A prisão da mãe de um inocente

Normalmente só saio de meu gabinete para ir ao banheiro do Fórum. Não tenho o hábito de sair para conversar. Mas isso me faz falta. O serviço, no entanto, não me dá folga. Eu sou obstinado mesmo. A mais não poder. Até desnecessariamente.

No exercício da judicatura, procuro fazer o que posso. Não sou do tipo “deixa- estar-pra-ver-como-é-que-fica”. Eu vou à luta mesmo. Sinto-me bem produzindo. Este ano estou mais feliz. Tenho, até aqui, 100% de produtividade. Os dados estão na minha Secretaria para quem quiser ver. Não é fácil, mas é possível.

Mas eu dizia que quase nunca deixo o meu gabinete. Quando o deixo, para ir ao banheiro, como o faço regularmente, sempre me deparo com situações inusitadas. Num dia vi o parente de uma vítima quebrar os dentes de um acusado com um murro no rosto; noutro, vi advogados aconselhando mal os seus clientes. Noutras tantas, vi mães abraçando os filhos presos – sorrindo, chorando, gritando, sofrendo, apelando, clamando, lamentando, beijando, abraçando, fazendo, enfim, o que é possível fazer diante uma situação de absoluto desconforto e, às vezes, de impotência.

Ontem pela manhã assisti a uma cena que me deixou assombrado, entorpecido. Uma criança, de seis anos, no máximo, vibrava, correndo e pulando nos corredores do Fórum, abraçando os parentes, gritando, alto e bom som: ” ei, ei, minha mãe vai sair da cadeia!”

O brilho nos olhos, a felicidade dessa criança ficaram gravados na minha retina. Jamais esquecerei! É algo que me fará relembrar, sempre, do quão difícil é a tarefa de julgar um semelhante. Manter a mãe dessa criança presa não deve ter sido fácil para o meu colega. Aliás, nunca é fácil prender ou manter a prisão de alguém. Só o fazemos porque somos obrigados. Não fazemos por deleite pessoal, para satisfazer nossas idiossincrasias.

O inusitado dessa cena me fez perquirir: por que permitir que uma criança vá ao Fórum ver a mãe presa? O que leva um pai, um tio, uma avó ou avô, a levar uma criança para ver a mãe algemada, passando por todas as humilhações pelas quais passam os detentos? Será que as pessoas perderam, definitivamente, a sensibilidade?

Uma criança não pode e não deve conviver com esse tipo de situação. Essa criança que, ontem, pulava de alegria, ao saber que sua mãe ia deixar a cadeia, poderá, no futuro, chorar de vergonha pela cena que, involuntariamente, foi obrigada a protagonizar.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “A prisão da mãe de um inocente”

  1. E o filho da vítima correria nos corredores do cemitério gritando que a nunca mais sairia do jazigo?!

    No processo penal é assim mesmo: esquecem-se da vítima e só focam os olhos no réu… É a destutela das vítimas!

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