Descuido? Descaso? Negligência? Incúria?Falta de compromisso?…

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Nada justifica, a meu sentir, o tempo que passou o inquérito policial em poder do representante ministerial , sem que fosse denunciado o paciente, sabendo-o preso, em face da prática de três assaltos.

O agente público precisa, sempre, agir com desvelo, ainda que não seja bem remunerado – o que não é o caso do representante ministerial – e ainda que a demanda de trabalho seja excessiva – o que, do mesmo modo, não se verifica no caso presente.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

Cuidam-se de informações que prestei, em face de habeas corpus.

  1. Antecipo, a seguir, alguns excertos, verbis:

  2. Do exposto pode-se deduzir, ademais, que, não fosse a negligência do Ministério Público, a falta de condições financeiras do paciente e a inviabilidade de se concluir a instrução no dia fixado para esse fim, de há muito ter-se-ia concluído a instrução.

  3. Do acima expendido pode-se concluir, finalmente, que se há um pequeno excesso, ele não decorreu da inércia ou incúria do signatário, que tudo tem feito no sentido de levar a bom termo a instrução.

  4. Não bastasse o exposto, reitero que, à luz dos dados administrativos colacionados, o paciente é perigoso, devendo, na minha avaliação, ser mantido segregado, em tributo à ordem pública – desde que, claro, Vossa Excelência assim compreenda a questão.

A seguir, as informações, por inteiro, litteris:

Ofício nº 146/2009-GJD7VC São Luis, 08 de julho de 2009

Excelentíssima senhora

Desembargadora Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães

Relato do hc nº 018417/2009-São Luis(Ma)

Impetrante: Sérgio Roberto P. da Silva

Paciente: Claudenir de Jesus Correia Costa


01.00. Colho o presente para prestar a Vossa Excelência as informações que me foram requisitadas, em face do mandamus epigrafado.

02.00. O paciente alega, em síntese:

I – que está preso desde o dia 07 de fevereiro do corrente;

II – que a instrução sequer foi iniciada; e

III – que o acusado, por isso, está sofrendo constrangimento ilegal.

03.00. Definida a ratio essendi do writ, passo às informações.

04.00. Devo consignar, preliminarmente – e com pesar – , mais uma omissão do representante ministerial em exercício nesta vara, na esperança de que, com essa notícia, alguma providência seja adotada no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça.

05.00. Com efeito, tendo sido o caderno administrativo encaminhado para o Ministério Público no dia 19 de fevereiro do corrente (doc.01), a denúncia só foi protocolada na distribuição no dia 18.03.2009 (doc.02).

06.00. O Ministério Público, descuidado, superando o prazo legal que tinha para ofertar a proemial (05 cinco dias, artigo 46 do CPP), só o fez em 30(trinta) dias, dando a sua decisiva colaboração para que a instrução não se encerrasse com a brevidade que se pretende.

07.00. Poder-se-á argumentar, em defesa do representante ministerial, que o caderno administrativo tenha se perdido nos labirintos da burocracia ministerial, o que, para mim – para o paciente e para quem mais tenha responsabilidade – , é irrelevante.

08.00. O certo – e recerto – é que, mais uma vez, o representante ministerial, até que se prove em contrário, foi omisso, disso decorrendo parte da demora que se verifica para o encerramento da instrução.

09.00. Esses autos chegarão, com certeza, às mãos de um Procurador de Justiça.

09.01. Espero, sinceramente, que alguma providência seja adotada, pois é inconcebível que uma vara com dois promotores de justiça, ainda se tangencie as obrigações.

10.00. Nada justifica, a meu sentir, o tempo que passou o inquérito policial em poder do representante ministerial – Orlando Pacheco de Andrade Filho – , sem que fosse denunciado o paciente, sabendo-o preso, em face da prática de três assaltos.

11.00. O agente público precisa, sempre, agir com desvelo, ainda que não seja bem remunerado – o que não é o caso do representante ministerial – e ainda que a demanda de trabalho seja excessiva – o que, do mesmo modo, não se verifica no caso presente.

12.00. Feito, com pesar, o registro preliminar, passo às informações requisitadas.

13.00. O paciente, é verdade, foi preso em flagrante, em face de crimes de roubo qualificados e consumados, em concurso material (doc.03)

13.01. É que, no mesmo dia 07/02/2009, o paciente, de posse de arma branca, assaltou Pedro Augusto Soares da Silva, Fabrício Martins dos Santos e Raimunda Edileusa Bandeira de Sousa (cf. doc.03)

14.00. A contar, pois, a data da prisão como tempo de encerramento para os fins colimados no mandamus, ter-se-ia que admitir um pequeno excesso.

14.01. Nada relevante, no entanto, a considerar o princípio da razoabilidade.

15.00. Ocorreu, entrementes, que a denúncia só foi recebida no dia 24 de março, em face da incúria – ao que tudo indica – do representante ministerial – Orlando Pacheco de Andrade Filho – , com atribuição junto a esta vara (doc.04).

16.00. A contar, pois, o tempo de prisão, da data do recebimento da denúncia, o paciente está preso, sob a responsabilidade do signatário, há exatos 86(oitenta e seis) dias.

17.00. Oitenta e seis dias, sob qualquer ponto de observação, não é excessivo, é bem de ver-se.

18.00. Importa gizar, à guisa de reforço, que, no exame dessas questões, nunca perco de vista, ademais, a perigosidade do paciente.

18.01. E o paciente, ao que deriva das provas administrativas, em concurso material, praticou três assaltos, a justificar, a fortiori, a manutenção de sua prisão, em tributo à ordem pública.

19.00. Não bastasse a inexistência de excesso – apesar do descaso do Ministério Público -, observe-se, noutro giro, que o paciente, citado, declarou não ter condições de constituir advogado, disso decorrendo mais demora para realização da instrução, como se pode inferir da certidão que segue junto(doc.05)

20.00. Diante da manifestação do paciente e em face de não existir defensor público com atribuição junto a esta vara, nomeei a advogada Deydra Melo Moreira, para ofertar a defesa preliminar (doc.06)

21.00. A defesa preliminar foi ofertada, finalmente, no dia 22 de junho próximo passado (doc.07).

22.00. Ofertada a defesa preliminar, cuidei de designar data para audiência de instrução e julgamento, no mesmo despacho expedindo o mandado de intimação, tudo na maior celeridade possível (doc.08)

23.00. Ocorreu, contudo, que o meirinho não logrou intimar todas as testemunhas, inviabilizando, dessarte, a conclusão da instrução (doc.doc.09)

24.00. No dia designado para instrução, por óbvias razões, a instrução não se encerrou, tendo sido, por isso, designado o dia 23 do corrente, para sua ultimação (docs. 10 e 11)

25.00. Dimana do exposto, que, permissa vênia, não há excesso de prazo, a submeter o paciente a constrangimento ilegal.

26.00. Do exposto pode-se deduzir, ademais, que, não fosse a negligência do Ministério Público, a falta de condições financeiras do paciente e a inviabilidade de se concluir a instrução no dia fixado para esse fim, de há muito ter-se-ia concluído a instrução.

27.00. Do acima expendido pode-se concluir, finalmente, que se há um pequeno excesso, ele não decorreu da inércia ou incúria do signatário, que tudo tem feito no sentido de levar a bom termo a instrução.

28.00. Não bastasse o exposto, reitero que, à luz dos dados administrativos colacionados, o paciente é perigoso, devendo, na minha avaliação, ser mantido segregado, em tributo à ordem pública – desde que, claro, Vossa Excelência assim compreenda a questão.

29.00. À conta de ilustração, peço vênia para transcrever excertos relevantes do despacho no qual indeferi o pedido de liberdade provisória do paciente, verbis:

“…O requerente, colhe-se da proemial, no mesmo dia, seguidamente, praticou três crimes contra o patrimônio de três pessoas diferentes – Pedro Augusto Soares da Silva, Fabrício Martins dos Santos e Raimunda Edileusa Bandeira de Sousa.

O requerente, para consecução do crime, armou-se com uma faca peixeira e ameaçou as vítimas, delas subtraindo os seus pertences.

Releva consignar que os crimes foram praticados, segundo a denúncia, às 15h00, id est, à luz do dia, à vista de todos, às escâncaras, com o que demonstrou o requerente nenhuma preocupação com as conseqüências de sua ação, quiçá acreditando, como tem ocorrido, com freqüência, que, preso num dia, seria colocado em liberdade em seguida.

Ocorre que, desde minha convicção, quem age como agiu o requerente – a serem verdadeiros os fatos até aqui consolidados nos autos – não pode, pura e simplesmente, ser colocado em liberdade, agora com um passaporte, chancelado pelo Poder Judiciário, para, mais uma vez, afrontar a ordem pública.

A verdade, pura e simples, sem maquiagem, é que o requerente, em face de sua ação, não pode, pelo menos por enquanto, retornar ao convívio social, pois é perigoso, a considerar os três crimes praticados – no mesmo dia, nas mesmas circunstâncias, seguidamente – e pode, sim, estimulado pela sua liberdade, voltar a afrontar a ordem pública.

As vítimas estão vivas, imagino, porque não reagiram, afinal é assim que têm se comportado os assaltantes: matam, sem pena e sem dó, à primeira reação das vítimas.

Aliás, tem-se noticiado, com freqüência, que, nos dias presentes, as vítimas não precisam reagir.

Os roubadores, agora, por pura maldade, matam – sem pena e sem dó.

Nós não podemos, diante de tanta violência gratuita, pura e simplesmente, no limiar da persecução, fazer retornar o acusado ao convívio social, para afrontar as vítimas, incutindo nelas – e na sociedade em geral – um sentimento deletério de impunidade.

É cediço que a prisão provisória deve ser, sempre, uma exceção.

A regra é, sim, a liberdade do autor do fato, para que, nessa condição, possa responder pelo crime que eventualmente tenha praticado.

Para mim, no que discrepo da maioria, estamos, sim, diante de uma exceção.

O roubador, de regra, não tem sensibilidade, certo que, em, liberdade, volta, sim, a afrontar a ordem pública.

O requerente pode, sim, ser primário e possuidor de bons antecedentes.

Devo dizer, inobstante, que tais predicados não bastam, por si sós, para autorizar a sua liberdade, tendo em vista que a ordem pública reclama a sua prisão.

Nesse diapasão têm decidido os Tribunais, como se colhe da decisão segundo a qual

Não consubstancia constrangimento ilegal, passível de reparação via habeas corpus, a manutenção de prisão em flagrante, regularmente imposta a agente de roubo qualificado, sendo irrelevantes as circunstâncias de ser o mesmo primário, ter residência certa e profissão definida. ( RHC n. 6.113-SP – rel. Min. Vicente Leal)

Compreendo que a autoridade judiciária, diante de um conflito entre o interesse público e o privado, deve, em situações que tais, sublimar aquele.

Tenho tido, na condição de autoridade judiciária, o maior cuidado no manejo dessas questões, para não manter ergastulado quem, de rigor, mereça estar em liberdade.

No caso sub examine não foi diferente, razão pela qual, ao decidir pela manutenção da prisão do requerente, o faço depois de percuciente exame do caderno extrajudicial e de concluir que não faz por merecer a sua liberdade.

Não se alegue que os fundamentos expendidos na presente decisão decorram de proposições subjetivas ou abstratas. Não. A decisão sob retina se estriba em fatos concretos, reveladores da periculosidade do requerente, a reclamar, por isso, a manutenção de sua prisão.

Devo dizer, para concluir, forte na mais consentânea construção jurisprudencial, que “

a gravidade do crime revelando ictu oculi a periculosidade do agente justifica o decreto de prisão”. ( HC n. 5.248-SP)

Para finalizar, consigno que

A regra da não-culpabilidade – inobstante o seu relevo – não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assuma a prisão cautelar em nosso direito positivo. (HC n. 67.707-0-RS. Rel. Min. Celso de Mello)

Tudo de essencial posto e analisado,

Indefiro o pedido de liberdade provisória formulado por Claudenir de Jesus Correia Costa, vulgo “Catatau”, brasileiro, solteiro, gesseiro, filho de Firmino Bispo Costa e Rita de Fátima Correia, residente no Túnel do Sacavém, casa 256, Sacavém, nesta cidade, o fazendo porque presentes os pressupostos da prisão ante tempo ( fumus boni iuris e periculum in mora), vez que o requerente, em liberdade, pode, sim, com muita probabilidade, voltar a afrontar a ordem pública.

Deste despacho dê-se ciência ao Ministério Público e ao procurador do requerente.

São Luis, 11 de maio de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

29.00. Na certeza de ter prestado a as informações que me foram requisitadas, colho o ensejo para dizer-lhe de minha especial admiração por Vossa Excelência, ao tempo em que me subscrevo,

Fraternalmente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Descuido? Descaso? Negligência? Incúria?Falta de compromisso?…”

  1. Dr. José Luiz:
    Tenho lido seus escritos e me encanto com eles. Só agora, depois de muito tempo, descobri o seu blog. Sou advogado, um pouco cansado já, militando mais no cível, contudo,- como nos idos tempos de Escola – não esqueci nunca do Direito Penal.Todos os dias acesso as suas sentenças e demais escritos e me deleito com os seus valiosos ensinamentos. Espero continuar acessando por muito tempo seu maravilhoso blog. Abraço fraternal. Gonzaga.

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