Sentença absolutória. Insuficiência de provas

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Da velocidade excessiva, da embriaguez do acusado, da sua imprudência, inobstante, tinha que fazer prova o Ministério Público. Não o fazendo, deve suportar a inviabilidade de sua pretensão e a conseqüente absolvição do acusado.

Nessa linha de argumentação, decidir pela condenação do acusado é o mesmo que decidir com base em suposições. E, a meu sentir o magistrado que decide, afastando-se do quadro de provas, apenas para dar uma satisfação à sociedade, não é digno do cargo que exerce.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

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Cuida-se sentença absolutória, por insuficiência de provas.

Antecipo, abaixo, excertos da decisão, verbis:

  1. As provas produzidas sob os auspícios das franquias constitucionais do acusado, in casu sub examine, não foram suficientes para definição de sua responsabilidade penal, daí ser irrefragável, inevitável a sua absolvição, por insuficiência de provas.
  2. Nos autos sob retina não há nenhuma prova segura de que o acusado, ao ser preso, estivesse portando arma de fogo.
  3. Sem que conseguisse o representante ministerial demonstrar tenha o acusado enfrentado um comando normativo penal, resta, debalde, com efeito, a sua pretensão de vê-lo condenado, pois que, é ressabido ” de nada adiante o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra numa situação que permite a incidência da norma” .
  4. É de relevo que se diga que não é ao acusado que cabe o ônus de fazer prova de sua inocência. Se isso fosse verdade, seria, convenhamos, a consagração do absurdo constitucional da presunção da culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito. É órgão estatal que tem o dever de provar que tenha o réu agido em desconformidade com o direito.
  5. É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova.
  6. Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo.

A seguir, a sentença, por inteiro.

PROCESSO Nº 235442007

AÇÃO PENAL PÚBLICA

ACUSADO: A. .DE  S. V.

VÍTIMA: F. DA C. C.

Vistos, etc.


Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra A. J. de S. V., devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 155,§4º, IV, do Codex Penal, em face de, “na data de 09 de outubro de 2007, por volta das 10h, na Rua Bom Jesus, nº 05-A, Vila Luizão, nesta cidade, ter arrombado a porta da residência da senhora F. da C.C. e dali subtrair uma mesa de vidro que revendeu pela quantia de R$ 15,00 (quinze reais) a um comerciante na Vila Luizão”.
Noutro excerto o Ministério `Público aduz que, “segundo declarações da vítima e assim confessado pelo próprio denunciado, tratava-se da terceira vez que, dias antes, ele invadira a citada residência, de onde também havia subtraído um televisor marca CCE, 14 polegadas e um botijão de gás.”(sic)
A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls. 06/10).
Auto de apresentação e apreensão às fls. 15.
Auto de avaliação às fls. 24.
Recebimento da denúncia às fls. 53/55.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 73/75.
Defesa escrita às fls. 87/95.
Durante a instrução criminal foi ouvida apenas a testemunhas J. R. F.(fls.107110),
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a desclassificação da imputação para, uma vez que se caracterizou o crime de furto privilegiado. (fls.111/113)
A defesa, de sua parte, pediu:
I – que fosse reconhecida a insignificância da lesão;
II – que, se for superada essa tese, que seja reconhecido o crime privilegiado;
III – que seja desconsiderada a qualificadora decorrente do arrombamento, à falta de prova pericial;
IV – que seja reconhecida a atenuante decorrente da confissão do acusado; e, por fim, na hipótese de condenação, que seja substituída a pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos.

Relatados. Decido.01.00. Tratam os autos de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra A. J. DE S. V., por incidência comportamental no artigo 155, §4º, I, do CP, em face de ter subtraído uma mesa de vidro da residência de F. da C. C., no dia 29 de outubro de 2007, por volta das 10h00, na Rua Bom Jesus, nº 05-A, Vila Luizão, nesta cidade.
02.00. A persecução criminal, como de praxe no sistema processual brasileiro, desenvolveu-se em duas etapas distintas – sedes administrativa e judicial.
03.00. Na primeira sede assoma, com especial relevância, o auto de prisão em flagrante do acusado (fls.06/10).
04.00. Da mencionada peça (auto de prisão flagrante) entrevejo, com destaque, os depoimentos do acusado, da ofendida e do condutor.
05.00. O acusado confessou o crime, admitindo, inclusive, que já tinha subtraído, em outra oportunidade, um botijão de gás e uma televisão CCE da ofendida.(fls.09/10)
06.00. A ofendida também foi ouvida na mesma sede, e confirmou a ocorrência do furto da mesa de sua casa, tendo, antes, registrado o furto de uma televisão, marca CCE, de 14 polegadas, e um botijão de gás.(08)
07.00. Dos autos consta, ademais, o auto de apreensão e restituição dos bens antes mencionados, furtados da residência da ofendida e vendidos a diversas pessoas pelo acusado.(fls.15)
08.00. Os bens subtraídos foram avaliados em R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais)
09.00. Com essas provas, coligidas em sede extrajudicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO ofertou denúncia contra o acusado, a quem imputou a autoria do crime de furto, qualificado, em face da subtração de uma mesa.
10.00. O acusado, citado, foi ouvido nesta sede, sob todas as garantias, inclusive a de permanecer calado.
11.00. Do depoimento do acusado, colho às fls. 73/75, os seguintes fragmentos:
I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;
II – que uns meninos lhe entregaram pra vendar a res furtiva;
III – que não sabia que era objeto de furto;
IV – que, em verdade, só fez a entrega do bem a quem o comprou do furtador;
V – que recebeu cinco reais pelo freto;
VI – que quando foi agarrado confessou o crime, pois não tinha mais o que fazer; e
VII – que os verdadeiros furtadores tiraram o time de campo e foi acusado pelo povo.
12.00. Além do acusado só foi ouvida, em sede judicial, uma testemunha, J. R. F., de cujo depoimento destaco os seguintes excertos:
I – que estava de serviço quando o acusado foi pego população;
II – que o acusado confessou ter praticado alguns furtos;
III – que o acusado não furtou só na residência da ofendidas, mas o fez em outras casas;
IV – que o acusado ajudou a recuperar os bens, inclusive a mesa da ofendida;
V – que o acusado disse que alguns dos objetos que ele ajudou recuperar não tinha sido ele o autor;
VI – que como o acusado sabia para quem tinha vendido os bens que furtaram daí porque não teve dificuldades em ajudar a recuperar;
VII – que o acusado nunca admitiu ter roubado a mesa de vidro;
13.00. Consolidados esses dados, encerrou-se a instrução.
14.00. Passo à decisão.
15.00. Analisei, viu-se acima, todo o conjunto de provas.
16.00. Diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO e da defesa, entendo que não há provas suficientes para editar um decreto de preceito condenatório.
17.00. Na sede judicial, sede das franquias constitucionais, o que se tem, em termos de prova, é a negativa de autoria do acusado e o depoimento vacilante da testemunha J. R. F..
18.00. O depoimento da única testemunha ouvida nesta sede – J. R. F. – não se presta a esclarecer os fatos.
18.01. Assim é que, em sede extrajudicial, a testemunha disse que o acusado tinha admitido a pratica do crime (fls.06).
18.01.01. Todavia, em sede judicial, a mesma testemunha, disse, agora, que o acusado nunca admitiu ter sido o autor do furto da mesa de vidro da vítima.
19.00. A conclusão a que chego é que, se a prova produzida em sede judicial – cotejada com a prova produzida em sede extrajudicial – for analisada com a necessária isenção, ver-se-á que o que se apurou nas duas sedes não se presta a dar sustentação a um decreto de preceito sancionatório.
20.00. Com efeito, em sede extrajudicial o acusado confessou a autoria do crime, na mesma balada do depoimento do condutor.
21.00. Ocorreu, entrementes, que a mesma testemunha que, em sede inquisitória, apontou o acusado como autor do crime, dizendo ter ouvido do mesmo a confissão da autoria do crime, aqui, em sede judicial, disse, em flagrante contradição, que o acusado não admitiu ter furtado a mesa da ofendida.
22.00. O desmentido da testemunha J. R. F. é sintomático e relevante para o desfecho desta decisão, como se verá oportunamente.
23.00. Outro dado sintomático que não pode ser desconsiderado. O mesmo acusado que disse, em sede extrajudicial, que tinha efetuado a subtração da mesa, aqui, sob todas as garantias constitucionais, negou a autoria do crime, em sintonia com o que disse nesta sede a testemunha J. R. F..
24.00. Interessante é que, em sede extrajudicial, a confissão do acusado restou corroborada pela testemunha José Ribamar Farias; em sede judicial – pasmem! – a negativa do acusado foi afiançada pela mesma testemunha José Ribamar Farias.
24.01. É dizer: em sede inquisitória o acusado confessa a autoria e a testemunha J. R. F. dá amparo à confissão; em sede judicial, o acusado nega a autoria do crime e a mesma testemunha dá conforto à negativa.
25.00. Diante dessas flagrantes incongruências, não se pode, francamente, concluir qual a verdade – ou mentira – que se descortina nos autos.
25.01. A considerar-se que a prova, por excelência, é a prova produzida em sede judicial, tem-se que absolver o acusado, em face de não ter praticado o crime, a par do que disse e do que afirmou a única testemunha inquirida.
26.00. O acusado, como se diz popularmente, não é flor que se cheire. Ele próprio admite a pratica de outros furtos.
26.01. Não se pode, todavia, à conta do seu passado, concluir, sem provas irrefutáveis, que tenha praticado o crime que lhe imputa a prática o MINISTÉRIO PÚBLICO.
27.00. A prova administrativa, todos sabemos, não serve para condenar; ela serve, todavia, para compor o conjunto probatório.
27.01. Mas para que se possa chamar a prova extrajudicial para integrar o conjunto probatório, há que se ter produzido, em sede judicial, provas da autoria e da materialidade do crime, sem as quais a edição de um édito condenatório é inviável.
28.00. A par do exposto, resta indagar: qual a prova produzida em sede judicial de que o acusado tenha praticado a subtração da mesa da vizinha?
29.00. Diante dessa indagação, respondo, sem titubeio: nenhuma, pois que o acusado nega a autoria e é seguida nessa negativa pela única testemunha inquirida, que afirmou, não custa relembrar, que não ouviu do acusado, quando da sua prisão, a assunção da autoria do crime.
30.00. A denúncia, é forçoso convir, se não se fizer uma leitura atenta, pode levar à falsa conclusão de que ao acusado o Ministério Público imputa a prática de vários crimes de furto.
30.01. Contudo, não é verdade. O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos autos presentes, limitou a acusação à subtração de uma mesa.
30.01.01. Acerca dessa imputação, importa dizer, não há provas, extreme de dúvidas, de que tenha sido o acusado o autor da subtração.
31.00. Sobreleva reafirmar, ainda que o faço à exaustão, que nesta sede, apenas dois depoimentos acham-se formalizados: o do próprio acusado, donde se vê que nega a autoria do furto a ele imputado, e do policial que o prendeu o qual, dentre outras coisas, admitiu que o acusado, ao ser preso, não assumiu a autoria do crime a ele imputado.
32.00. O curioso, sou compelido a repetir, é que, em sede extrajudicial, a testemunha em comento, quiçá para garantir a prisão em flagrante do acusado, disse que ele, acusado, admitiu ter realizado a subtração da res furtiva; nesta sede, sob outras condições, a mesma testemunha desfaz o que disse antes e passa a admitir, na mesma balada do depoimento do acusado, que ele, acusado, não confessou a autoria do crime.
34.00 Quid ind? Quid iuris?
35.00. A solução do direito para essas contradições, dúvidas, incertezas, tibiezas e claudicâncias, propiciadas pelas provas, é a absolvição do acusado, com esteio na velha parêmia in dúbio por reo.
36.00. Para mim, diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO, não vislumbro a existência de provas, produzidas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de que o acusado tenha cometido o crime em comento.
37.00. Poder-se-ia, à luz da mais abalizada construção jurisprudencial, buscar as provas extrajudiciais para compor a prova judicial. Com isso não se cometeria nenhum heresia.
37.01. Ocorre que não há prova judicial a ser composta, a ser fortalecida, pela simples e elementar conclusão de que delas, das produzidas, não se vê nenhuma indicação de que o acusado tenha cometido o crime.
38.00. O acusado pode, sim, ter sido o autor da subtração. Mas o julgador trabalha com provas consubstanciadas num processo. Ao decidir sobre a procedência ou improcedência da ação, ao magistrado é defeso condenar por ilação, por presunção, à base de conjecturas.
39.00. O acusado tem, por isso dizer, uma conduta social, digamos, heterodoxa. Admite ter cometido, com efeito, alguns furtos. Mas não se pode condenar ninguém pelo seu passado, pelo que aprontou anos atrás, afinal, todos sabemos, não existe, não se admite num ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO um Direito Penal do autor.
40.00. Ninguém pode ser punido exclusivamente por questões pessoais.
40.01. A pena só deve ser destinada ao agente culpável, após o devido processo legal, pela prática de um típico e ilícito.
41.00. Punir o acusado, apenas pelo que fez no passado, seria, a meu sentir, fazer apologia, ad exempli, o Direito Penal do autor da Alemanha nazista, no qual não existiam propriamente crimes, mas criminosos.
42.00. O direito penal no Brasil não pode se traduzir em Direito Penal do inimigo. Não é esse o papel de um juiz garantista, que, por ser garantista, não pode fazer cortesia com o direito do acusado, apenas para dar uma satisfação á sociedade.
43.00. Que houve a subtração, não tenho duvidas. Que a suspeita devesse recair sobre o acusado, em face de sua vida ante acta, também não tenho dúvidas.
43.01. Todavia, não se pode, a par de meras conjecturas, eleger o acusado, sem provas, como o destinatário da ira estatal.
44.00. Se furto houve – e houve, tudo está a indicar -, alguém o praticou. Mas ninguém, ainda que tenha o passado cheio de deslizes, como o tem o acusado, pode ser responsabilizado por fato cometido por terceira pessoa. (artigo 5º, XLV, da CF)
45.00. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a propósito, já decidiu no sentido de que
“O postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator “(Agr-QO 1.033/DF, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 25.05.2006)
46.00. Todos sabemos, mas não custa repetir, em face da pretensão ministerial, que nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa. Essa é a regra. Esse é o norte – o rumo, o prumo. O caminho a ser seguido, enfim.
47.00. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na mesma senda, em julgamento lapidar, já proclamou que
“O Direito Penal moderno é Direito Penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intolerável a responsabilidade pelo fato de outrem. À sanção, medida político-jurídica de resposta ao delinquente, deve ajustar-se a conduta delituosa. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe, ou não existe” (REsp 154.137/PB, rel. MIn. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, j. 06.10.1998)
48.00. A considerar o acervo probatório, condenar o acusado seria, a meu sentir, atribuir a ele a responsabilidade por fato de outrem, vez que houve a subtração, mas não se sabe quem foi o seu autor.
49.00. Pode ter sido o próprio acusado? Pode ser que sim, pode ser que não? O que fazer, então, diante dessa incerteza? Condená-lo, correndo o risco de puni-lo por fato de outrem? Condená-lo pelo seu passado?
50.00. Tive a oportunidade de, noutra feita, decidir no mesmo diapasão, de cuja decisão trago à colação, à guisa de reforço, os seguintes fragmentos:
Não se condena por condenar, não se decide com espeque em suposições, em conjecturas. Condenação exige prova plena, escorreita, induvidosa – do fato e da autoria – na dúvida, em relação a esta ou em relação àquele, tem aplicação, às inteiras, o brocardo in dúbio pro reo.
O acusado cometeu o crime? Pode ser que sim, pode ser que não.
Todas as vezes que, ao término do exame das provas, o espírito de quem julga for assaltado por dúvidas, por incerteza, o caminho a ser trilhado é, sempre, o que conduz a absolvição.
O fato, não se tem dúvidas, ocorreu, efetivamente. Todavia, convenhamos, a prova da autoria não é inquestionável.
Nem mesmo os policiais que prenderam o acusado – os quais, muitas vezes, são implacáveis nessas questões – foram capazes de afirmar, com convicção, tenha sido o acusado o autor do crime. Melhor dizendo: não tiveram dúvidas de que não tinha sido ele o autor do crime.( Processo nº 69422003 Ação Penal Pública Acusado: Marcelo Oliveira da Costa Vítima: Lucidalva Pinheiro Alcântara)

51.00. Prova, conceitualmente,
” é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias”. ( Norberto Avena, Processo Penal esquematizado, Editora Método, p. 372, 2009)
52.00. A par desse elementar conceito de provas, posso afirmar que os elementos produzidos nos autos não foram suficientes para formar a minha convicção de que o acusado tenha sido o autor do crime.
53.00. A produção de provas se faz para a formação do convencimento do magistrado quanto à afirmação das partes em juízo.
53.01. Nesse sentido, posso afirmar que a afirmação do MINISTÉRIO PÚBLICO de que o acusado foi o autor do ilícito sob retina, alfim do exame da prova produzida, não me convence, daí o desfecho absolutório, inapelavelmente.
54.00. “Provar”, ensina MIRABETE, ”
“é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato…”.( Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 18 ed. Atlas, p. 249.2007)
55.00. A luz desse conceito, devo reafirmar, a par da prova que foi produzida, que não alcancei formar a minha convicção de que o acusado tenha sido o autor do ilícito narrado na denúncia.
56.00. Convém sublinhar, nessa linha de argumentação, que, segundo o artigo 155, caput, do CPP, com redação dada pela Lei 11.690/2008, o
“juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
57.00. Da dicção do artigo suso transcrito se pode concluir, sem que seja necessário maior esforço interpretativo, que a convicção do juiz não pode decorrer apenas do exame da prova produzida em sede extrajudicial.
58.00. A prova extrajudicial tem, sim, valor probante. Todavia não pode ser examinada solitariamente, sob pena de se fazer tabula rasa do princípio do devido processo legal e seus corolários – ampla defesa e contraditório.
59.00. No processo sub examine só foram produzidas provas acerca da autoria, convém reafirmar, em sede extrajudicial.
59.01. Na sede judicial, sede das franquias constitucionais, o processo está jejuno, insipiente de provas acerca da autoria do crime.
60.00. Há um outro dado que não pode ser deslembrado, ao exame de questões desse jaez, qual seja, de que as decisões judiciais, por imperativo constitucional ( artigo 93, IX, da CF), têm que ser motivadas.
61.00. Da mesma forma, segundo o artigo 381, III, do Digesto de Processo Penal, a sentença deve conter
“a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”.
62.00. De se perquirir, à luz do exposto: como fundamentar, como motivar um édito condenatório, sem que existam provas nos autos acerca da autoria do crime?
63.00. “A prova da alegação”, estabelece o artigo 155, caput, 1ª parte, do CPP, com redação determinada pela Lei 11.690/2008, “incumbirá a quem a fizer(…)”
64.00. O MINISTÉRIO PÚBLICO, é bem de ver-se, ao apontar a autoria do crime para o acusado, tinha a obrigação de provar o que alegou. Não o fazendo, como efetivamente não o fez, não pode, agora, pretender a condenação do acusado.
65.00. O Ministério Público, in casu sub examine, descumpriu uma obrigação que tinha, derivada da lei. Deve, agora, suportar as consequencias de sua inação.
66.00. Não se condena apenas para dar satisfação à sociedade. Essa é a regra. Essa é a máxima que deve nortear as decisões de um magistrado.
67.00. Aliás, ao absolver o acusado nos autos da ação penal nº 127542002, tive o cuido de enfatizar essa máxima, como se pode ver nos excertos que publico a seguir, verbis:
Nenhum de nós, por mais que nos imaginemos acima do bem e do mal, está autorizado, a, no uso das nossas atribuições, agir desavisadamente, negligentemente, sem rumo e sem norte, desabridamente, em detrimento das garantias constitucionais de um acusado, por mais que ele possa parecer indigno aos nossos olhos.
Punir o acusado, sem provas de que tenha sido negligente, imprudente ou imperito, é um destrambelho, um despautério, uma falta de respeito, pura e simplesmente, para com um cidadão de bem – até que se prove em contrário -, além de se traduzir em uma afronta aos mais comezinhos princípios que norteiam as decisões judiciais.
É possível, sim, que o acusado, ao tempo do fato, desenvolvesse velocidade superior à permitida. É possível, sim, que estivesse embriagado. É possível, sim, que o acidente tenha ocorrido em face de sua imprudência. Mas é possível, também, que o acidente tenha sido provocado pelo condutor do fusca bege antes referido.
Da velocidade excessiva, da embriaguez do acusado, da sua imprudência, inobstante, tinha que fazer prova o Ministério Público. Não o fazendo, deve suportar a inviabilidade de sua pretensão e a conseqüente absolvição do acusado.
Nessa linha de argumentação, decidir pela condenação do acusado é o mesmo que decidir com base em suposições. E, a meu sentir o magistrado que decide, afastando-se do quadro de provas, apenas para dar uma satisfação à sociedade, não é digno do cargo que exerce.
68.00. Para finalizar, trago à colação, à guisa de reforço, fragmentos de uma decisão deste juízo, na qual consigno a impossibilidade de se condenar sem provas da autoria do crime, litteris:
A prova que autoriza a condenação, todos sabemos, é a produzida na instrução processual, que é contraditória, perante o juiz que dirige o processo, e que forma sua convicção pelo princípio do livre convencimento fundamentado, vigorante em nossos processo.
As provas produzidas sob os auspícios das franquias constitucionais do acusado, in casu sub examine, não foram suficientes para definição de sua responsabilidade penal, daí ser irrefragável, inevitável a sua absolvição, por insuficiência de provas.
Nos autos sob retina não há nenhuma prova segura de que o acusado, ao ser preso, estivesse portando arma de fogo.
Sem que conseguisse o representante ministerial demonstrar tenha o acusado enfrentado um comando normativo penal, resta, debalde, com efeito, a sua pretensão de vê-lo condenado, pois que, é ressabido ” de nada adiante o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra numa situação que permite a incidência da norma” .
É de relevo que se diga que não é ao acusado que cabe o ônus de fazer prova de sua inocência. Se isso fosse verdade, seria, convenhamos, a consagração do absurdo constitucional da presunção da culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito. É órgão estatal que tem o dever de provar que tenha o réu agido em desconformidade com o direito.
É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova.
Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo.
Nos autos, importa admitir, não há provas da autoria, muito embora se admita que há provas da materialidade do delito. E sem provas da autoria do crime, produzidas sob o filtro do contraditório e da ampla defesa, tem-se que absolver o acusado. (Processo nº 249512007 Ação Penal Pública Acusado: Fredson Mendes Vítima: Incolumidade Pública)
69.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia, para, consequentemente,
ABSOLVER o acusado A. . DE S. V., brasileiro, solteiro, carroceiro, filho de N. R. de S.e B. S. V., residente na Rua Bolívia, 211, Divinéia, nesta cidade, o fazendo com espeque no inciso V do artigo 386 do Digesto de Processo Penal.

P.R.I.C.
Sem custas.
Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.
São Luis, 04 de junho de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

7 comentários em “Sentença absolutória. Insuficiência de provas”

  1. Parabéns Dr. José Luiz, essa foi uma das melhores sentenças que já tive oportunidade de ler. Apesar do caso “simples”, ao que me parece, a sentença que absolve por insuficiência de elemento probante, sempre se revela polêmica; principalmente aos olhos do representante do Ministério Público e dos leigos.
    Sentenças maduras, acertadas e corajosas como esta da sua lavra, na maioria das vezes, são prolatadas em processos de grande complexida. O tempo despendido para feitura dessas decisões, para aulguns magistrados, se mostra desnecessário, já que o caso em si revela-se “simples”; dai porque tanta injustiça é cometida.

    Parabéns, muito boa mesmo.

    Forte abraço.

    Luciano Farias (advogado em Goiás)
    OAB/GO 21.107

  2. Se todas as decisões fossem desse tipo, os magistrados brasileiros seriam os melhores do mundo e não seria necessários tantos recursos. Parabéns, Digno Magistrado.
    Fernando Ferreira de Souza – Advogado/OAB 21.385 – Recife – PE.

  3. Parábens.. Lendo uma sentença assim vejo que há esperanças pro nosso Poder Judiciário. Mais que fundamentada, esta decisão reflete um pensamento constitucional até então obnubilado por vários órgãos julgadores. Gostraria, sinceramente, que todo o juiz pudesse ler sua sentença.

  4. Parabéns MM Juiz. Lendo sua sentença, e por sinal muito brilhante, vê se ainda, que existem Juízes que não ficam no copia e cola do Computador. Sua fundamentação afasta qualquer recurso do MP, pois alia fato e prova e disto, prova, como bem mencionou a r. sentença o MP não se desimcumbiu a contento. Esclareço, sei que não é por falta de conhecimento e nem por crítica a sentença, que o art. do ônus da prova do MP é o art. 156 do CPP e não 155 como mencionou nas brilhantes sentenças de absolvição.Ressalvo-me, que é esclarecimento construtivo, pois aos olhos dos aventureiros, um equívoco destes, pode ensejar embargos declaratórios sem nenhum motivo.

  5. Uma sentença como dever ser , clara, precisam justa, parabéns pela coerência e espírito de justiça que Deus o ilumine.
    Edilson Ribeiro, Investigador de Polícia, e Professor de Direito penal no Paraná.

  6. EXCELÊNCIA,nos dias de hoje, onde a maioria dos juizes (que não são Excelênias)somente se utilizam do “control V e control C”, ao ver uma sentença penal, independentemente de ser absolutória, devidamente motivada e fundamentada, é merecedora de aplausos.Quando se vê e se lê uma sentença nesses moldes, faz aflorar e faz renascer aquele romantismo dos tempos acadêmicos, o sentimento de amor pelo Direito, que infelizmente, vem sendo extirpado dia após dia, porém, não facele por inteiro,esperançoso,aguarda,sofrido e calado,manifestações e decisões como estas de vossa lavra,na certeza que vale apena lutar pela correta aplicação da lei e por uma sociedade mais justa,se extraindo da r.decisão, que para ser Juiz de Direito, não basta apenas ser aprovado em concurso público, tem que ter vocação, o que Vossa Excelência exala de forma natural, permissa máxima venia.

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