Condenem-me, mas não me insultem.Releitura

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“A conclusão que se deve – ou deveria – tirar deste episódio é que o juiz tem que ser cometido nas palavras ao decidir e que, ademais, não deve fazê-lo para agradar ninguém, ainda que o interesse em jogo seja do governante da hora”

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Na crônica que publico a seguir reflito, mais uma vez , acerca da  forma descortês com que certos juízes tratam os réus.
Em determinados excertos  anotei:

 

1. Ouvem-se comentários, igualmente desrespeitosos e aviltantes para toda a magistratura, que determinados magistrados decidiram pressionados por determinados agentes do Poder Executivo. ou para atender aos apelos de certos apaniguados, sem independência e sem consciência, portanto.
2. É claro que, em quaisquer das hipóteses acima elencadas – ou destratando o réu (ou as testemunhas ou os terceiros interessados) ou decidindo para atender aos apelos de terceiros, olvidando-se do direito dos litigantes -, o magistrado abusa do poder, solapa as garantias constitucionais do acusado e adota procedimento incorreto, à luz da LOMAN.

A seguir, a crônica por inteiro.


Ouve-se dizer, com muita freqüência, nos corredores dos fóruns, que há juízes que, indignados com o silencio de determinados acusados – garantia constitucional impostergável -, lançam contra eles os seus arroubos verbais, arrostando, com essa atitude, a nossa Carta Política.
Ouvem-se comentários, igualmente desrespeitosos e aviltantes para toda a magistratura, que determinados magistrados decidem pressionados por determinados agentes do Poder Executivo. ou para atender aos apelos de certos apaniguados – sem independência e sem consciência, portanto.
É claro que, em quaisquer das hipóteses acima elencadas – ou destratando o réu (ou as testemunhas ou terceiros interessados) ou decidindo para atender aos apelos de terceiros, olvidando-se do direito dos litigantes -, o magistrado abusa do poder, solapa as garantias constitucionais do acusado e adota procedimento incorreto, à luz da LOMAN.
Refletindo sobre essas e outras questões – mais corriqueiras do que se possa imaginar -, lembrei-me do célebre julgamento de João Guilherme Ratcliff, implicado no movimento revolucionário de 1824.
D.Pedro I, malgrado tenha logrado vencer pelas armas os revoltosos, inspirado, ao depois, por uma política de rancor e vingança, exigiu, dentre outras coisas, a condenação de João Guilherme Ratcliff, a favor de quem vários apelos foram feitos e cuja participação no movimento foi, até, irrelevante.
D. Pedro I, para aterrorizar o império, ordenou, em relação a João Guilherme Ratcliff e outros, uma formação de culpa severíssima. Os juízes, sem independência, foram rigorosos a mais não poder, para atender aos caprichos do imperador.
Mas foram além. Para agradar, lançaram nas decisões, ao que se sabe, impropérios, palavras desrespeitosas contra os acusados – dentre os quais, claro, Ratcliff, a favor de quem havia uma plêiade de pessoas influentes, dentre as quais, até, a poderosa Marquesa de Santos.
Mas, os apelos foram em vão. As ordens que D. Pedro dera aos magistrados era clara: condenar João Guilherme Ratcliff a morte. D. Pedro I não queria cadeia! Não queria expulsão! Era forca – e pronto!
Um dos desembargadores, exemplo vivo de bajulação, levou a São Cristóvão o rascunho da sentença condenatória. Tratava-se de uma peça rancorosa, cheia de doestos, de vitupérios contra os acusados, com o que, imaginou, agraderia o soberano.
D. Pedro, de posse da sentença, ainda em rascunho, a leu, com vagar, para, em seguida, dizer ao desembargador bajulador, num gesto até surpreendente, para quem queria muito mais que vingança:

– Desembargador, esse palavrório não está direito! Condenem o homem, isto sim; mas, não o insultem…

Em seguida, mandou reformar a decisão, para que dela fossem expungidos os excessos – como se excessiva não fosse, quanto ao mérito, a pena de morte.
Justa ou injusta a decisão, o certo é que nem mesmo o doidivanas Pedro I concordou com os termos da decisão do juiz bajulador. O desembargador, por sabujice, carregou nas tintas, ávido de agradar o Imperador.
A conclusão que se deve – ou deveria – tirar deste episódio é que o juiz tem que ser cometido nas palavras ao decidir e que, ademais, não deve fazê-lo para agradar ninguém, ainda que o interesse em jogo seja do governante da hora.
Incontáveis vezes já consignei neste blog que não se deve fazer cortesia com o direito alheio.

PS. A passagem da história foi capturada no livro de Paulo Setúbal – 1808-1834, As Maluquices do Imperadsor – , edição 2008, Geração Editorial.


 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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