Sentença condenatória, cumulada com extintiva de punibilidade, e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos

 

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Para que possa expedir um decreto de preceito sancionatório, o magistrado há de ter certeza, a par do conjunto de provas, da existência do crime e de sua autoria.
Não pode o magistrado, sejam quais forem as suas motivações, condenar com esteio em suas convicções íntimas.
juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão
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Cuida-se de sentença condenatória, cumulada com extintiva de punibilidade.

A  questão controvertida nos autos condiz com a qualificadora do §1º, do artigo 180 do CP.

A quaestio foi enfrentada por nos seguintes termos, verbis:

  1.  
    1. Confesso que, diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO, não entrevejo, às claras, o vínculo, o nexo entre a atividade comercial do acusado e o crime, conquanto ele possa ter existido
    2. Todavia, dessa situação deveria ter feito prova o órgão oficial do Estado, que, ao que vejo dos autos, limitou-se a seguir na mesma balada da autoridade policial, sem se dignar a trazer provas outras que pudessem fazer concluir pela ação reprochável do acusado, nos termos propostos na proemial.
    3. Que o acusado adquiriu bem de origem ilícita não se tem dúvidas e deve, por isso mesmo, à luz da lei, ser punido – e de forma exemplar, para fazer renascer no espírito da população a certeza de que o crime não pode ficar impune, ainda que as instituições não respondam, a tempo e hora, às expectativas da sociedade.
    4. Mas entre adquirir produto de crime e expor à venda, de modo a tipificar a receptação qualificada, há uma distância amazônica, a par do quadro de provas que se descortina sob meus olhos.
    5. O acusado, é verdade, qualifica-se como comerciante. Mas não há nos autos nenhuma prova de que, ao adquirir os bens, o tenha feito nessa condição e com a finalidade de mercancia.

 

 

 A seguir, a sentença, por inteiro.

PROCESSO Nº 93902002
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADOS: D. S. DE O. E OUTROS
VÍTIMAS: F. DAS C. C.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra E. M. C., vulgo Besouro, D., vulgo Sapateiro, e J., o primeiro por incidência comportamental no artigo 155,§1º, do CP, e os dois últimos, por incidência no artigo 180, §1º e 180,§2º, respectivamente, do mesmo diploma legal, cujos fatos estão narrados na denúncia que, no particular, passa a compor o presente relatório.

A persecução criminal teve início com portaria (fls. 07).

Termo de apresentação e apreensão às fls. 12

Termo de entrega às fls. 13.

Laudo de avaliação às fls. 46.

Recebimento da denúncia às fls. 54.

O acusado D. foi qualificado e interrogado às fls.59/60; J., às fls. 61/62.

Defesa Prévia de D. às fls. 64/65, de J., às fls. 67/68.

Foi determinada a separação do processo em relação ao acusado E. M., às fls. 71/72.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas M. DE O. M. DE S. (fls. 80), F. DAS C. (fls.81) e G. DOS R. F. (fls. 131/135).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu

I – a extinção da punibilidade em relação ao acusado D., em face da ocorrência de prescrição; e
II – a condenação do acusado J., nas penas do artigo 180, III, do Codex Penal.

A defesa, de seu lado, requereu, também,

I – a extinção da punibilidade do acusado D., pela ocorrência de prescrição;
II – a declaração de inépcia da denúncia, em relação ao crime imputado ao acusado J., em face de não descrever uma elementar do tipo penal que se lhe imputa a prática, ou seja, a denúncia se limita a dizer que o acusado adquiriu produto de furto, mas não declina a finalidade comercial e tampouco apresenta qualquer pessoa que tenha adquirido do acusado, no exercício da atividade comercial, tal produto;
III – o reconhecimento do crime bagatelar, em face do prejuízo ínfimo suportado pelo ofendido;
IV – a desclassificação da imputação, para fazê-la recair no caput do artigo 180, vez que não há provas de que o acusado tenha se valido de sua condição de comerciante para adquirir a res furtiva;
V – o reconhecimento da prescrição retroativa, em face da pena em perspectiva a ser aplicada;
VI – que, na hipótese de condenação, que seja substuída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Relatados. Decido.

01.00. Para que se compreenda o alcance desta decisão, devo dizer que a denúncia foi ofertada, inicialmente, contra três réus – E., D. e J..

01.01 O feito, no entanto, foi separado em relação ao acusado E., que está com paradeiro incerto.

01.02. Cediço, pois, que esta decisão se restringirá à ação dos acusados D. e J..

02.00. Feitas as anotações supra, passo ao exame da prova produzida.

03.00. Antes, porém, antecipo que está prescrita a pretensão punitiva do acusado D., tema sobre o qual me manifestarei oportuno tempore.

04.00. Agora, sim, parto, definitivamente, para análise das provas constantes dos autos.

05.00. A persecução criminal se desenvolveu em dois momentos distintos – sedes administrativa e judicial -, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.

06.00. Da sede extrajudicial destaco o depoimento do acusado E., vulgo Besouro, que confessou ter arrombado o bar e de lá subtraído um aparelho de som e vinte garrafas de bebidas alcoólica (fls.10).

07.00. . concluiu dizendo que vendeu as bebidas ao alcunhado Chichico, epíteto de José Francisco dos Reis Ferreira (ibidem).

08.00. Da mesma sede desponta a palavra do ofendido, que confirmou a ocorrência do ilícito (fls. 11).

09.00. Em poder de D., a corroborar a existência do crime, foi apreendida parte da res furtiva (fls. 12), depois devolvida ao ofendido (fls. 13).

10.00. Finalmente, destaco da mesma sede o interrogatório do acusado J., que negou a autoria do crime (fls. 13).

11.00. A segunda fase teve início com a denúncia ofertada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de E., vulgo Besouro, D., vulgo Sapateiro, e J..

12.00. O acusado J. negou a autoria do crime, dizendo, inclusive, que não comprou as bebidas, porque sabia ser produto de origem ilícita (fls.61/62).

13.00. O acusado aduziu que, conquanto não tivesse comprado a res mobilis, guardou em casa as bebidas, razão pela qual foi apontado como autor do crime de receptação (ibidem).

14.00. Em seguida, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes, cujos depoimentos analisarei em seguida.

15.00. A testemunha M. DE O. M. DE S. N., dentre outras coisas, disse que não sabe o nome de quem comprou as bebidas alcoólicas (fls. 80).

16.00. F. DAS C. C., ofendido, disse ter ouvido de E. que as garrafas de bebidas alcoólicas teriam sido vendidas ao terceiro acusado (fls.81).

17.00. A testemunha G. DOS R. F., irmão do acusado J., confirmou, às fls. 131/135, que o mesmo adquiriu as bebidas de E., de cujo depoimento destaco os seguintes fragmentos:

I – que E. era conhecido como ladrão;
II – que E. ofereceu à venda bebidas a seu irmão;
III – que seu irmão era comerciante de bebidas;
IV – que não sabe o valor do que foi vendido a seu irmão;
V – que as bebidas foram entregues tarde da noite;
VI – que os vasilhames não foram devolvidos à vítima.

18.00. Com esses dados, encerrou-se o exame dos dados probatórios.

19.00. Vou, agora, expender as minhas conclusões, em face da ação do acusado J., a considerar a prescrição da pretensão punitiva do Estado, em relação ao acusado D..

20.00. Colhe-se da prefacial, importa relembrar, que o MINISTÉRIO PÚBLICO imputa ao acusado J. a prática do crime de receptação qualificada (artigo 180, §1º, do Digesto Penal).

21.00. Ao que dimana do conjunto probatório, uma certeza salta aos olhos, qual seja, a de que o acusado J. adquiriu produto de furto, consciente da ilegalidade do ato, sobretudo porque tinha ciência de que o acusado E. era dado à prática de crimes, especialmente contra o patrimônio.

22.00. O busílis, entretanto, é saber se restou tipificado o crime de receptação simples (caput do artigo 180) ou qualificada (artigo 180, §1º), como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO.

23.00. Para atender a pretensão do MINISTÉRIO PÚBLICO, importa saber, com efeito, se o acusado J., ao adquirir as bebidas alcoólicas, sabia da origem ilícita da res e se, ademais, as utilizou para revenda no seu comércio.

23.01. Sem essa certeza, sem essa convicção, será embalde toda e qualquer tentativa de punir o acusado em face do crime de receptação qualificada, sabido que não se pune por ilação, com supedâneo em provas frágeis e/ou inconsistentes.

24.00. Para que possa expedir um decreto de preceito sancionatório, o magistrado há de ter certeza, a par do conjunto de provas, da existência do crime e de sua autoria.

24.01. Não pode o magistrado, sejam quais forem as suas motivações, condenar com esteio em suas convicções íntimas.

24.01.01. Inobstante tenha convicção (íntima) de que o acusado adquiriu a res para renegociá-la, não tenho dados, não disponho de elementos nos autos que dê respaldo a essa convicção, a inviabilizar, por isso, a sua condenação.

25.00. Confesso que, diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO, não entrevejo, às claras, o vínculo, o nexo entre a atividade comercial do acusado e o crime, conquanto ele possa ter existido.

25.01. Todavia, dessa situação deveria ter feito prova o órgão oficial do Estado, que, ao que vejo dos autos, limitou-se a seguir na mesma balada da autoridade policial, sem se dignar a trazer provas outras que pudessem fazer concluir pela ação reprochável do acusado, nos termos propostos na proemial.

26.00. Que o acusado adquiriu bem de origem ilícita não se tem dúvidas e deve, por isso mesmo, à luz da lei, ser punido – e de forma exemplar, para fazer renascer no espírito da população a certeza de que o crime não pode ficar impune, ainda que as instituições não respondam, a tempo e hora, às expectativas da sociedade.

26.01. Mas entre adquirir produto de crime e expor à venda, de modo a tipificar a receptação qualificada, há uma distância amazônica, a par do quadro de provas que se descortina sob meus olhos.

27.00. O acusado, é verdade, qualifica-se como comerciante. Mas não há nos autos nenhuma prova de que, ao adquirir os bens, o tenha feito nessa condição e com a finalidade de mercancia.

28.00. Eu disse e repito, com sofreguidão: não há provas definitivas de que o acusado tenha adquirido a res para revenda em seu comércio.

28.00. É possível, sim, é muito provável, até, que o acusado tenha adquirido os bens para revendê-los. Não tenho dados nos autos a dar sustentação, no entanto, a essa certeza interior.

28.01. A certeza que autoriza uma condenação é a certeza que se assenta em provas amealhadas nos autos, ou seja, no mundo real.

28.01.01. Desautorizada estará a AUTORIDADE JUDICIÁRIA a decidir com esteio em provas que sejam frutos da imaginação, decorrentes de suas íntimas convicções pessoais – ou de elucubrações, do desejo incontido de punir a qualquer preço.

29.00. A única certeza que tenha, à luz das provas produzidas, é de que o acusado adquiriu os bens, sabendo-os de origem ilícita, mesmo porque o acusado E. M. C. era conhecido como ladrão contumaz, disso se inferindo que, ao adquirir os bens, sabia o acusado da sua origem.

30.00. As provas, acerca da qualificadora, repito, sem temer pela exaustão, não são extremes de dúvidas, de modo a autorizar a edição de um decreto de preceito sancionatório.

31.00. Não posso me aventurar a expedir um decreto condenatório com arrimo em dados ficcionais, decorrentes de mera especulação, sabido que, como tenho reafirmado, iterativamente, não se deve fazer cortesia ou jogar para a platéia, menoscabando, vilipendiando o direito dos acusados.

31.01. E o acusado, todo acusado, por pior que seja, por mais grave que tenha sido o crime praticado, tem que ser julgado com a devida – e possível – isenção, sempre com base em dados extraídos do contexto.

33.00. Poder-se-ia, sim, como bem o disse a representante ministerial, buscar, para compor o conjunto probatório, as provas produzidas em sede extrajudicial.

33.01. É preciso convir, inobstante, que as provas extrajudiciais, acerca da qualificadora, são, tal qual a prova judicial, nenhuma.

33.00. Convém relembrar que o furtador E. disse, em sede extrajudicial, que subtraiu cerca de vinte garrafas de bebidas alcoólicas, consumiu algumas, e vendeu outros a Chichico, alcunha do acusado J. (cf. fls. 10).

34.00. Convenhamos, como é possível concluir, a par dessa que é, para mim, a afirmação mais contundente, que o acusado adquiriu os bens em comento na condição de comerciante ou de mero consumidor?

35.00. Para mim, não canso de dizer, provas do liame, do nexo entre a atividade comercial do acusado e o crime não há, quantum satis, impondo-se, dessarte, a desclassificação da imputação inicial, ex vi legis.

36.00. O ofendido, em sede extrajudicial, disse que a bebida em comento foi, sim, vendida ao acusado J.(fls.11).

37.00. O mesmo ofendido, agora em sede judicial, reitera o que disse em sede extrajudicial, ou seja, que o terceiro acusado adquiriu as garrafas de bebidas do primeiro denunciado (fls.81).

38.00. Sim! Mas… e daí? Onde está a prova do liame entre a bebida adquirida e a atividade comercial do acusado J.?

39.00. A testemunha M. DE O. M. DE S. N., também disse, em sede judicial, que ficou sabendo que as garrafas de bebidas tinham sido vendidas ao acusado J. F. DOS R. F..

40.00. Mas isso não é novidade. Disso não se tem dúvidas. Acerca da aquisição, disse-o acima, a prova é extreme de dúvidas. É inquestionável.

40.01. Todavia, como, como base em quê, se pode concluir que a bebida – pouca, registre-se – não tenha sido para consumo pessoal ou para revenda?

41.00. Por que, dentre duas conclusões possíveis, o MINISTÉRIO PÚBLICO optou pela mais gravosa, sem que dados existissem nos autos a demonstrar a tipificação da qualificadora?

42.00. Não disponho, reafirmo, de elementos de prova que me façam concluir, sem dúvidas, que o acusado tenha adquirido os bens no exercício de atividade comercial.

42.01. Não há provas, mínimas, rarefeitas que sejam, desse fato, impondo-se, por isso, a desclassificação, pois que, afastada a qualificadora, subsiste o crime do caput do artigo 180, ante a certeza – essa, sim, induvidosa, inquestionável, extreme de dúvidas – de que o acusado adquiriu os bens, sabendo-os de origem ilícita.

43.00. O acusado é, sim, comerciante – ainda que irregular ou clandestino. Isso não importa, para os fins colimados no §1º do artigo 180 do CP.

43.01. Contudo, reafirmo, não tenho dados de que, em face dessa atividade, o acusado J. tenha adquirido as bebidas, mesmo porque sequer as expôs à venda em seu comércio, dado que seria, a toda evidência, decisivo para tipificação da qualificadora em comento.

44.00. Não se deslembre, no exame dessas questões, que o elemento subjetivo do crime de receptação qualificada é o dolo (eventual), consistente na vontade livre e consciente de praticar uma das doze condutas da receptação qualificada, para levar vantagem (proveito próprio), no exercício de atividade comercial.

44.01. Nesse sentido, importa redizer, não há nenhuma prova de que os bens tenham sido adquiridos no exercício de atividade comercial, conquanto seja o acusado pequeno comerciante – e ainda que se trate de comércio irregular.

45.00. Não se pode concluir, permissa vênia, pela tipificação da receptação qualificada, apenas porque o acusado tenha uma bodega, sem que se estabeleça uma nítida relação entre a sua condição de comerciante e o bem que adquirira – sabendo-o, é de rigor reafirmar, de origem ilícita.

46.00. É possível, sim, repito, que o acusado tenha adquirido bebida alcoólica e a tenha revendido em seu comércio. Disso não duvido.

46.01. Mas para chegar a essa conclusão, somente mediante provas extreme de dúvidas.

46.01.01. A apreensão da res mobilis em exposição no comércio do acusado seria, ad exempli, prova irrefutável da prática do crime de receptação qualificada, nos moldes pretendidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

47.00. Todos sabemos, mas nunca é demais reafirmar, que o crime de receptação qualificada foi criado com o objetivo de punir mais severamente o comerciante ou o industrial que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, tem em depósito, desmonta ou monta, remonta, vende, expõe a venda, ou utiliza coisa oriunda de crime, justamente pela maior influência que estas pessoas têm sobre o mercado e pela facilidade na circulação de mercadorias que suas atividades proporcionam.

47.01. Procurou-se, com a inserção do parágrafo sob retina, prevenir e reprimir, o surgimento de “empresários do crime”. Não é, todavia, o caso presente, ao que dimana do conjunto probatório.

48.00. Do que verte do acervo probante, o acusado tinha consciência inequívoca da origem ilícita da res substracta.

48.01. Não existe, inobstante, nenhum dado, nenhuma informação, mínima que seja, de que tenha, verbi gratia, exposto à venda as bebidas adquiridas, em proveito de sua atividade comercial, pelo que se há de desclassificar a imputação inicial, fazendo-a recair no artigo 180, caput, do CP, ex vi legis.

48.01.01. Nessa senda, convém reafirmar que o delito de receptação dolosa, sendo do tipo complexo, exige para sua configuração ambos os requisitos integrantes do art. 180, caput, do CP, quais sejam, a comprovação da procedência ilícita do seu objeto e a ciência do agente sobre tal circunstância. Esses dois requisitos estão presentes, à evidência, nos autos presentes.

49.00. O acusado, com efeito, surpreendido na posse da res, apresentou versão inconvincente para rechaçar os fatos, qual seja, de que apenas guardou a res a pedido de Eudes, o que, convenhamos, não o desvencilha do encargo processual, de justificar por que tinha em seu poder produtos de origem ilícita.

50.00. Comprovado nos autos que o agente tinha, sim, consciência inequívoca acerca da origem espúria do bem que adquirira, resta tipificado o crime de receptação, previsto no artigo 180, caput, do CP.

51.00. De lege lata (art. 383, do Codex de Processo Penal), o juiz pode dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da denúncia, em consequência de prova existente nos autos, sem que, com essa providência, se atente contra os princípios da ampla defesa e do contraditório.

52.00. Os fatos estão narrados na denúncia – que, registre, não é exemplar, mas serve para esse fim – de modo a possibilitar ao acusado o exercício da sua defesa, vez que, sabe-se, o acusado não se defende da classificação do crime, mas dos fatos a ele imputados.

53.00. Nesse sentido, preleciona GUILHERME DE SOUZA NUCCI que, diante de casos que tais, o juiz pode alterar a classificação do crime, “sem qualquer cerceamento de defesa, pois o que está em jogo é sua visão de tipicidade, que pode variar conforme o seu livre convencimento” (Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição, 2º tiragem, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.646).

54.00. De relevo sublinhar, nessa senda, que o fato imputado ao acusado, com a nova definição jurídica, guarda perfeita correspondência com o fato que aqui se reconhece, disso resultando que, com essa decisão, não se vilipendia os princípios da ampla defesa e do contraditório.

55.00. Para finalizar, anoto que o crime em comento (receptação) restou consumado, tendo em vista que a receptação se consuma com a efetiva aquisição do bem, como se deu no caso presente.
56.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO PROCEDENTE, parcialmente, a DENÚNCIA, para, consequentemente,

I – condenar J., brasileiro, solteiro, comerciante, filho de A. e M., residente e domiciliado à Rua … nº 40, Divinéia, Olho D’agua, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 180, caput, do Digesto Penal, cujas penas-base fixo em 01 (hum) ano de reclusão e 10(dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, as quais torno definitivas, à falta de circunstâncias e/ou causas de aumento ou diminuição de penas a serem consideradas, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis; e
e
II – declarar EXTINTA A PUNIBILIDADE do acusado D., vulgo Sapateiro, brasileiro, solteiro, sapateiro, filho de R. e D., residente e domiciliado à Rua Colômbia, nº 11, Divinéia, nesta cidade, fazendo-o com espeque no art. 109, V, e artigo 107, IV, primeira figura, em face da pena máxima prevista em abstrato (01 ano) e data do recebimento da denúncia (30 de maio de 2003).

57.00. SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE do acusado J. por PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE, fazendo-o com espeque no artigo 44 e seguintes do CP, tendo em vista a pena aplicada em concreto e em vista das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP – culpabilidade, antecedentes, conduta social, etc. – lhe serem favoráveis.

58.00. Anoto que a definição do programa – ou entidade – no qual deverá prestar serviços, o acusado ficará a cargo do juiz da execução, ex vi legis.

P.R.I.C.
Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.

Expedir, em seguida, Carta de Sentença.

Custas, pelo acusado.

São Luis, 19 de maio de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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