Representação formulada contra três policiais militares

Excelentíssimo Senhor

Antonio Pinheiro Filho

Comandante da Policia Militar

Nesta

 

REPRESENTAÇÃO:

REPRESENTADOS: Sargento Garcia, vulgo “Edinho” e Sds Ronaldo e Aranha, lotados na 4ª Companhia em Cururupu, Maranhão

 

01. O signatário é Juiz Titular da 7ª Vara Criminal desta comarca. Cediço, por isso, que, no exercício do seu mister, é obrigado a trabalhar em harmonia com a Polícia Militar.

01.01 A instituição Polícia Militar, para mim, tem desempenhado um relevante papel no combate à violência que se esparrama em toda sociedade.

01.02 Por reconhecer a relevância dos serviços que tem sido prestados pela Polícia Militar, não tenho medido palavras para enaltecer o seu trabalho.

01.03. Nesse sentido, durante esse ano, para reafirmar o que digo, escrevi 10(dez) artigos, publicados nas edições de domingo do Jornal Pequeno tratando de violência urbana, em alguns dos quais enalteci, sem enleio, o trabalho da Polícia Militar.

01.04 Conquanto reconheça a importância das Instituições, conquanto não tenha poupado elogios à atuação da Polícia Militar, aqui e acolá, me deparo com desvios de conduta de alguns agentes públicos – dentre eles policiais militares – o que, de rigor, não é de estarrecer. É que os desvios de conduta, sabe-se, ocorrem em todas as instituições.

01.04.01 Esse fato, nada obstante, não pode nos fazer quedar diante desses desvios. Entendo que só com sofreguidão se consegue coibir os abusos praticados pelos agentes públicos.

02. Essas linhas introdutórias são feitas a propósito do que ocorreu com o signatário no último dia 13, na cidade de Cururupu, para onde me desloquei para descansar.

03. Pois bem. Numa das principais ruas de Cururupu estacionei o meu carro para comprar uma torneira para o filtro de minha residência. Estando no interior da loja, fui surpreendido com os gritos do lado de fora do comércio; gritos que me surpreenderam, pois que, no primeiro momento, imaginei ser uma pessoa com histerismo. Imaginei, até, que tivesse ocorrido algum acidente grave.

03.01. Diante do inusitado, saí do interior da loja em que me encontrava para ver o que estava ocorrendo. Nessa hora, deparei-me com um carro da Polícia Militar, cujos policiais gritavam, de forma arrogante e prepotente, determinando, sem meias palavras, que eu estacionasse o meu carro corretamente.

03.01.01. O meu carro, é verdade, não estava estacionado corretamente, mesmo porque a cidade é muito pequena e essa não é uma preocupação de nenhum condutor de veículo. Tanto que, nessa mesma manhã, vi vários carros na mesma situação do meu. Mas estar ou não estar errado é o que menos importa, razão pela qual devo prosseguir narrando os fatos. Mesmo porque, ainda que estivesse cometendo um ilícito, eles não tinham o direito de me humilhar – a mim e a ninguém, pois esse não é o papel do agente público.

03.02. Nessa hora, constatando o desequilíbrio dos policiais, disse a eles, com muita calma, que tão logo concluísse a compra, deixaria o local. Fiz ver a eles, ademais, que o meu carro não estava atrapalhando o fluxo de veículos. De nada adiantou. Os policiais, mais uma vez, com histeria, desvairados, desequilibrados, arrogantes e prepotentes, insistiram para que eu tirasse o meu veículo sem mais demora. Com receio do que pudessem fazer, uma vez que a atendente da loja me adiantou logo que os policiais eram violentos e salientes, cuidei de tirar meu carro.

03.02.01. Nessa hora, ao entrar no veículo, vi minha esposa, humildemente, pedindo a eles desculpas, tentando evitar que praticassem uma violência.

03.02.01 Nessa hora fiquei a imaginar do que esses despreparados policiais não são capazes de fazer com as pessoas mais humildes.

03.03. Diante do descalabro, da arrogância, da truculência verbal dos policiais, entendi que devia deixar o local sem sequer me identificar, mesmo porque, na minha avaliação, ninguém precisa se identificar para receber um tratamento condigno.

03.03.01 É assim que me comporto no dia-a-dia do meu labor. Mesmo lidando só com miseráveis, com pobres, às vezes com meliantes perigosos, nunca os humilho; os trato, sempre, com respeito e educação.

03.04. Com receio da truculência dos policiais, deixei o local e segui caminho, agora para comprar verduras na feira da cidade. Próximo à feira – pasme! –, os mesmos policiais agora destratavam um motorista de caminhão. Com a mesma arrogância, com a mesma prepotência, com a mesma truculência verbal, os policiais determinavam que o motorista estacionasse corretamente o seu veículo. Esse motorista, como eu, não tinha como estacionar o seu veículo de outra forma, vez que na via havia muitas motocicletas próximas das calçadas.

03.05. Nessa hora, ao ver que os policiais agiam de forma arbitrária, aproximei-me do policial alcunhado “Edinho”, lembrando a ele que precisavam tratar as pessoas com mais respeito, ao que me respondeu que era assim mesmo que as pessoas tinham que ser tratadas.

03.06. Diante de mais essa petulância, preferi voltar para casa. Percebi que não tinha mais o que fazer. Mas, antes, disse a “Edinho” que iria representar contra e ele e seus colegas, ao que me respondeu que, já que eu ia representar, ele havia decidido me aplicar uma multa. É dizer: a multa ele só aplicaria em face de minha reação, do que se vê não tem preparo para o exercício da função para a qual foi designado, do que se vê que eu não havia cometido nenhuma ilegalidade.

03.07. O policial “Edinho”, que depois soube tratar-se do Sargento Garcia, se fazia acompanhar dos soldados PM Ronaldo e Aranha, os quais, com sua ação, disseminavam truculências verbais contra as pessoas indefesas, plena luz do dia, pela manhã, sem enleio, sem complacência, desabrida e irresponsavelmente.

04. Fico me perguntando do que esses maus policiais são capazes quando se defrontam com as pessoas mais humildes. É de lamentar. É preocupante.

05. Vossa Excelência deve estar indagando: quais as provas que o senhor tem para confirmar o que diz? Antevendo essa indagação, anoto que não tenho testemunhas do fato. E por que não as tenho? Porque ninguém quis testemunhar, com medo da reação de “Edinho” e seus comandados. Pelo menos foi isso que me alegaram as pessoas que estavam próximas e com as quais mantive contato.

05.01. No interior do meu veículo estava um morador da cidade. Mas ele também não quis testemunhar, com receio, seguramente, da reação de Edinho e seus comandados. É triste dizer, mas é a mais pura realidade.

06. A despeito de não poder arrolar testemunhas, me atrevo, ainda assim, a noticiar o fato, porque entendo que esse procedimento não pode receber o beneplácito do Comando da Polícia Militar.

06.01. Posso garantir que os que atuam sob o meu comando não procedem dessa forma. Os que trabalham comigo oriento para que não tratem as pessoas com descortesia, nem quando elas fazem por merecer. Essa é a minha orientação. Essa é a minha obstinação. Disse não arredo o pé.

06.02 Vários, incontáveis foram os policiais –civis e militares – que já trabalharam comigo. Vários foram os que depuseram nesta vara, os quais, sempre, foram tratados com urbanidade e respeito – quer na condição de réus, quer na condição de testemunhas.

07. É por isso que me atrevo a noticiar o fato, ainda que não tenha como arrolar testemunhas, na presunção de que a minha palavra, respaldada pela minha retidão e pelo meu passado, sirva para alguma coisa.

07.01. A prova do fato que noticio é a minha retidão, o meu caráter, a minha historia de vida, quer como homem, quer como profissional.

08. É possível, sim, que nada se possa fazer contra os mencionados policiais, pois que sei que para provas essa ocorrência será exigido testemunhas. Mas testemunhas não há. E não tenho coragem de arrolar as que presenciaram o fato, porque sei que, arrolando-as, as colocarei em perigo, em face do despreparo da periculosidade de “Edinho” e seus comparsas.

09. A despeito do exposto, não posso deixar de relatar o fato, por entender que esses maus policiais denigrem a instituição a que pertencem. A Polícia Militar não pode ter em seus quadros pessoas com essa postura. Edinho e seus comparsas denigrem a imagem da corporação. Precisam, por isso, ser punidos exemplarmente, sob pena de prosseguirem com os seus descalabros.

10. Tenho a esperança de que, com esse relato, alguma providência seja adotada, no sentido de, pelo menos, orientar os policiais acima mencionados, para que compreendam que a Polícia não precisa ser temida; a Polícia precisa ser respeitada. Mas, convenhamos, com atitudes desse matiz, os policiais Garcia, Ronaldo e Aranha depõem contra a instituição Polícia Militar.

11. Fico no aguardo de que os policiais mencionados sejam, pelos menos, advertidos a procederem de forma educada, como convém a que integra uma instituição de especial relevância como é a Polícia Militar.

11.01 Procedendo como procedem os representados, eles hostilizaram não apenas o signatário, mas, também, a própria instituição a que pertencem.

12. Eu fico muito a cavaleiro com o que estou narrando, porque, com equilíbrio e sensatez, não respondi às provocações desses que, para mim, são marginais fardados; marginais no sentido de que agem à margem da lei.

13. Reafirmo que não vou arrolar testemunhas, pois as pessoas com as quais contatei, logo após a prática do fato, se negaram a colaborar, com receio de que pudessem ser vítimas de uma vendeta.

13.01. Convenhamos, quando as pessoas do povo têm receio de ser vítimas de uma vingança de policiais militares, Vossa Excelência pode imaginar como deve ser o procedimento desses policiais.

14. Eu vou retornar a Cururupu, pois lá tenho uma casa e é lá que descarrego as minhas tensões do dia-a-dia. Espero, lá retornando, não ser, outra vez, destratado pelos policiais mencionados acima, pois que, se isso ocorrer, serei obrigado a agir com mais energia. Não com a adoção de força física. Mas não hesitarei e acionar a Polícia Civil para prender o sargento “Edinho”. Ainda que tenha de buscar força policial em outro município.

15. Releva anotar que a minha reação, diante da humilhação a que fui submetido, só não foi na mesma proporção, porque, com o tempo, aprendi que, muitas vezes, não reagir e melhor o melhor caminho a ser trilhado.

16. No aguardo de providências, sirvo-me da ocasião para externar as minhas manifestações de apreço e respeito para com a Instituição comandada por Vossa Excelência, na certeza de que os policiais antes mencionados sejam, pelo menos, advertidos, para que fatos dessa natureza não mais se repitam.

 

São Luis, 18 de outubro de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

5 comentários em “Representação formulada contra três policiais militares”

  1. Sou advogado no interior do Paraná e vivenciei uma situação parecida com essa relatada pelo Sr. Devemos sim, seguir como exemplo a atitude que o Sr. tomou a fim de evitarmos estes abusos que certos policiais cometem de forma arbitrária e acaba nos prejudicando.

  2. Tenho um cliente que viveu na pele o abuso de poder de policiais militares. Um desses posliciais quase o matou com a famosa “gravata”, tudo sem motivo algum. É preciso dar um basta nisso. A maioria dos policiais são pessoas semi analfabetas que ingressam nessa área por preguiça de estudar ou por malandragem mesmo.

  3. E com muito prazer que venho enetse blog elogiar tao sabias e coerentes palavras supracitadas por VS° Excelencia, pois para min como academico de direito serve de inspiraçâo para prosseguir estudando com entusiasmo.
    Sou a favor da linha de raciocionio de vs° excelencia, e gostaria de deixar aqui regostrado que mesmo com o titulo que o senhor tem , preferiu nao usar de força maior com os tais trogloditas. e acho que foi um gesto muito bonito e honroso e com muito pesar lhe inform que estou vivenciando situaçao parecida, pois dentro da faculdade onde estudo um rapaz e que a fe do estdao e ele lhe foi conferida, abusou do seu poder para suprimir a minha liberdade de espressar, me causando um contragimento ilegal pois foi deslocado tres viaturas pra verificar o fato e que ficaram por muito tempo me expondo ao ridiculo. E lastimavel o despreparo de alguns profissionais da segurança publica. Desde ja agradeço a atenÇao de vs excelencia e dos prezados leitores.

  4. Ilustre cidadão, Sr. José Luiz.
    A situação aqui narrada por V.S., não é nenhuma novidade, mas a peculiaridade, a singularidade dessa situação é que nos chama a atenção.
    Penso que o policial não sabia com quem estava tratando, e se soubesse garanto que não faria qualquer diferença, vez que, trata-se de homem despreparado, imagina ser titular de um salvo conduto que lhe permite tudo. Homem sem caráter, que se esconde atras de uma farda, não passa de um meliante, é a grande verdade.
    Parabéns pela sua singela atitude, são brasileiro com o Senhor que fazem mudar uma Nação e torna Forte.

  5. Senhor José Luiz de Almeida, V. Exa. demonstrou um grande exemplo de um
    homem equilibrado perante tais comportamentos fascistas arianos do tempo
    de Hitler por parte destes policiais. Eles também deram sorte, pois o senhor poderia muito bem chamar uma viatura da polícia civil, em seguida
    se identificar, usar das suas prerrogativas e dá ordem de prisão e deixar eles presos até a segunda ordem e enquadra-los no rigor da Lei
    nº 4.898/65 no art.9º, aplicação da pena prevista no art. 6º, § 1º, alínea f da referida lei,; depois no art.147 do Código Penal. Pois seu
    equilíbrio serve até de exemplo para me e outros. O seu exemplo realmente
    é de uma pessoa muito equilibrada.

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