Às favas a repercussão do crime e a credibilidade do Poder Judiciário

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“[…]Para quem não tem a responsabilidade de decidir, de subscrever o Alvará de soltura é muito cômodo: concede-se o favor legis, fica-se de bem com a família do acusado, argumenta-se que prisão provisória só prevalece excepcionalmente, que o paciente é primário e tem bons antecedentes – e pronto! O prato está feito. E que se danem os parentes da vítima, que se dane a credibilidade do Poder Judiciário, às favas a repercussão do crime[…]”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal, da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão
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Cuidam-se de informações em face de habeas corpus; writ agitado, a alegação de que, ao indeferir neste juízo um pedido de Liberdade Proviória, teria o signatário submetido o paciente a constrangimento ilegal.

Ao longo das informações cuidei de demonstrar que, com a manutenção da prisão do paciente, preservei a ordem pública e a sua integridade física, daí, na minha avaliação, não ter cometido nenhum abuso, a legitimar a concessão do mandamus.

Antecipo, a seguir, fragmentos das informações:

  1. Não se decide, desde meu olhar, com esteio apenas na letra congelada da lei, sem analisar, com tenacidade e detença, todas as consequencias de uma decisão desse porte.

  2. Desde a minha avaliação, creio que, no enfrentar dessas questões, o caminho mais fácil de ser trilhado é o que leva a concessão do benefício.

  3. Concedendo-o, o juiz, doravante, não precisaria mais se preocupar com os prazos, podendo, até, relegar o processo a um segundo plano.

  4. Prefiro, ao reverso, enfrentar os dissabores, os transtornos, as incompreensões decorrentes de minha decisão, que decidir levando em conta apenas a lei e sua frigidez.

  5. Para quem não tem a responsabilidade de decidir, de subscrever o Alvará de soltura é muito cômodo: concede-se o favor legis, fica-se de bem com a família do acusado, argumenta-se que prisão provisória só prevalece excepcionalmente, que o paciente é primário e tem bons antecedentes – e pronto! O prato está feito. E que se danem os parentes da vítima, que se dane a credibilidade do Poder Judiciário, às favas a repercussão do crime.

  6. Mas não é assim que enfrento essas questões.

  7. No caso presente preferi enfrentar as discórdias e as incompreensões que, sem maiores preocupações, colocar em liberdade o paciente.

  8. Colocar o paciente em liberdade seria, a meu sentir, dar-lhe uma passaporte para a impunidade, pois somente um ingênuo pode supor que, ameaçado, o paciente permaneceria no distrito da culpa.

A seguir, as informações, por inteiro.

Poder Judiciário

Fórum da Comarca de São Luis

Juízo da 7ª Vara Criminal

São Luis – Maranhão

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Ofício167 /2009-GJD7VC São Luis, 27 de julho de 2009

Excelentíssimo senhor

Desembargador José Bernardo Silva Rodrigues

Relator do hc nº 21078/2009-São Luis(Ma)

Impetrante: Edno Marques

Paciente: Jadarson Cabral Melo

A mentira no exercício da atividade pública

José Luiz Oliveira de Almeida

Juiz da 7ª Vara Criminal

[…]É necessário convir, inobstante, que, no exercício de um múnus público, é, terminantemente, proibido mentir. Essa é a regra – sem exceção. Nessa senda, ninguém é melhor ou pior que ninguém. Ninguém é mais sabido que ninguém. Não se deve fazer concessão à mentira, no exercício do poder público.

Aquele que faz da sua vida pública uma mentira, um engodo, que mente para dar sustentação às suas estripulias, às suas travessuras, para tirar vantagens de ordem pessoal, não merece o nosso respeito. Devemos, pois, com sofreguidão, expungir, defenestrar da vida pública quem vive de traquinices, de simulação, de mentiras, de falsa postura moral, sobretudo se ao mendaz tiver sido outorgado um mandato para no meu, no nosso nome, exercer o poder.

O homem público que mente, reafirmo, tem – ou, pelo menos, deveria – que ser apeado, arremessado do poder, pois que das mentiras que conta resultam prejuízos para o conjunto da sociedade. É assim que meus olhos vêem essa questão. Sou, sim, intolerante com o homem público mentiroso. Com o homem público mendaz não se pode ser condescendente.

Não se pode, é proibido, terminantemente proibido, no exercício de uma atividade pública, fazer apologia da esperteza, da desfaçatez, da maquinação. Não se pode condescender, transigir não se pode com mentiroso, para que não transpareça, aos olhos da opinião pública, que valha a pena viver de mentiras.

A verdade é que a burla, a fraude, a lorota e o engodo, em todas as esferas de poder, tem os dias contados – uns, mais espertos, mais ardilosos, ludibriam por muito tempo; outros, menos inteligentes, menos sagazes, por pouco tempo. Mas, tenho certeza, mais dias menos dias, o espertalhão será flagrado, para, no mesmo passo, ser desmoralizado – melhor se a desonra se der em vida, para que todos que giram no entorno do canalha saibam que ele, malgrado fingidor esperto e sagaz, não passa mesmo de um calhorda, de um ser desprezível, como muitos de sua estirpe.

Mentir por mais ou menos tempo depende, sim, da esperteza, da sagacidade do biltre. Contudo, um dia a casa cai e a coisa muda, como diziam os meus pais.

Diante de tudo que se tem visto e lido, o leitor deve estar se perguntando: se, no exercício de um múnus público, é proibido mentir, por que alguns homens públicos mentem tanto?

Sem receio, respondo: porque a sua vida e a sua obra são apenas uma mentira, um engodo, uma falácia.

Mas como não se consegue enganar todo mundo por todo o tempo, é razoável compreender, que, algum dia, mais cedo ou mais tarde, o mentiroso, no exercício do poder, meta os pés pelas mãos, até ser flagrado e colocado – e visto – na sua verdadeira dimensão, na sua real estatura.

Nessa balada, digo mais: muitos homens públicos fazem da mentira a sua profissão, porque foram forjados, cevados num mundo de mentiras, de intrigas, de futricas e baixarias. Mentir, pois, para essas pessoas, é uma necessidade. Elas mentem tanto que a mentira é a sua verdade. Enredadas, envolvidas em tantas mentiras, essas pessoas já não acreditam na verdade; a verdade é a sua mentira. É que a sua vida e a sua obra, escoradas em mentiras, estripulias e maquinações, exigem que faça uso permanente desses expedientes, sob pena sucumbir; e sucumbirá, mais dias, menos dias, pois a sua vida e sua obra, embora não se dêem conta, foram edificadas em base movediças.

É impossível, nessa ordem de idéias, deixar de lembrar da célebre frase de Abraham Lincoln, segundo a qual “podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente”.

01.00. Colho o presente para prestar a Vossa Excelência as informações que me foram requisitadas, em face do mandamus epigrafado.

02.00. Da ratio essendi do writ apanho os seguintes fragmentos:

I – que o paciente agiu ao abrigo da legítima da defesa; e

II – que, fazendo por merecer a sua liberdade provisória, o pleito foi indeferido neste juízo.

03.00. Devo dizer, preliminarmente, que não vou incursionar acerca da quaestio de mérito, máxime por se tratar, prima facie, de crime de competência do Tribunal do Júri.

03.01. Se agiu, ou não, o acusado ao abrigo de uma excludente de ilicitude, é questão para ser enfrentada oportuno tempore.

03.01.01. Por enquanto, pois, limitar-me-ei à segunda vertente do mandamus, que condiz com o direito à liberdade provisória do paciente.

04.00. Pois bem. Pode parecer, a primeira vista, que o paciente faça por merecer o favor legis que lhe foi negado neste juízo.

05.00. Ocorre, Excelência, que o crime teve grave repercussão e houve, até, tentativa de linchamento do paciente (cf. doc.único).

05.01. A população, com efeito, revoltada, queria, a qualquer custo, fazer justiça com as próprias mãos, do que se infere, ipso facto, a repercussão negativa do crime.

06.00. Compreendo que, diante da comoção que decorreu do crime e da possibilidade de uma vingança por parte dos familiares do ofendido, o caminho a ser seguido foi o que escolhi, qual seja, a mantença da prisão do paciente.

07.00. Compreendi, ao exame do pedido de liberdade provisória, que a colocação do paciente em liberdade, logo após a prática do crime, com a população em polvorosa, revoltada com o que ocorreu, estimularia, sim, a vingança privada.

08.00. Diante dessas questões, tenho entendido que as instituições responsáveis pela persecução criminal devem estar atentas e vigilantes; despendendo esforços, no âmbito de sua competência, para evitar maiores consequencias em face do ilícito praticado.

09.00. Não pode a autoridade judiciária, sem mais nem menos, sem uma análise responsável dos dados colhidos nos autos, decidir, com esteio exclusivamente na letra fria da lei.

10.00. Impende sublinhar que ee a questão acerca do benefício em comento fosse examinada apenas a luz da lei, ter-se-ia, sim, que conceder o favor legis postulado.

11.00. Ocorreu, entrementes, que, com a responsabilidade que se exige de um magistrado, analisei, com vagar, todas as circunstâncias que envolveram o crime e os acontecimentos posteriores a ele, para, a par das conclusões decorrentes dessa análise, concluir que a melhor solução seria mesmo a manutenção da prisão do paciente, com o objetivo, ademais, de assegurar a sua integridade física.

12.00. Depois do crime, Excelência, vários foram os parentes do ofendido que acorreram ao Fórum clamando por Justiça e deixando transparecer que poderiam, sim, partir para a justiça com as próprias mãos, se sentissem claudicar o Poder Judiciário.

12.01. Diante desse quadro, só mesmo um magistrado insensível colocaria o paciente em liberdade, de mais a mais porque, sabendo-se sob ameaça, ninguém pode assegurar que se mantivesse no distrito da culpa, se por hipótese lhe fosse concedida a liberdade que postulava.

12.01.01. E fugindo o acusado, ter-se-á que convir, a aplicação da lei penal não será mais que uma quimera.

13.00. Tenho dito, iterativamente, afirmado, com sofreguidão, que não se brinca de fazer justiça.

13.01. Não se decide, desde meu olhar, com esteio apenas na letra congelada da lei, sem analisar, com tenacidade e detença, todas as consequencias de uma decisão desse porte.

14.00. Desde a minha avaliação, creio que, no enfrentar dessas questões, o caminho mais fácil de ser trilhado é o que leva a concessão do benefício.

14.01. Concedendo-o, o juiz, doravante, não precisaria mais se preocupar com os prazos, podendo, até, relegar o processo a um segundo plano.

14.01.01. Prefiro, ao reverso, enfrentar os dissabores, os transtornos, as incompreensões decorrentes de minha decisão, que decidir levando em conta apenas a lei e sua frigidez.

15.00. Para quem não tem a responsabilidade de decidir, de subscrever o Alvará de soltura é muito cômodo: concede-se o favor legis, fica-se de bem com a família do acusado, argumenta-se que prisão provisória só prevalece excepcionalmente, que o paciente é primário e tem bons antecedentes – e pronto! O prato está feito. E que se danam os parentes da vítima, que se dane a credibilidade do Poder Judiciário, às favas a repercussão do crime.

16.00. Mas não é assim que enfrento essas questões.

16.01. No caso presente preferi enfrentar as discórdias e as incompreensões que, sem maiores preocupações, colocar em liberdade o paciente.

17.00. Colocar o paciente em liberdade seria, a meu sentir, dar-lhe uma passaporte para a impunidade, pois somente um ingênuo pode supor que, ameaçado, o paciente permaneceria no distrito da culpa.

18.00. Aí estão, Excelência, as razões pelas quais entendi devesse manter a prisão do paciente, indeferindo o pedido de liberdade provisória que formulou.

18.01. Assim procedendo, não cometi nenhum abuso, não decidi à ilharga das minhas atribuições.

20.00. Colocando-me à disposição de Vossa Excelência para qualquer informação adicional, subscrevo-me,

Fraternalmente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


Excerto de crônica publicada no blog www.joseluizalmeida.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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