preciso agir com a mesma sofreguidão.
  8. Pertinácia, sofreguidão e arrojo é o que se espera, sempre, daqueles que, no exercício de uma atividade pública, tenha compromisso com a sociedade.
  9. Não se pode, pura e simplesmente, matar, roubar, estuprar e sair por aí como se nada tivesse ocorrido.
  10. A sensação de impunidade que disse decorre é mais do que deletéria para o conjunto da sociedade.

 

A seguir, a decisão, por inteiro.

Processo nº 73/2002

Ação Penal Pública

Acusado: LFV

Vítima: Sérgio Nativo Rodrigues

 

Vistos, etc.

01.00. Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra LFV, vulgo Treme-treme, por incidência comportamental no artigo 129,§3º, c/c artigo 61, alínea e, do CP.

02.00. Consta da proemial que o acusado, no dia 03 de março de 2002, por volta das 15h00, agrediu a pauladas o seu irmão de nome Sérgio Nativo Rodrigues, o qual, em conseqüência das lesões, faleceu.

03.00. O fato ocorreu, como se viu acima, no ano de 2002, sendo que, até a data atual, o feito não teve andamento, em face de o acusado ter tomado rumo ignorado, após a prática do crime.

04.00. Esgotadas possibilidades de citação pessoal, o acusado foi citado por edital, sem, no entanto, acudir ao chamamento.(fls.45)

05.00. O feito foi suspenso em agosto de 2003, por força do que prescreve o artigo 366 do CPP.(fls.46)

06.00. Cediço, à luz do exposto, que a fuga do acusado do distrito da culpa veio em holocausto da instrução criminal e, de conseqüência, da aplicação da lei penal.

07.00. O acusado, é forçoso convir, ao fugir do distrito da culpa, deixou evidenciado que não deseja arcar com as consequencias jurídico-penais de sua ação.

08.00. O feito, como consignei acima, está suspenso desde 2003, sem que se tenha notícia do paradeiro do acusado, situação que, no entanto, não pode se prolongar ab aeternum.

09.00. Os Tribunais, à frente o Supremo Tribunal Federal, têm entendido que a simples fuga do acusado do distrito da culpa, já legitima a edição de um decreto de prisão preventiva, para possibilitar a realização da instrução criminal e, também, para possibilitar à aplicação da lei penal.

10.00. Compreendo que a situação do processo sub examine, prejudicado em sua instrução em face da fuga do acusado do distrito da culpa, reclama deste juízo a adoção de medidas enérgicas.

11.00. É preciso convir que, no atual estágio, a prisão do acusado é a ultima ratio. Não há mais o que esperar.

11.01. Dos órgãos persecutórios se espera, sempre, medidas eficazes no sentido de possibilitar a inflição de penas a quem afrontou a ordem pública.

11.02. Das instâncias formais de combate à criminalidade não se espera uma postura apenas contemplativa.

11.02.01. A prisão, quando necessária, é instrumento de que se devem valer os órgãos de persecução, no afã de não estimular a impunidade – ou a sensação dela -, cujos efeitos, todos sabemos, são mais do que deletérios para o conjunto da sociedade.

12.00. Tendo entendido – e nesse diapasão tenho decidido – que não se pode afrontar a ordem pública, não se pode malferir um preceito penal e, depois, seguir a vida como se nada tivesse ocorrido.

12.01. É necessário que todos os que malfiram a ordem público prestem contas dos seus atos à sociedade.

12.01.01. Não se pode afrontar a sociedade e sair palitando os dentes como quem se regalou com numa boa mesa de quitutes.

12.01.02. Aquele que comete um crime deve ter a certeza de que não pode ficar impune, sob pena de se estimular a vingança privada.

12.01.03. Vingança privada que, registre-se, já se constata, aqui e acolá, em face da covardia das instâncias penais, que, não raro, agem com parcimônia em situações que estão a exigir perseverança, tenacidade.

13.00. O processo sub examine, como tantos outros, poderia, sim, permanecer nos escaninhos da Secretaria Judicial desta vara, até que sobreviesse a prescrição.

13.01. Mas não é do meu feitio, não é da minha índole deixar como está para ver como é que fica.

13.01.01. Essa postura, acovardada, contemplativa é digna de reproche; não se compatibiliza com a minha história, daí por que compreendo que, nesse caso como em tantos outros, preciso agir com a mesma sofreguidão.

14.00. Pertinácia, sofreguidão e arrojo é o que se espera, sempre, daqueles que, no exercício de uma atividade pública, tenha compromisso com a sociedade.

15.00. Não se pode, pura e simplesmente, matar, roubar, estuprar e sair por aí como se nada tivesse ocorrido.

15.01. A sensação de impunidade que disse decorre é mais do que deletéria para o conjunto da sociedade.

16.00. Vivemos momentos especialmente difíceis. A população, descrente, já partiu para a vingança privada. Aqui e acolá ouvem-se notícias dessa e daquela tentativa de linchamento.

16.01. É que a sociedade, descrente, estupefata e revoltada com tanta impunidade, já não agüenta esperar, perdeu a paciência com a lassidão dos órgãos responsáveis pelo combate à criminalidade.

17.00. A sensação que tenho, vivendo o dia-a-dia de uma vara criminal, é que as instituições, por seus representantes legais, estão em estado de letargia.

18.00. As notícias acerca de crimes os mais abjetos, inclusive acerca da malversação das verbas públicas, parece que não mais encontram receptividade.

18.01. Não vejo indignação, tomada de posição, arregimentação daqueles que têm o dever de perseguir o criminoso. Tudo é lassidão, pachorra, acomodação, conformação.

18.01.01. Muitos só se revoltam mesmo quando a violência bate à sua porta. Enquanto ela atingir apenas o vizinho, não se esboça nenhuma reação.

19.00. Com as considerações supra,

decreto a prisão preventiva de Lfv, brasileiro, solteiro, sem profissão definida, o fazendo, sobretudo e fundamentalmente, para garantir a realização da instrução e, se for o caso, para possibilitar a aplicação da lei penal, presentes os pressupostos legais – fumus boni iuris e periculum in mora.

20.00. Expeça-se, pois, o necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.

21.00. Encaminhar cópia do mandado à secretaria de segurança, para nos auxiliar na sua execução.

22.00. Preso o acusado, voltem os autos imediatamente conclusos.

São Luis, 27 de março de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Decreto de prisão preventiva. Fuga do acusado do distrito da culpa”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.