Sentença condenatória. Homicídio Culposo. Artigo 302 do CTB

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jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

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O acervo probatório dos autos evidencia, a mais não poder, que o acusado foi, sim, o único responsável pelo acidente, pois que dispunha de meios para evitar o gravame, não o fazendo, entretanto, porque desenvolvia velocidade incompatível com a via, deixando transparecer a sua imprudência.

O ofendido, de seu lado, trafegava em sua mão quando foi atingido pelo acusado, porque não supunha que o mesmo, inopinadamente, lhe interceptasse a corrente de tráfego, afinal, em face do princípio da confiança recíproca que permeia a vida no trânsito, supunha que o acusado se conduzisse com a observância de todas as cautelas que a situação exigia.

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

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Cuida-se de sentença condenatória em face do crime de homicídio culposo.

Antecipo, a seguir, excertos da decisão, verbis:

 

  1. Tivesse agido o acusado dentro das expectativas impostas pelas normas de trânsito, não haveria que se falar em responsabilidade criminal pelo homicídio culposo que se viu materializar, porquanto o resultado lesivo dar-se-ia por influência de circunstâncias externas, alheias à sua vontade, cuja previsibilidade não era razoável exigir-se da maioria das pessoas que estivessem em idêntica situação.

  2. No tráfego diário, nunca é demais repetir, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o outro condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfere do previsível.

 

Agora, a sentença, por inteiro.

 

 

Processo nº 19120/2005

Ação Penal Pública

Acusado: E.

Vítimas: B. W. F. da C.

 

Concurso público não pode passar à ilharga da ética, da retidão e da

 

honradez

 

“…No caso do concurso público para ingresso na magistratura do estado do Maranhão que ora se realiza, leio, nos blogs mais respeitados,  os mais depreciativos comentários, em face de alguns candidatos  estarem se submetendoàúltima fase mediante liminares. Todavia, diferente dos críticos mais açodados e descrentes, reservo-meo direito de crer, já que sou um otimista incorrigível, que não haja nenhuma armação para favorecer qualquer candidato, afinal, não é justo! Não é moral! Não é digno! Não se pode privilegiar quem não tenha condições intelectuais de lograr êxito num certame dessa envergadura – ou em qualquer outro para os quais as mais importantes regras são a isenção, a imparcialidade e a lisura.

Ponho, até que me provemocontrário – olha eu aí otimista, de novo – a mão no fogo pela(s) comissão (ões) de concurso, integradas, ambas, por profissionais da melhor estirpe, sobre os quais não pairam as mais remotas,  mínimas dúvidas que sejam acerca de sua honorabilidade, de sua honradez. E não digo isso como  um favor. Eu não sou de fazer esse tipo de concessão.

Tenho certeza – preciso crer, preciso acreditar, eu não posso estar errado – que, quanto ao mérito, todos os mandados de segurança serão julgados criteriosamente e somente os candidatos que efetivamente tiverem direito seguirão adiante. É o mínimo que se pode esperar. E é o que vai ocorrer, não tenho dúvidas.

Tenho para mim  que o candidato que se beneficia  de uma armação, de um engodo, de uma bandalha para ingressar nas hostes do Poder Judiciário,  tende a ser um mau julgador. Ele tende a fazer, no exercício do cargo, quando for caso, a mesma ignomínia, a mesma patifaria. É que ele tem vício de origem. Defeito de fábrica, por assim dizer…”

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra E, devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 302, parágrafo único, III, do CTB, em face de, na madrugada do dia 02 de julho de 2005, na Cidade Operária, ter atropelado, B. W. F. da C., quando conduzia um veiculo Celta, placas HP05662, para, em seguida, deixar o local da ocorrência, sem prestar socorro à vítima.

A persecução criminal teve início mediante portaria (fls. 06)

Exame cadavérico às fls. 37.

Recebimento da denúncia às fls. 53/54.

O acusado foi citado, qualificado e interrogado ás fls. 99/107.

Defesa prévia às fls. 110/111.

Durante a instrução probatória foram ouvidas as testemunhas A. N. A. F. (fls. 127/130),R. F. da C. (fls. 131/132), R. N. G. da S. (fls. 143/151), D. V. C. P. (fls. 156) e J. G. de S. (fls. 157).

Na fase de diligências nada foi requerido pelas partes (fls. 159).

O laudo do exame pericial foi acostado às fls. 161/163.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado (fls. 186/188), no que foi secundado pelo assistente (fls. 218)

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado, por insuficiência de provas (fls.224/226).

 

Relatados. Decido.

 

01.00.Tratam os autos sub examine de crime de homicídio culposo, cuja prática o Ministério Público imputa a E., o qual, na madrugada do dia 02/07/2005, na condução de um Celta, placas HP05662, na Cidade Operária, teria atropeladoB. W. F. da C., que teria falecido em face das lesões decorrentes do atropelamento.

02.00.A persecução criminal teve início mediante portaria.

03.00.Na fase periférica da persecução o então indiciado foi ouvido, em cuja oportunidade alegou que o acidente se deu em face de uma manobra que fez, para desviar de um buraco (fls.16).

04.00.O indiciado aduziu que, depois da ocorrência, foi aconselhado a deixar o local, pois poderia ser linchado – o que efetivamente fez (ibidem).

05.00.Além do então indiciado foram ouvidas as testemunhas A. N. A. F. (fls. 08/09), R. F. da C. (fls. 24/25), R. N. G. da S. (fls. 26) e C. A. P. S. (fls. 27/28)

06.00.Das testemunhas inquiridas na fase preambular da persecução, o depoimento mais significativo foi o da testemunha R. N. G. S., que foi ao local da ocorrência imediatamente após a ocorrência do fato, tendo constatado que o indiciado apresentava sinais de embriaguez alcoólica (fls. 26).

07.00.A mesma testemunha aduziu que o autor do fato, como medo de represálias, pegou algumas coisas que estavam no interior do veículo e saiu correndo (ibidem).

08.00. Da mesma sede avulta o exame cadavérico da vítima, donde se vê a descrição da causa da morte ( traumatismo craniano) e a definição do instrumento causador das lesões sofridas (de ação contundente) (fls.37).

09.00.Tendo às mãos o almanaque probatório produzido na sede preambular da persecução, o Ministério Público denunciouE., por incidência comportamental no artigo 302, parágrafo único, inciso III, do Código de Trânsito brasileiro.

10.00. O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.99/107.

11.00.Do depoimento do acusado vislumbro e destaco os seguintes excertos:

I – que quando o fato ocorreu era habilitado há três anos;

II – que não atropelou o ofendido;

III – que, em verdade, houve um entrechoque;

IV – que, no dia do fato, quando chegou nas proximidades da feira da cidade Operária, foi desviar de um buraco e bateu no ofendido, que vinha numa moto, com farol alto, em alta velocidade;

V – que o ofendido vinha em sentido contrário;

VI – que choque foi de frente com a moto conduzida pelo ofendido;

VII – que, depois do acidente, desceu do carro, mas foi aconselhado a deixar o local, pois que poderia ser linchado;

VIII – que o fato se deu às duas horas da madrugada, no momento de pouca movimentação;

IX -que havia pouco movimentação de veículo; e

X – que vinha em sua mão, mas quando foi desviar de um buraco, colidiu com a moto do ofendido.

12.00. A seguir foram produzidas as provas testemunhais.

13.00.A testemunha A. N. A. F. estava em sua residência ao tempo da infração.

13.01. Acerca do fato, por isso, tudo que informou foi o que ouviu dizer (fls. 127/130)

14.00.Em seguida foi ouvida a testemunha R. F. da C., irmã da vítima, que, a exemplo de A. N. A. F., também só teve conhecimento do fato depois de sua ocorrência (fls. 131/132)

15.00.Adiante foi inquirida a testemunha R. N. G. da S., de cujo depoimento, formalizado às fls. 143/151, destaco os seguintes e relevantes excertos:

I – que ao tempo da fato estava próximo ao local da ocorrência;

II – que o acusado levou um corrimão com o carro, arrancou um toco de pau d’arco, empurrou a moto de um rapaz até passar da rampa;

III – que a primeira pancada que viu foi no motoqueiro, depois veio subindo batendo no corrimão;

IV – que o buraco que havia no local da ocorrência estava mais para o motoqueiro;

V –que o motoqueiro não saiu de sua linha;

VI – que o acusado saiu de sua faixa e colidiu com o motoqueiro;

VII – que quando o acusado parou seu carro, após o acidente, estava na faixa do motoqueiro;

VIII – que, pela pancada,o acusado via de oitenta pra frente;

IX – que o corpo do ofendido caiu atrás do veículo conduzido pelo acusado; e

X – que o acusado, depois do acidente, não parecia que estava normal.

16.00.As testemunhasdo rol da defesa – D. V. C. P. (fls. 156) eJ. G. de S. (fls. 157) – não estavam presentes e nada souberam acerca do acidente.

17.00.Do depoimento de D. V. destaco tão somente a afirmação de que chegou no local da ocorrência logo após o acidente e que viu uma pessoa aconselhando o acusado a deixar o local, pois que poderia ser linchado.

18.00.Essas as provas coligidas ao longo da jornada probatória.

19.00.Antecipo que, desde meu olhar, o acusado deu causa ao acidente por imprudência e negligência.

20.00.Com efeito, é o próprio acusado que admite que a pista em que trafegava estavadeteriorada e que o acidente se deu quando teve de fazer uma manobra, para desviar de um buraco.

21.00.Convenhamos, o motorista trafega numa pista cheia de buracos, tem por obrigação se acautelar ainda mais; cautela que, ao que se vê dos autos, não teve o acusado, tanto que saiu de sua mão para, na mão contrária, atingir o ofendido, que vinha numa motocicleta.

22.00.O acusado, é verdade, disse que vinha em baixa velocidade quando se deu o acidente.

22.01. Essa afirmação do acusado, no entanto, restou desprestigiada pelo depoimento da testemunha R. N. G. da S., segundo o qual o veículo do acusado passou levando o que tinha na sua frente (cf. fls.143/151)

23.00.O acusado alega, ademais, que a vítima vinha em alta velocidade, atribuindo a ela a responsabilidade pelo acidente.

23.01. Esqueceu o acusado que, em casos desse jaez, não há compensação de culpas.

24.00. Além da prova testemunhal, com especial destaque para o depoimento de R. N. G. da S., vejo dos autos a prova pericial, cuja conclusão é a seguinte, verbis:

“Ante no que foi visto e examinado concluem, os peritos que a causa determinante do acidente devem-se ao comportamento do condutor do V-2GM/Celta de placa HPO-5662-Ma, pelo fato do mesmo efetuar uma manobra brusca para a sua esquerda, sem contudo, atentar para a corrente de tráfego reinante a sua frente, e assim indo ingressar na contra-mão de direção e colidir de maneira frontal com o V2 (motocicleta Honda de placa HPP-4972-Ma), que trafegava em situação normal e preferencial”(sic)

25.00.Creio que, diante da prova testemunhal, da confissão do acusado – por via transversa, é verdade – e da prova técnica acostada aos autos, não se tem dúvidas de que ao acusado cabe a responsabilidade pela ocorrência, a título de culpa, vez que foi imprudente, ao trafegar numa avenida em péssimo estado de conservação, em alta velocidade.

26.00.Em face da imprudência do acusado e da velocidade excessiva que desenvolvia, ingressou, repentinamente, na contramão da pista, para colidir, frontalmente, com o veículo conduzido pelo ofendido.

27.00.Consigno que a avenida onde se deu a ocorrência, em que pese estar em péssimo estado de conservação, permitia, pela sua largura (6.50), sobretudo, que dois veículos se cruzassem sem qualquer consequencia, máxime se um desses veículos for uma motocicleta.

28.00.O acusado só colidiu com a moto conduzida pelo ofendido, porque trafegava em alta velocidade, conquanto soubesse que a pista estava em péssimas condições de tráfego.

29.00. O acusado, devo dizer, além de imprudente, foi negligente, tendo em vista que, no caso presente, foi displicente no agir, faltou-lhe a necessária precaução, pois que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o fez – a considerar quedesenvolvia velocidade excessiva, numa pista cheia de buracos, a exigir maior cautela.

30.00.É bem de se ver, assim, que o acidente, com resultado morte, deu-se, seguramente, em face da inobservância pelo acusado do cuidado devido.

31.00.A tentativa do acusado de atribuir a responsabilidade pelo acidente ao comportamento da vítima – que não restou demonstrado, consigno – , não retira a sua responsabilidade, pois que foi, como já demonstrado acima, imprudente e negligente.

32.00.O Tribunal de Alçada Criminal do Paraná,enfrentando situação de igual matiz, já decidiu, litteris:

Conquanto pretenda o apelante se isentar, sustentando, na essência, que o acidente teria ocorrido em decorrência exclusiva da atitude inesperada da vítima, tal argumento, não descaracteriza a sua responsabilidade criminal pelo delito, vez que, comprovadamente agiu de forma imprudente. II. “Educação, incessante educação, é naturalmente a única solução do problema; mas enquanto ela vai avançando, teremos sempre que contar com a efetiva aplicação da Lei. “ (TAPR – ACr 0266160-7 – (227745) – Mandaguari – 4ª C.Crim. – Rel. Juiz Lidio J. R. de Macedo – DJPR 04.02.2005) JCTB.302 JCP.59

33.00.A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades.

34.00.Sobreleva sublinhar, só pelo prazer de argumentar,que, em se tratando de delito culposo, mister se faz a existência da prova plena e inconteste da imprudência, negligência ou imperícia, desprezando-se para tal presunções e deduções que não se estribem em provas concretas e induvidosas.

35.00.O contexto probatório dos autosevidencia, a mais não poder, que o acusado foi, sim, o único responsável pelo acidente, pois que dispunha de meios para evitar o gravame, não o fazendo, entretanto, porque desenvolvia velocidade incompatível com a via, deixando transparecer a sua imprudência.

36.00.O ofendido, de seu lado, trafegava em sua mão quando foi atingido pelo acusado, porque não supunha que o mesmo, inopinadamente, lhe interceptasse a corrente de tráfego, afinal, em face do princípio da confiança recíproca que permeia a vida no trânsito, supunha que o acusado se conduzisse com a observância de todas as cautelas que a situação exigia.

37.00.O acusado, como ser racional que é, sabia – ou deveria pelo menos prever – que, ingressando na contramão, poderia, sim, colidir com um veículo que viesse em sentido contrário.

37.01.O acusado, inobstante, podendo prever o que era previsível, preferiu, ao reverso, desprezara possibilidade de acidente, disso decorrendo o acidente que subtraiu a vida do ofendido.

37.00.Devo dizer, nessa linha de argumentação, intenso na melhor construção pretoriana, que

Em termos absolutos, tudo que não é fisicamente impossível é previsível. Mas no tocante ao trânsito a previsibilidade há de ser temperada pelo princípio da confiança recíproca, em razão do qual cada um dos envolvidos no tráfego tem direito de esperar que os demais se atenham às regras e cautelas que de todos são exigidas ( JUTACRIM 15/251)

38.00. É possível, sim, que o ofendido desenvolvesse velocidade excessiva. Todavia, do acusado se esperava que não fizesse a manobra intempestiva e surpreendente que fez.

39.00.O ofendido, seguramente, ainda que desenvolvesse velocidade acima do permitido, esperava, em face mesmo da chamada confiança recíproca, que o acusado se ativesse em sua mão (dele, acusado).

40.00.Nesse diapasão têm entendido os nossos Sodalícios, segundo os quais,

Em estrada asfáltica com dupla mão de direção é lícito permitir-se aos motoristas a chamada ‘confiança recíproca’, pois do contrário só a eles serão exigidas as previsões dos eventos. Cada um dos envolvidos no tráfego tem direito de esperar que os demais atenham que as regras e cautelas de todos sejam exigidas. (RT 554/378)

41.00.Tivesse agido o acusado dentro das expectativas impostas pelas normas de trânsito, não haveriaque se falar em responsabilidade criminal pelohomicídio culposo que se viu materializar, porquanto o resultado lesivo dar-se-iapor influência de circunstâncias externas, alheias à sua vontade, cuja previsibilidade não era razoável exigir-se da maioria das pessoas que estivessem em idêntica situação.

42.00.No tráfego viário, nunca é demais repetir, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação recíproca das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o outro condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível. Mas assim não agiu o acusado

43.00.A propósito do afirmado acima,leia-se, com proveito as decisões abaixo, verbis:

 

A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada nos autos, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades. Tratando-se do crime previsto no art. 302 da Lei nº 9.503/97, a fixação do prazo de suspensão da habilitação para dirigir veículo deve ser diretamente proporcional à infração cometida quando não houver justificativa para a imposição de prazo maior. (TAMG – AP 0400866-6 – (87507) – Nova Lima – 2ª Cam.Mista – Relª Juíza Maria Celeste Porto – J. 07.10.2003)

44.00.No mesmo sentido:

Viola o dever de cuidado objetivo o condutor que, desenvolvendo velocidade incompatível com a permitida para a via, colhe ciclista que atravessava a pista. Na conformidade do previsto nos artigos 302, c/c 293, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, a suspensão temporária da carteira nacional de habilitação é pena cumulativa com a pena privativa de liberdade e, tendo esta sido fixada no mínimo legal, o mesmo deve ocorrer com a suspensão, pois a sua fixação é regulada pelos mesmos parâmetros – art. 59, do Código Penal. Recurso parcialmente provido. (TAMG – AP 0406780-5 – (87512) – Viçosa – 2ª Cam.Mista – Rel. Juiz Antônio Armando dos Anjos – J. 07.10.2003)

45.00.Admitindo, ainda desta feita só pelo prazer de argumentar, que a vítima tivesse sido negligente, que estivesse, ao tempo do fato, desenvolvendo velocidade excessiva e que por isso tivesse contribuído para o acidente, ainda assim o acusado não estaria isento de responsabilidade, em face da velocidade que desenvolvia, numa pista que exigia dele redobrada cautela.

46.00.De se anotar que, em matéria penalnão há compensação de culpas.

47.00.Nesse sentido têm decido os nossos Sodalícios, como se colhe das ementas a seguir transcritas, verbis:

Agente que, ao cruzar rodovia preferencial não toma as devidas cautelas, vindo cortar bruscamente a frente de uma motocicleta, causando a morte do condutor – Culpa caracterizada – Inadmissibilidade de compensação de culpas em matéria penal – Adequação da pena de suspensão do direito de dirigir – Recurso parcialmente provido. Em direito penal não há compensação de culpas. A pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor deve ser fixada de acordo com o art. 68 do Código Penal, nos termos do art. 291 do código de trânsito brasileiro.” (TJSC – ACr 2003.010352-0 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Amaral e Silva – DJSC 17.08.2004 – p. 38)

48.00.No mesmo sentido:

 

Se as provas dos autos atestam que a causa do acidente decorre de conduta imprudente e exclusiva de ciclista que não respeita as normas de trânsito, impende absolver o réu se este não concorre para o infortúnio. Não há compensação de culpas no Direito Penal, o que não impede a exclusão da culpabilidade por ato isolado do vitimado. Apelo provido para absolver o réu. (TAMG – AP 0419558-8 – (85642) – Uberaba – 1ª Cam.Mista – Rel. Juiz Ediwal José de Morais – J. 03.12.2003)

49.00.Definido que o acusado, com sua ação malferiu o preceito primário do artigo 302 do CTB, devo, agora, expender considerações acerca da qualificadora.

50.00.O Ministério Público alega, na prefacial, que o acusado, além de ter agido de forma imprudente, deixou de socorrer a vítima, pelo que postula a majoração da resposta penal, em face do disposto no parágrafo único, III, do artigo 302, do Código de Trânsito Brasileiro.

51.00.Na minha avaliação, em face mesmo da gravidade do crime, provocado pela imprudência do acusado, ele, acusado, não tinha nenhuma condição de permanecer no local do acidente, disso inferindo-se que não tinha mesmo condições de socorrer o ofendido, sem risco para sua integridade física.

52.00.Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de consequência,

condenar o acusado E, brasileiro, casado, padeiro,filho de B. e M., residente à Rua 08, quadra XX, casa XX, Cohatrac V, nesta cidade,por incidência comportamental no artigo 302 do Digesto de Trânsito, cuja pena-base fixo em dois anos de detenção e suspensão da carteira de habilitação por 02(dois) meses, penas que torno definitivas, à falta de circunstancias e/ou causas que possam modificar o quantum, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.

53.00.Anoto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes e, pela mesma razão, deixei de fazer alusão às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sem que da omissão resulte qualquer nulidade, à falta de prejuízo.

54.00.O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois que

a) a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos,

b) o acusado não é reincidente;

c) o crime foi praticado com violência contra a pessoa, mas é culposo; e

d) as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP lhe são favoráveis.

55.00.Assim sendo,

substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade(artigo 43, IV, do CP),cujo programa deverá ser definido no juízo da execução, ex vi do artigo 149, I, da LEP.

56.00.Antevendo a possibilidade de se argumentar, em sede recursal, que o crime em comento não comporta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devo dizer que aqui se cuida de crime culposo, em razão do que não há impedimento legal para concessão do favor legis.

57.00.Os Tribunais têm decidido na mesma senda, como se colhe da ementa abaixo, verbis:

DIREITO PENAL – RECURSO ESPECIAL – HOMICÍDIO CULPOSO – SURSIS PROCESSUAL – Substituição da pena. Pena mínima. I – Todos os delitos culposos (materiais, formais ou de mera conduta, bem assim, ao de dano ou de perigo) podem receber o benefício da substituição qualquer que seja a pena, desde que preenchidos os requisitos específicos (com destaque ao inciso II do art. 44 do CP). A limitação de 4 anos de pena privativa de liberdade e a inocorrência de violência ou grave ameaça diz com os delitos dolosos. II – Se a pena base foi fixada no mínimo legal, a substituição não pode ser obstada pela inobservância das condições do sursis processual (arts. 44, inciso III e 59 do CP)(Recurso provido. (STJ – RESP 442346 – RJ – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 01.12.2003 – p. 00391).

P.R.I.C.

Custas, pelo acusado.

Transitada em julgado esta decisão, intime-se o acusado para que entregue, em 48(quarenta e oito) horas a Carteira de Habilitação,

No mesmo passo, comunique-se a apreensão da Carteira de Habilitação ao Conselho Nacional de Trânsito e ao órgão de trânsito do Estado em que o acusado for domiciliado ou residente.

Expeça-se carta de sentença.

Dê-se, após, baixa em nossos registros.

São Luis, 10 de junho de 2009.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


Trata-se de artigo publicado no sitiowww.joseluizalmeida.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

5 comentários em “Sentença condenatória. Homicídio Culposo. Artigo 302 do CTB”

  1. Boa Noite Dr., nao entendi por que apesar de duas testemunhas terem afirmado ter notado uma alteraçao no estado do acusado ,possivelmente causado pelo consumo de alcool ou outras drogas, foi ignorado na sentença.

  2. estou sentenciando um caso de homicídio culposo e tirei várias lições da sentença acima, que está muito bem fundamentada.

  3. Adorei!!! Ótimo!
    Estou no 4° semestre de direito e procurava, na internet, algumas sentenças para adentrar mais no mundo do direito.

  4. otima essa decisao de sentenca condenatoria esta bem fundamentada com testemunhas e laudos periciais

  5. Muito bom essa sua página. Otimas lições podemos obter aqui.
    Coriolano

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