Reminiscências – IV

Eu tinha um grave defeito: não levava desafora pra casa. Eu era do tipo bateu/levou. A juventude, a saúde, a necessidade de me fazer respeitar – ainda que fosse na marra – me fizeram irascível, intempestivo, impetuoso, destemperado, briguento, sangue quente.

Parte da minha fama de arrogante foi construída nessa fase, na qual os hormônios estavam em franca ebulição. Muitos não quiseram compreender que os jovens, normalmente, são assim mesmo. Só o tempo lhes doma, lhes põe freios.
Lembro que, certa feita, juiz de Presidente de Dutra, presidindo as eleições municipais, fui informado por um oficial de justiça que um cabo eleitoral do prefeito de Eugênio Barros, à época termo de Presidente Futra, estava apregoando, alto e bom som, num bar daquela cidade, com algumas doses de cachaça na cara, que sabia que eu – a quem ele chamou de juiz barbicha – iria roubar as eleições e que, portanto, era preciso ter muito cuidado comigo.

Diante dessa notícia, não hesitei. Mandei prender o desditoso cabo eleitoral, ainda queimado de cachaça, só lhe colocando em liberdade no dia seguinte, depois que, sóbrio, me pediu desculpas e prometeu jamais tocar no meu nome, em qualquer lugar. Loucura minha! Pura insensatez! Insanidade que só a inexperiência é capaz de explicar.

Claro que essa minha atitude foi menor e indigna de um magistrado. O homem público tem que saber conviver com esse tipo de crítica – e o magistrado com muito mais razão. Se pudesse voltar no tempo, não procederia mais dessa forma. Hoje, cabelos encanecidos, convivo muito bem com os que me criticam. E olhe que são muitos. Muitas vezes as críticas são, até, graciosas. Mas não me importo. Não passo recibo.

Ah! Como o jovem é impetuoso. Por isso acho que juiz tem que ter uma grande carga de experiência para poder julgar um semelhante. Quando assumi a magistratura, egresso do Ministério Público, eu ainda não tinha a dimensão, a noção exata da importância dos poderes que tinha – e tenho – nas mãos.

É por esses e outros comportamentos que digo que o poder não é para ser exercido por qualquer um. O homem com poder, ainda que seja só um fragmento, se não tiver experiência, tende a abusar, a fazer besteiras, como as muitas que fiz.

Agora, convenhamos, a prisão do cabo eleitoral em comento foi um santo remédio. Nunca mais tive notícia de que alguém fizesse menção desonrosa a mim e a meu comportamento enquanto magistrado.

Muitos continuaram bebendo e falando besteiras, mas, quanto a mim, se não gostavam ou se tinham algum comentário a fazer, preferiam o silêncio – ou o fizeram entre quatro paredes.

Isso é que eu chamo de imposição de respeito. É o respeito obtido na marra, quase por decreto.

Mas é um grave erro pensar que respeito se consegue dessa forma. E eu errei, sim. Tenho que admitir. O homem publico se impõe pelo que constrói.

Hoje sou respeitado – tenho certeza. Mas pelo meu trabalho, pela minha postura, pelas minhas decisões. Esse respeito é definitivo. Diferente daquele que a gente impõe na marra, que é passageiro.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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