Quando os gafanhotos brigam, o corvo faz banquete

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“Juiz que diverge de promotor por questões menores, promotores que discrepam de juízes em benefício do próprio ego, integrantes de uma Corte de Justiça que se digladiam por questões de somenos, contribuem, sem dúvidas, para o descrédito das instituições.”
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Na crônica que publico a seguir, fiz algumas reflexões, a propósito das desavenças que vicejam dentro das corporações, muitas delas, a maioria delas, por pura vaidade, prepotência, arrogância mesmo.

Do que tenho assistido, as divergências são mais pessoais que ideológicas, disso defluindo que, tratando-se de Poder Judiciário, o jurisdicionado é o único prejudicado.

Antecipo os seguintes excertos:

 

  1. É necessário que se compreenda que, se essas divergências afloram nas casas judiciais, se alcançam o paroxismo, se chegam à intensidade de um vulcão em erupção, delas decorrem, inelutavelmente, graves e, muitas vezes, irreparáveis prejuízos aos litigantes, isoladamente considerados, ou até mesmo à coletividade, dependendo do grau de interesse colocado em jogo.
  2. Todos nós temos ciência, repito, de que nos Tribunais, tal como nas Casas Legislativas, há, sim, divergências sérias entre os seus membros; divergências que, dependendo do seu grau, podem, sim, prejudicar os interesses em julgamento e os interesses coletivos, no mesmo passo.

 

A seguir, a crônica, por inteiro.

Tem-se tornado muito comum os desentendimentos entre os membros de uma corporação. Nos dias atuais, em face da transmissão das sessões, ao vivo, pelos veículos de comunicação, todos temos acessos a esses desentendimentos.
Importa dizer que se essas discordâncias frutificassem apenas no campo das ideias, nada seria mais natural. Todavia, não é o que ocorre, muitas vezes – infelizmente. E o mais lamentável nisso tudo é termos que admitir, porque a olhos vistos, que a maioria dessas divergências são de cunho pessoal, de ego, de pura vaidade – de arrogância, de prepotência, muitas vezes.
Aqui e acolá, noticiam-se entreveros entre destacados membros de uma determinada confraria. Nas sessões dos Tribunais – todos nós sabemos, todos já assistimos, todos já testemunhamos, incontáveis vezes, iterativamente, não há o que contestar – não é incomum desentendimentos entre os pares; desentendimentos que vão, repito, além do campo das ideias. Muitas vezes, importa redizer, são divergências pessoais mesmo, que regam e fazem vicejar inimizades hepáticas, encarniçadas, daquelas que não permitem uma reaproximação, um bom dia, um até logo, uma convivência pacífica.
É necessário que se compreenda que, se essas divergências afloram nas casas judiciais, se alcançam o paroxismo, se chegam à intensidade de um vulcão em erupção, delas decorrem, inelutavelmente, graves e, muitas vezes, irreparáveis prejuízos aos litigantes, isoladamente considerados, ou até mesmo à coletividade, dependendo do grau de interesse colocado em jogo.
Todos nós temos ciência, repito, de que nos Tribunais, tal como nas Casas Legislativas, há, sim, divergências sérias entre os seus membros; divergências que, dependendo do seu grau, podem, sim, prejudicar os interesses em julgamento e os interesses coletivos, no mesmo passo.
Há, sim, não se pode negar, confrades que divergem por espírito de emulação e são capazes, até, de votar em desacordo com o desafeiçoado, só para não dar a ele o gostinho de estar na balada certa, ainda que terceiros sejam prejudicados em face dessa ou daquela deliberação.
Na política, costuma-se ver, com certa freqüência, o poderoso de plantão desconstruir a obra do adversário. Nas corporações, não é diferente e, sejam elas quais forem, também vicejam a mesma conduta equivocada, em face das idiossincrasias de alguns dos seus membros, despreparados para decidir coletivamente.
Lembro ter lido, num desses sítios que fazem menção às chamadas pérolas jurídicas, que, numa determinada Comarca, com duas varas, vários processos foram chamados à ordem, desnecessariamente, por um magistrado que substituiu o colega que estava em gozo de férias. A notícia dava conta de que os dois magistrados tinham sérias divergências pessoais; divergências, portanto, que iam muito além do campo das idéias, da interpretação dos textos legais. Por isso, sempre que um podia, tentava macular a imagem do outro, razão pela qual, nesse caso específico, o magistrado substituto danou-se a chamar os feitos do magistrado substituído à ordem, sem nenhuma mácula a contaminá-los, só para demonstrar, a quem pudesse interessar que, diferente do que parecia, o magistrado substituído não era tão esmerado assim, não era tão competente como fazia questão de apregoar nas rodas de bate-papos.
Claro que essa atitude se traduziu em perdas para a população – e para o erário – vez que foram refeitos, reproduzidos atos que, de rigor, não precisavam ser refeitos; e, depois, outra vez refeitos, com o retorno do titular. É que, ao retornar das férias, o juiz titular da vara, sem pensar duas vezes, tornou sem efeito todos os despachos esquisitos do colega que o substituiu – sem perder a oportunidade de consignar nos autos o erro do colega, objetivando, da mesma forma, menoscabar, depreciar a sua imagem.
Essas divergências, que encontram terreno fértil nas corporações, beneficiam, no caso específico do Poder Judiciário, os infratores, os malfeitores, os litigantes de má-fé, os que fazem apologia da alicantina.
Juiz que diverge de promotor por questões menores, promotores que discrepam de juízes em benefício do próprio ego, integrantes de uma Corte de Justiça que se digladiam por questões de somenos, contribuem, sem dúvidas, para o descrédito das instituições.
É sempre assim mesmo: quando os gafanhotos brigam, os corvos fazem o banquete.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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