Sentença condenatória. Concurso Formal

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jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

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Nos crimes praticados às escondidas, às horas mortas, em lugares ermos, a palavra do ofendido tem especial importância para definição da autoria; a fortiori, se duas são as vítimas a apontarem a mesma pessoa como autora do fato criminoso.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal de São Luis, Estado do Maranhão

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Cuida-se de sentença condentória.

Antecipo, a seguir, excertos relevantes, verbis:

  1. Posso afirmar, agora, que a ação proposta pelo Ministério Público é procedente, id est, o acusado, efetivamente, contando com o concurso do menor M. V. F., munidos de armas brancas, atentaram contra o patrimônio dos ofendidos W. W. V. D. e F. P. S..
  2. Digo mais. O acusado e seu comparsa não assaltaram apenas as vítimas suso identificadas. O acusado foi além: assaltou, ademais, os que, no dia do fato, como os ofendidos, se dirigiam à Igreja da Glória, com o fim de participarem das homenagens ao Círio de Nazaré.
  3. Pena que os demais ofendidos, quiçá por não acreditarem nas instituições, ou mesmo por temerem uma represália por parte do acusado e comparsa, tenham preferido manter-se silentes, enriquecendo, com a sua omissão, as cifras ocultas da criminalidade.
  4. Mas a verdade, translúcida e sobranceira, é que o acusado, com sua ação, desfalcou o patrimônio dos ofendidos, protegidos de lege lata, razão pela qual deve, agora, receber do Estado, a correspondente contraprestação decorrente de sua ação réproba.
  5. A conduta típica in casu é subtrair, tirar, arrebatar a coisa alheia móvel, empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.
  6. Nesse sentido, não tenho dúvidas de que o acusado, ao se unir ao menor M. V. F., para, armados de facas, subtraírem bens móveis dos ofendidos, fez subsumir a sua ação no tipo penal do artigo 157 do Codex Penal, razão pela qual deve suportar, como consectário necessário, a inflição de penas – de multa e privativa de liberdade – previstas no preceito secundário do tipo penal em comento.
  7. A verdade é que o acusado, com o seu comparsa, armados de facas, impossibilitaram as vítimas de esboçar qualquer resistência na defesa do seu patrimônio.

A seguir, mais fragmentos, litteris:

  1. O acusado, conquanto tivesse plena consciência da ilegalidade do ato que praticara, não se comportou como era de se esperar, devendo, por isso, suportar os efeitos da ilicitude, consubstanciados no preceito secundário do artigo 157.
  2. Desobedecida a norma preceptiva pelo acusado e atingindo os mesmos bens jurídicos tutelados penalmente, fez nascer para o Estado, disse-o acima, o direito de penetrar no seu status libertatis, para privá-lo, através da medida sancionadora correspondente, de um bem – a liberdade – até então garantido e intangível.
  3. Todo aquele que cometa um ilícito penal deve ser punido – e exemplarmente. Somente assim, criando uma cultura punitiva, se pode fortalecer as instituições e fazer refluir a criminalidade.A certeza da impunidade é, definitivamente, má conselheira.


Agora, a sentença, por inteiro.



Processo nº 259632008

Ação Penal Pública

Acusado: R.

Vítimas: W. e F.

Quando os gafanhotos brigam, o corvo faz o banquete

“[…] É necessário que se compreenda que, se essas divergências afloram especificamente nas casas judiciais, se alcançam o paroxismo, se chegam à intensidade de um vulcão em erupção, delas decorrem, inelutavelmente, graves e, muitas vezes, irreparáveis prejuízos aos litigantes e à própria coletividade, dependendo, claro, do grau de interesse colocado em jogo.

Há, sim, não se pode negar, confrades que divergem por espírito de emulação e são capazes, até, de votar em desacordo com o desafeiçoado, só para não dar a ele o gostinho de estar na balada certa, ainda que terceiros sejam prejudicados em face dessa ou daquela deliberação.

Na política, costuma-se ver, com certa frequência, o poderoso de plantão desconstruir a obra do adversário. Nas corporações, não é diferente e, sejam elas quais forem, também vicejam a mesma conduta equivocada, em face das idiossincrasias de alguns dos seus membros, despreparados para decidir coletivamente […]”.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra R., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157,§ 2º, I e II, do CP, em face de, no dia 05/10/2008, em companhia do menor M. V. F., ter assaltado W. e F., dos quais subtraiu R$ 36,00 (trinta e seis reais) e um aparelho celular, marca Nokia 2760, cor preta e carteira porta-cédulas, cujos fatos estão narrados na denúncia, que, no particular, passa a compor o relatório da presente decisão.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls. 07/12).

Auto de apresentação e apreensão às fls. 14.

Termo de entrega às fls. 21.

Recebimento da denúncia às fls. 42/43.

Defesa escrita às fls. 50/53.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas W. W. V. D. (fls. 78/79), F. P. S. (fls.80/82), M. L. do N. L. (fls.83), R. M. S. C. (fls.84) e R. C. R. (fls. 85).

O acusado foi qualificado e interrogado ás fls. 86/91.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia (fls.96/99).

A defesa, de seu lado, pediu o reconhecimento do crime de roubo tentado, com o máximo de redução, ex vi legis.

Relatados. Decido.

01.00. Tratam os autos de ação penal que move o Ministério Público contra R., por incidência comportamental no artigo 157,§2º, II, do CP, em face de ter assaltado W. W. V.D. e F. P. S., no dia 05/10/2008, por volta da meia noite, com arma branca e contando com o concurso do menor M. V. F..

02.00. A persecução criminal, como de praxe no sistema processual brasileiro, desenvolveu-se em duas etapas distintas – sedes administrativa e judicial.

03.00. Da primeira sede assoma, com especial relevância, o auto de prisão em flagrante do acusado (fls.07/12).

04.00. Da mencionada peça (auto de prisão flagrante) entrevejo os depoimentos do acusado e dos ofendidos, além do menor M. V. F..

05.00. O ofendido W. W. V. D., às fls. 09, narrou o assalto, declinando, dentre outras coisas,

I – que, no dia do fato, estava com outras nove pessoas;

II – que foram abordados por dois indivíduos, ambos armados de faca;

III – que ordenaram que todos entregassem os seus pertences;

IV – que lhe foram subtraídos R$ 36,00 (trinta e seis reais)

V – que, depois, os autores do crime foram presos e levados à sua presença, tendo-os reconhecido;

VI – que, após o assalto, os autores do crime os agrediram com tapas e empurrões.

06.00. Em seguida, foi ouvida vítima F. P. S., que, a seu tempo e modo, disse, às fls. 10, dentre outras coisas:

I – que estava se dirigindo, com outras dez pessoas, para a paróquia da Glória, quando foram abordados por dois indivíduos, armados de facas, que determinaram que entregassem os seus pertences;

II – que lhes foram subtraídos um aparelho celular Nokia 2760, cor preta, e uma carteira porta-cédulas;

III – que foi agredido pelos assaltantes a tapas e empurrões; e

IV – que, presos os autores do fato, foram levados à sua presença, e ele os reconheceu.

07.00. O menor M. V. F., apreendido, logo após a prática do crime, negou que tivesse assaltado as vítimas, sem negar, no entanto, que tenha tido um entrevero com os ofendidos e outras pessoas que estavam em sua companhia (fls.12).

08.00. O acusado, de seu lado, às fls. 11, afirmou:

I – que encontraram um grupo de pessoas;

II – que se aproximaram do grupo e foram pegando os seus pertences; e

III – que não agrediram as vítimas.

09.00. Na sede administrativa foi formalizada a apreensão de uma das facas utilizadas na prática do crime e parte da res mobilis. (fls.14)

10.00. Na mesma sede foi formalizada a devolução da res furtiva ao ofendido W. W. V. D. (fls.21)

11.00. Com esses dados, colacionados em sede extrajudicial, sem a observância do contraditório e da ampla defesa, o Ministério Público denunciou R., conforme se viu acima.

12.00. Com a denúncia, narrando, quantum satis, os fatos imputados ao acusado, propiciou-lhe o exercício da ampla defesa, garantia constitucional impostergável.

13.00. Na fase judicial o ofendido W. W. V. D., às fls.78/79, foi ouvido, de cujo depoimento destaco as passagens abaixo:

I – que, no dia do fato, por volta das 23h30, acompanhado de umas dez pessoas, se dirigiam para Igreja da Glória, com o objetivo de participar de uma romaria do Círio de Nazaré;

II – que apareceram o acusado e o menor M. V., dando voz de assalto;

III – que passaram todos os pertences aos assaltantes;

IV – que uma das vítimas foi agredida com um tapa no rosto;

V – que lhes foram subtraídos trinta e seis reais;

VI – que os assaltantes portavam armas brancas;

VII – que reconheceu o acusado e o menor como os autores do fato.

14.00. O ofendido F. P. S. também foi inquirido, às fls. 80/81, de cujo depoimento ponho em destaque os seguintes excertos:

I – que se dirigiam à paróquia da Glória, para o Círio;

II – que estavam num grupo de dez pessoas, mais ou menos;

III – que os assaltantes apareceram, determinando que entregassem os seus pertences;

IV – que ambos estavam portando arma branca;

V – que foi subtraído um celular de sua propriedade;

VI – que deram um tapa no rosto de um colega do ofendido, com violência tamanha que lhe inchou o rosto; e

VII – que, logo após, os autores do fato foram presos e reconhecidos pelo ofendido.

15.00. As testemunhas do rol da defesa – M. L. doN. L. (fls. 83), R. M. S. C. (fls.84) e R. C. R. (fls. 85) – que nada informaram acerca do crime.

16.00. Finalmente, o acusado foi interrogado, às fls.86/91, de cujo depoimento ponho em destaque os fragmentos abaixo:

I – que foi o menor quem tomou os pertences dos ofendidos;

II – que, depois disso, três das vítimas começaram a jogar pedras neles;

III – que não interveio para evitar que o menor tomasse os bens dos ofendidos, porque ele ia ficar bravo e estava armado com uma faca;

IV – que não sabia que o menor ia praticar o crime;

V- que estava armado com uma faca preta;

VI – que segurou uma faca que lhe deu o menor, quando já ia embora;

VII – que foi apontado como um dos autores do fato, porque estava com o menor; e

VIII – que acha que o menor puxou a faca para as vítimas.

17.00. Consolidados esses dados, encerrou-se a instrução.

18.00. Passo à decisão.

19.00. Analisei, viu-se acima, todo o conjunto de provas.

20.00. Posso afirmar, agora, que a ação proposta pelo Ministério Público é procedente, id est, o acusado, efetivamente, contando com o concurso do menor M. V. F., munidos de armas brancas, atentaram contra o patrimônio dos ofendidos W. W. V. D. e F. P. S..

21.00. Digo mais. O acusado e seu comparsa não assaltaram apenas as vítimas suso identificadas. O acusado foi além: assaltou, ademais, os que, no dia do fato, como os ofendidos, se dirigiam à Igreja da Glória, com o fim de participarem das homenagens ao Círio de Nazaré.

21.01. Pena que os demais ofendidos, quiçá por não acreditarem nas instituições, ou mesmo por temerem uma represália por parte do acusado e comparsa, tenham preferido manter-se silentes, enriquecendo, com a sua omissão, as cifras ocultas da criminalidade.

22.00. Mas a verdade, translúcida e sobranceira, é que o acusado, com sua ação, desfalcou o patrimônio dos ofendidos, protegidos de lege lata, razão pela qual deve, agora, receber do Estado, a correspondente contraprestação decorrente de sua ação réproba.

23.00. A conduta típica in casu é subtrair, tirar, arrebatar a coisa alheia móvel, empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.

23.01. Nesse sentido, não tenho dúvidas de que o acusado, ao se unir ao menor M. V. F., para, armados de facas, subtraírem bens móveis dos ofendidos, fez subsumir a sua ação no tipo penal do artigo 157 do Codex Penal, razão pela qual deve suportar, como consectário necessário, a inflição de penas – de multa e privativa de liberdade – previstas no preceito secundário do tipo penal em comento.

24.00. A verdade é que o acusado, com o seu comparsa, armados de facas, impossibilitaram as vítimas de esboçar qualquer resistência na defesa do seu patrimônio.

25.00. Nessa linha de argumentação, não é despiciendo gizar que, em face do clima de insegurança em que vivemos

“[…]a mera abordagem por indivíduos que anunciam assalto reduz o sujeito passivo à impossibilidade de resistência, porque ele prefigura, justificadamente, que o preço de eventual reação será ofensa à própria integridade corporal, dispensadas fórmulas sacramentais de exteriorização da grave ameaça do gênero “se não passar o dinheiro morre”. (RDJTACRIM 28/226)

26.00. O acusado, é bem de se ver, em face do acervo probatório amealhado, com especial destaque para a palavra dos ofendidos – tema sobre o qual me deterei mais adiante – quis (animus rem sibi habendi) subtrair coisa alheia móvel e conseguiu o seu desiderato, para, algum tempo depois, ser preso em flagrante, ainda de posse de parte da res subtracta.

27.00. A propósito do mencionado acima, sublinho, forte na preleção de José Henrique Pierrangeli,

O tipo subjetivo do roubo próprio é constituído pelo dolo que, na hipótese, consiste na vontade e consciência exteriorizadas no apossamento de coisa móvel alheia mediante violência, grave ameaça ou outro meio de constrição, a fim de lhe trazer um proveito injusto em prejuízo alheio. (Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.374)

28.00. Convém redizer, à luz do almanaque de provas que se descortina nos autos sob retina, que o acusado foi preso – e seu comparsa apreendido – logo após a realização do crime, de posse de arma branca, do que se infere que aqui se está a cuidar de roubo qualificado, pelo emprego de arma e pelo concurso de pessoas, além de consumado.

29.00. Nesse passo, nessa linha de entendimento têm decidido os nossos Sodalícios, sendo exemplar a decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual

Considera-se consumado o roubo qualificado se, mediante emprego de armas, os agentes intimidam as vítimas e conseguem arrebatar seus pertences, afastando-se do local, não importando que sua prisão em flagrante ocorra casualmente pouco tempo depois” ( RT 619/393).

30.00. O mesmo excelso Pretório, noutra feita, decidiu na mesma senda, ao proclamar que

“[…] consumada a subtração da coisa móvel alheia mediante violência ou grave ameaça, a prisão algum tempo após, ainda que breve, não permite que o agente se locuplete com o objeto subtraído, não desclassifica o fato de crime consumado para crime tentado” (RT 599/449).

31.00. Acerca da consumação do crime de roubo próprio, que é do que se trata nos autos sub examine, trago à colação, para ilustrar, as reflexões de Pierangeli em face da consolidação do entendimento, nos dias presentes, de que basta que cesse a violência para que se consume o ilícito, como vê a seguir, litteris:

“O delito de roubo próprio consuma quando a coisa sai do âmbito de proteção do sujeito passivo e o sujeito ativo tem a posse tranquila, ainda que por pouco tempo. Nesse sentido, segundo Maria Teresa Covatta, é a orientação prevalente na doutrina e na Corte di Cassazione italianas. Este posicionamento, embora majoritário também na nossa jurisprudência, não é pacífico, existindo entendimento no sentido de consumar-se o delito com a prática da violência, independentemente do êxito da subtração. Esta orientação já era sufragada pelo nosso Código Imperial, que punia com as penas do crime consumado a tentativa de roubo, quando tivesse verificada a violência (art. 274), e ‘já ganha corpo na jurisprudência, inclusive do STF, a orientação de que não é necessário que a coisa saia da esfera de disponibilidade da vítima, bastando que cesse a violência para que o poder de fato sobre ela se transforme de detenção em posse, consumando-se o delito (RT 677/428)” (Mirabete). (José Henrique Pierangeli, Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, 2004, p.375)

32.00. Sublinho, à guisa de reforço, que, in casu sub examine, não só o acusado foi preso logo após a prática do crime, como também parte da res mobilis deixou de ser recuperada, do que se infere, a fortiori, a consumação dos ilícitos, em concurso formal, tema sobre o qual deter-me-ei mais amiúde oportuno tempore.

33.00. Acima fiz referência, en passant, à palavra dos ofendidos e a sua relevância para o deslinde da quaestio sob retina.

34.00. Devo sublinhar agora que, nos chamados crimes clandestinos, a palavra do ofendido tem especial relevância na definição da autoria.

34.01. É que, na maioria das vezes, por ser clandestino o crime, o ofendido é a única testemunha da sua ocorrência e a única pessoa capaz de identificar o autor do fato.

34.01.01. Se a vítima, sem titubeio, sem enleio, aponta o acusado como autor do fato e se, historicamente, entre eles não há qualquer ligação, nenhuma entrevero, nenhuma desinteligência, nenhuma rixa, não se pode dela descrer.

35.00. No processo sob retina, os ofendidos não tiveram nenhum dúvida em apontar o acusado como autor dos crimes, disso inferindo-se ser inquestionável, indene de dúvidas a autoria do fato.

36.00. Estabelecido cuidar-se aqui de crimes de roubo biqualificados e consumados, sobreleva grafar, agora sim, que restou caracterizado o concurso formal de crimes.

37.00. Do que dimana, do que brota das provas consolidadas, o acusado, mediante uma só ação, dividida em dois atos, praticou dois crimes contra o patrimônio de W. W. V. D. e F. P. S., id est, com uma só conduta, causou dois resultados típicos, daí a configuração do concurso formal ou concurso ideal de crimes.

38.00. O acusado, em verdade, com um só desejo regendo dois atos físicos que compuseram a sua conduta, vilipendiou dois patrimônios distintos, protegidos juridicamente.

39.00. A mais notável construção jurisprudência segue essa mesma linha de entendimento, como se vê da decisão segundo a qual

Se através de uma única ação, embora desdobrada em atos distintos, porém integrando a mesma conduta, ofenderem os acusados o direito de duas pessoas diferentes, impõe-se o reconhecimento do concurso formal” ( RT 490/326).

40.00. No mesmo diapasão:

Incide no concurso formal, e não material, aquele que, mediante uma só ação, pratica dois crimes. De impor-se, assim, a pena do crime de maior gravidade, com aumento de 1/6 até a metade” ( RT 513/388).

41.00. Na mesma alheta:

Se o agente, impulsionado por um só desígnio, desenvolve ação que se desdobra em diversos delitos, ocorre o concurso formal de crimes ainda que sejam do mesmo tipo” (JTACRIM 70/459).

42.00. Na mesma senda:

Configura-se o concurso formal de crimes se o agente, mediante uma só ação, ainda que por vários atos, comete dois ou mais crimes, com ofensa a dois ou mais bens jurídicos ( RJT 99/1.399).

43.00. Navegando nas mesmas águas:

Crimes de roubo contra vítimas diferentes cometidos através de uma única ação, desdobrada em vários atos, configuram concurso formal e não crime único (STF RT 619/400).

44.00. Seguindo na mesma trilha:

Se, em uma única ação, vulnera o roubador patrimônios distintos, impõe-se o reconhecimento do concurso formal (Jutacrim 88/365).

45.00. Os mais festejados doutrinadores seguem na mesma vereda, como se vê do escólio de Paulo José da Costa Júnior, segundo o qual

“O fato de a ação ser única não impede que haja pluralidade de atos, que são os segmentos em que se divide a conduta. O que caracteriza o crime formal e justifica o tratamento penal mais brando (cúmulo jurídico) não é a unidade da conduta, mas a unidade de elemento subjetivo que impulsiona a ação. Aquele que atingir, com um único golpes, além da vítima visada, uma outra, não pretendida, recebe uma só pena: a mais grave, se diversa quantitativamente (poena major absorbet minorem), ou uma só deles, aumentada de um sexto até a metade, se idênticas (poena major cum exasperatione)” ( Curso de Direito Penal, 10º edição, Saraiva, p. 216).

46.00. Cezar Roberto Bitencourt não discrepa, quando leciona, a propósito, que

“Ocorre o concurso formal quando agente, mediante uma só conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nessa espécie de concurso há unidade de ação e pluralidade de crimes. Assim, para que haja concurso formal é necessário que exista uma só conduta, embora possa desdobrar-se em vários atos, que são os segmentos em que esta se divide” ( Manual de Direito Penal, Parte geral, Editora Saraiva, 2000, p.527).

47.00. O acusado, desde o meu ponto de observação, pretendeu praticar um assalto, o desígnio, portanto, era único. Todavia, em face das circunstâncias, em dois atos distintos, atentou contra dois patrimônios diferentes.

48.00. A ação do acusado, desde meu olhar, foi única. O seu intento, idem. Mas a sua ação, pelas circunstâncias, se desdobrou em atos distintos, integrando a mesma conduta, disso decorrendo que atentou contra dois patrimônios diferentes.

49.00. Não se tem dúvidas da pluralidade de eventos, em sequência. Entrementes, esses eventos foram resultantes de uma só conduta material.

50.00. Demonstrado, quantum sufficit, que o acusado, com sua ação, desdobrada em pelo menos dois atos, atentou contra a ordem pública, fazendo subsumir a sua ação no artigo 157 do CP, crimes duplamente qualificados, pelo concurso de pessoas e pelo emprego de armas brancas, importa refletir, agora mais amiúde, acerca da prova produzida, com especial destaque para a palavra dos ofendidos.

51.00. O acusado, em sede extrajudicial, confessou a autoria dos crimes, para, como era previsível, negá-la em sede judicial, imputando-a apenas a seu comparsa M. V. F..

52.00. Conquanto negasse o acusado a autoria dos crimes, os ofendidos, sem vacilar, com clareza e precisão, apontaram-no como autor dos crimes.

53.00. Nos crimes praticados às escondidas, às horas mortas, em lugares ermos, a palavra do ofendido tem especial importância para definição da autoria; a fortiori, se duas são as vítimas a apontarem a mesma pessoa como autora do fato criminoso.

54.00. Diante da palavra dos ofendidos, creio que posso, sim, tomar de empréstimo, para compor o quadro de provas, a confissão do acusado, formalizada em sede extrajudicial, para definição da autoria.

56.00. A propósito da palavra do ofendido, em crimes dessa coloração, desse matiz, os Tribunais têm decidido na mesma alheta, como se colhe da ementa a seguir transcrita, verbis:

“Em sede crimes patrimoniais, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima assume relevância no reconhecimento dos agentes” (Recurso: REVISÃO Processo: 363902 / 2 Relator: LOPES DE OLIVEIRA Órgão Julg.: 8. GRUPO Votação : VU)

55.00. No mesmo sentido a decisão segundo a qual

“Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor. (Recurso: APELAÇÃO Processo: 1102311 / 9 Relator: WILSON BARREIRA Órgão Julg.: 11. CÂMARA)

56.00. Estabelecida a relevância da palavra dos ofendidos, devo sublinhar, agora, pelo prazer de argumentar e para que nenhuma questão relevante deixe de ser examinada, que, para configuração do concurso de pessoas, pouco importa que um dos coautores e/ou partícipes seja inimputável.

57.00. Nesse sentido, a mais lúcida interpretação pretoriana, como se colhe da ementa abaixo, verbis:

A simples presença de duas pessoas em um assalto é suficiente para intimidar a vítima, convertendo-se em roubo a ação furtiva. É ainda pacífico o entendimento de que o concurso de duas pessoas qualifica o roubo, ainda que um deles seja menor inimputável (RT 694/345)(O destaque é meu).

58.00. A verdade é que o acusado e o menor antes identificado somaram as suas forças, a sua capacidade de discernimento, o seu desejo, a sua vontade, enfim, dirigida para hostilizar o patrimônio dos ofendidos, disso inferindo-se a relação de causalidade física necessária à caracterização do concurso de pessoas.

59.00. É na mesma direção a lição de René Ariel Dotti, segundo o qual

“O concurso de pessoas na infração penal, em qualquer de suas modalidades, é, em síntese, a soma de comportamentos individuais que realizam a figura do ilícito. Há necessidade, portanto, de duas ou mais condutas dirigidas ao mesmo objetivo, i.e., à realização do verbo indicado pelo núcleo do tipo legal de crime” (Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª edição, Forense, 2004, p.353).

60.00. Adiante, o eminente professor, pondera, litteris:

É fundamental, no entanto, que o concorrente seja imputável, tenha consciência da ilicitude do fato (ou possa adquirir tal consciência) e que, nas circunstâncias do caso concreto, poderia ou deveria agir de outro modo(ibidem).

61.00. Para, enfim, concluir:

“Sem tais requisitos não se caracteriza, quanto a ele, o concurso na forma prevista pelo artigo 29 do CP. Com efeito, o texto exige, como elemento típico, a capacidade de culpa daquele que ‘de qualquer modo, concorre’ para receber a pena adequada à sua culpabilidade” (ibidem).

62.00. Creio que, sobre a capacidade de querer e entender o caráter ilícito do fato, por parte do acusado, não há o que registrar.

63.00. Para finalizar com o enfrentamento de todas as vertentes possíveis, impende consignar que, conquanto a denúncia não faça menção expressa ao concurso formal, narra os fatos de modo a não deixar dúvidas acerca da imputação, de modo que, ao reconhecer o concurso formal, não hostilizei o direito à ampla defesa do acusado, garantia constitucional impostergável.

64.00. Com o reconhecimento do concurso ideal de crimes e com a consequente majoração da resposta penal, não afronta o princípio da correlação, sabido que o acusado se defende de fatos e não da classificação do crime inserida na proemial.

65.00. Nessa linha de pensar e à guisa de ilustração, registro, forte na melhor interpretação jurisprudencial, que

“A correlação entre a imputação e a sentença constitui uma das mais relevantes garantias do direito de defesa amparado no texto constitucional. Qualquer distorção havida, sem atenção ao artigo 484 do CPP, representa violação desse princípio básico e acarreta nulidade da sentença. Permite-se ao juiz dar nova definição jurídica diversa da que consta da denúncia, somente na hipótese de os fatos relatados, dos quais se defende o acusado, subsumirem-se com precisão no novo tipo e em todos os seus elementos (AC 5.916-SP, 5ª T., rel. André Nabarrete, 16.05.2000, v.u., RTRF – 3ª Região 471/130).

66.00. A denúncia pode-se ver, sem muito esforço que, com a nova definição jurídica, não se causa dano à ampla defesa, pois que os fatos em razão dos quais se defendeu estão narrados de modo a não deixar dúvidas acerca do concurso formal de crimes.

67.00. Tudo posto, tudo analisado e sopesado, consigno, agora, definitivamente que, provada a mais não poder a autoria do crime, resta legitimada a inflição de pena, como resposta estatal ao crime praticado pelo acusado.

69.00. A pena, é por demais sabido,

é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”. (Damásio Evangelista de Jesus, in Direito Penal, Parte geral, Vol. I, Saraiva, 1988, p. 457).

69.00. O Estado não pode deixar de, diante de um crime, aplicar a pena ao transgressor, sob pena de se estabelecer a anarquia, que nos levaria ao caos social. É, pois, com a pena, que se estabelece o necessário controle social, com o que se prende evitar que comportamentos desse jaez se realizem. O sistema punitivo, na lição de Heleno Cláudio Fragoso, se constitui

“o mais rigoroso instrumento de controle social. A conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, através da incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema punitivo do estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave sanção jurídica, que é a pena […]” (Heleno Cláudio Fragoso, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª Edição, 2004, Editora Forense, p.343).

70.00. O acusado, disse-o acima, ao subtrair os bens da vítima, o fez subjetivamente, para ter a res para si, desfalcando o seu patrimônio, daí avultando o aspecto subjetivo de sua conduta, realçada de importância nos autos sub examine em face do princípio da culpabilidade(nullum crimen, nulla poena sine culpa), pois que não há delito sem que se considere a questão atinente à subjetividade.

71.00. A conduta do acusado, ao agredir, ao atentar contra o patrimônio da vítima, é antinormativa e o fato materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizado pessoalmente pela ação reprochável.

72.00. O acusado não teve a motivar a sua ação, a sua conduta nenhum agente externo. Nenhuma força exógena o impulsionou para o delito. Tinha total domínio do fato, sabia o que estava fazendo, não tinha a sua capacidade psíquica diminuída, não foi submetido a nenhuma força física irresistível nem de involuntariedade. 72.01. Por força física irresistível entenda-se a

“aquelas hipóteses em que opera sobre o homem uma força de tal proporção que o faz intervir como mera massa mecânica” (Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli , ob. cit. p. 433).

73.00. A conduta do acusado não foi resultado de um ato involuntário, mas do desejo de vilipendiar, de ultrajar a ordem jurídica, de violar o patrimônio da vítima. A conduta do acusado se realizou mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim, qual seja a de desfalcar o patrimônio da vítima – e com violência, o que é mais grave.

74.00. O acusado, viu-se à exaustão, transgrediu o preceptivo (ou regra primária) da norma penal incriminadora, porque praticou um fato típico. Daí ter-se dirigido a ele a pretensão punitiva do Estado, que culminará, alfim, com a inflição de pena (regra secundária).

75.00. O mandamento primário do artigo 157 do CP definiu o ato ilícito, estabelecendo ser crime

subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.

76.00. O acusado, conquanto tivesse plena consciência da ilegalidade do ato que praticara, não se comportou como era de se esperar, devendo, por isso, suportar os efeitos da ilicitude, consubstanciados no preceito secundário do artigo 157.

77.00. Desobedecida a norma preceptiva pelo acusado e atingindo os mesmos bens jurídicos tutelados penalmente, fez nascer para o Estado, disse-o acima, o direito de penetrar no seu status libertatis, para privá-lo, através da medida sancionadora correspondente, de um bem – a liberdade – até então garantido e intangível.

78.00. Todo aquele que cometa um ilícito penal deve ser punido – e exemplarmente. Somente assim, criando uma cultura punitiva, se pode fortalecer as instituições e fazer refluir a criminalidade.

79.00. A certeza da impunidade é, definitivamente, má conselheira.

80.00. Tenho, no entanto, a mais empedernida convicção de que, se a repressão estiver voltada apenas para a pequena criminalidade, se a repressão passar à ilharga da grande criminalidade, da criminalidade do colarinho branco, não construiremos uma sociedade justa.

81.00. Incontáveis vezes tenho refletido acerca dessa questão, como fiz no artigo que trago à colação, à guisa de ilustração, verbis:

Em defesa de uma cultura punitiva.

A autodefesa, nas sociedades modernas, todos sabemos, foi abolida – admitida, nos dias atuais, só excepcionalmente. Os conflitos que emergem na sociedade são solucionados, hoje, pelo estado, a quem cabe a função jurisdicional, ou seja, de “dar a cada um o que é seu, aplicando o Direito Objetivo à situação conflituosa” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, Atlas, 2005, p.109).

O Estado, portanto, quando ocorre uma infração, “não permite que a aplicação do preceito sancionador ao transgressor da norma inserta na lei penal, fique ao alvedrio do particular” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, Saraiva, 2001, p.5).

Tendo o Estado chamado para si o direito de fazer e aplicar a lei ao transgressor e tendo, nesse passo, proibido o particular de fazer justiça com as próprias mãos, esse mesmo Estado, para consecução desse objetivo, colocou, à disposição de todos, os órgãos encarregados de promover a justiça – Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc.

A função jurisdicional do Estado, especificamente no que concerne à aplicação da lei, é exercida pelo Poder Judiciário, que é a quem cabe, todos sabemos, aplicar a lei a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, com o que substitui a vontade das partes.

Nem o Ministério Público, nem as polícias, no exercício da função judiciária, nem o particular podem, por conta própria, “proceder à aplicação da pena que entendam justa em face dos fatos que eventualmente apurarem. A aplicação da pena, como manifestação do poder jurisdicional do Estado, é reservada aos órgãos aos quais seja atribuído o exercício da jurisdição” (Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, editora Saraiva, 2009, p. 143).

O particular não pode, num Estado de Direito, pretender resolver um conflito de interesse sem a intervenção estatal. Assim é que, “todo aquele que entender necessária a solução de qualquer questão jurídica terá o direito subjetivo de ação, a ser endereçada ao Estado”, em face da instituição do monopólio da função jurisdicional. (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 10ª edição, Editora Lumen Juris, 2008, p.84).

O crime, sabe-se, é um fato que lesa direitos dos indivíduos e da sociedade. Cabe ao estado, diante de uma violação de direito, reprimi-lo através do jus puniendi, afinal, é a Carta Política brasileira que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Artigo 5º, XXXV).

Dos bens e interesses tutelados pelo estado, uns existem cuja violação afeta mais profundamente a sociedade – vida, patrimônio, saúde, integridade física, etc.

Como se faz necessária a preservação desses bens para que a sociedade sobreviva, o estado, impende reafirmar, não delega ao particular, disse-o acima, o direito de punir o infrator. O estado chama para si esse direito. É por isso que, quando ocorre uma infração, o estado, por meio dos seus órgãos, toma a iniciativa, moto próprio, para punir o infrator, desenvolvendo, nesse sentido, intensa atividade.

Se o Estado, inobstante, por seus agentes, se mostra pusilânime, contemplativo ou mesmo inerte – como tem acontecido, não raro – diante da criminalidade, o particular pode, sim, muitas vezes – e tem feito, não se pode obscurecer – chamar para si o direito de fazer justiça com as próprias mãos.

A verdade é que o Estado tem falhado no seu desiderato de punir quem afronta a ordem pública. O estado, sonolento nessas questões, tem se omitido, sobretudo no que se refere à criminalidade graúda. Disso resulta que, muitas vezes, o particular, descrente nas ações repressivas do estado, prefere chamar para si o direito de punir, usurpando uma função que deveria ser só do Estado.

Mas a consequência mais grave da inaptidão do Estado para punir os infratores não é só o fomento da justiça privada. O mais grave, ainda, é que, em face dessa inércia, muitos se sentem tentados a malferir a ordem, diante da quase certeza da impunidade.

Os roubadores, ad exempli, diante das facilidades de alcançar bens que em condições normais levariam meses para adquirir, diante da quase certeza da impunidade, em face do estado de letargia em que se encontram as instituições, não hesitam em afrontar a ordem pública, para, depois, estimulados pela inação estatal, voltar a afrontar a sociedade, num círculo vicioso que tem tornado a vida em sociedade quase insuportável.

O estado precisa, sem mais delongas, agir com tenacidade diante dessas questões, sob pena de ter que arcar com o ônus, traduzido na inevitável exacerbação da criminalidade.

O Estado necessita, sem mais demora, se aparelhar para punir não somente o pequeno infrator, mas, sobretudo e fundamentalmente, os criminosos do colarinho engomado – aqueles que desviam as verbas da saúde, da merenda escolar, da educação. Os que fraudam as licitações, que enriquecem com o superfaturamento das obras públicas. Os que vivem – e só sabem viver – pendurados nas tetas do estado. Os que, num cargo público, enriquecem da noite para o dia. Os que usam o poder apenas para dele tirar vantagens de ordem pessoal, etc.

Entendo, e a partir dessa compreensão tenho agido com obstinação, que se deve punir o, digamos, pequeno roubador, o furtador contumaz, o batedor de carteira, o receptador, o estelionatário. Mas entendo, noutro giro, que se deve dotar o Estado de condições estruturais para punir, sem tergiversar, os criminosos do colarinho branco, os grandes criminosos, sobretudo os incrustados no poder, os que adoram uma verba pública, sabido que as consequências de sua ação para o conjunto da sociedade são infinitamente superiores às consequências decorrentes da ação dos pequenos roubadores e furtadores.

Mas não basta punir, tenho dito. É preciso criar uma cultura punitiva, o que, sabemos, demanda muito tempo. Então, que comecemos a punir a partir de ontem, que se incuta na cabeça dos potenciais infratores que a toda ação criminosa corresponderá uma reação, na mesma proporção, dos órgãos repressores.

Todo aquele que tiver propensão para a ilicitude, tem que ser desestimulado a partir da constatação de que, infringindo a lei, será responsabilizado, inapelavelmente. Mas todos nós, sobretudo o que exercemos o poder, temos que dar exemplos. Temos, sim, que ser exemplares. Não há outra alternativa. Não há outro caminho. Essa via é de mão única.

A verdade é que o cidadão, sobretudo o mais humilde, o que acorda sem saber o que vai almoçar, como vai saciar a fome de seus filhos, não pode ser abastecido, empanturrado – como, efetivamente, tem sido – todos os dias, com informações que dão conta de que essa ou aquela autoridade praticou uma ilegalidade, sem que sofresse qualquer punição.

Precisamos, todos, sem exceção – juízes, promotores, delegados, legisladores, etc – sair da inércia. O congresso precisa legislar, de modo a criar condições legais para que as punições aconteçam a tempo e hora. Nós outros – magistrados, promotores, delegados, policias – uma vez em condições de agir, de posse dos instrumentos legais, temos que sair desse estado de letargia em que nos encontramos, pois, é forçoso reconhecer, no exercício do nosso mister, temos sido tão incompetentes, que mesmo a criminalidade miúda não temos tido a capacidade de enfrentar. (Essas e outras reflexões o leitor encontra no site www.joseluizalmeida.com)

82.00. Tudo de essencial posto e analisado julgo procedente a denúncia, para, de consequência,

condenar o acusado R.E., brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de A., residente na Rua Dr. ., nº 16, Alemanha, nesta cidade, cujas penas-base fixo em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de penas previstas nos incisos I e II,§2°, do artigo 157, totalizando 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) DM, sobre as quais faço incidir, finalmente, 1/6, em face da causa geral de aumento de pena prevista no artigo 70 do Codex Penal, 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 20 ( vinte) dias e 15 (quinze) DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

P.R.I.C.

Transitada em julgado esta decisão, lançar o nome do réu no rol dos culpados.

Expedir, depois, carta de sentença.

Arquivem-se os autos, após, com a baixa em nossos arquivos.

Custas, na forma da lei

São Luis, 2 de junho de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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