O STF julgando – e sendo julgado. A democracia em sua plenitude

Li no Jornal Folha de São Paulo de hoje

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2908200902.htm

“Corda sempre estoura do lado fraco”, afirma ministro do STF

Marco Aurélio diz que Palocci era o “único beneficiado” pela violação do sigilo

Gilmar Mendes retruca e afirma que julgamento não foi moral, mas técnico, e que tribunal não fez uma “opção entre o poderoso e o caseiro”

Lula Marques – 27.ago.2009/Folha Imagem

Marco Aurélio na sessão do STF que discutiu a ação do caseiro

FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No dia seguinte ao julgamento que livrou o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci de responder processo criminal pela quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, por 5 votos contra 4, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello avaliou que “a corda acabou estourando do lado mais fraco”.
Marco Aurélio foi um dos quatro ministros que votaram pela abertura da ação para investigar Palocci. Assim como Cármen Lúcia, Ayres Britto e Celso de Mello, ele entendeu que havia indícios suficientes para transformá-lo em réu.
“Se você perguntar a qualquer um do povo se ele acha que Palocci mandou quebrar o sigilo, verá que a sensação é de que ele tinha interesse nisso. Ele é o único beneficiado. Isso é de uma clareza solar. A corda acabou estourando do lado mais fraco, como sempre.”
No Rio, o ministro Carlos Ayres Brito disse que “sigilo bancário é um direito fundamental e só pode ser quebrado com ordem judicial. E o caseiro é um homem simples, que teve a coragem de apresentar uma denúncia contra três autoridades. Para a denúncia, o que se exige são indícios, não uma prova cabal, que só é necessária para a condenação. Para mim existiam indícios, mas a maioria entendeu que não”, disse.
Os ministros vencidos argumentam que a denúncia continha todos os requisitos exigidos pelo Código do Processo Penal -a exposição do crime e os indícios contra os acusados.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, e outros quatro ministros -Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie- não entenderam assim e rejeitaram o pedido do Ministério Público Federal, por considerar que não havia provas suficientes de que Palocci tenha agido de forma irregular na violação do sigilo do caseiro.
Para Mendes, as investigações reuniram “meras suposições que não legitimam por si só a abertura de ação penal”: “O julgamento penal é um julgamento técnico, não se trata de um julgamento de caráter moral”, e a absolvição de Palocci não pode ser encarada como um conflito entre pessoas simples e poderosas: “As pessoas começam a colocar como se tivesse havido uma absolvição ou que o tribunal tivesse feito uma opção entre o poderoso e o caseiro. Não é nada disso”.
“Os fatos, todos eles, eram deploráveis. E o tribunal, entendendo que havia violação do sigilo feita por um funcionário do banco, Jorge Mattoso, recebeu a denúncia em relação a ele. Isso parece que está sendo esquecido”, disse. O STF só abriu processo contra Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal. O ex-assessor de Palocci Marcelo Netto também não será julgado.


Especialistas divergem sobre posição do STF

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2908200903.htm


DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão do STF em não aceitar a abertura de processo criminal contra o ex-ministro Antonio Palocci foi interpretada como “absolvição indevida” por uns e como cumprimento da lei por outros.
Os que falam em absolvição dizem que os ministros discutiram o mérito da denúncia ao apontar ausência de provas no suposto envolvimento da quebra de sigilo bancário. Afirmam que o tribunal só deveria apreciar a existência de indícios. A certeza sobre o caso seria discutida durante o processo.
Favorável a esse argumento, a procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, Luiza Cristina Frischeisen, disse que “é triste” ver o Supremo antecipar a produção de provas e discutir a abertura de uma ação como se fosse um julgamento.
“No recebimento de uma denúncia, exige-se que a autoria e a materialidade do crime estejam presentes. Depois, no curso do processo, discute-se se há provas suficientes. O Supremo, porém, discutiu se o ministro sabia ou não da quebra. Olha, tanto o Palocci sabia que, na época, ele perdeu o cargo! O que o STF fez foi uma “absolvição sumária'”, disse.
A procuradora regional da República Janice Ascari concorda. “O Ministério Público tinha indícios contundentes para abrir um processo contra Palocci. A decisão do Supremo, mais uma vez, é contrária à sociedade.”
Para o advogado Paulo Iasz de Morais a decisão não é comum, mas está amparada na lei. “Não é usual, mas é possível.”
Pierpaolo Bottini, advogado, diz que, se no recebimento da denúncia prevalecer a certeza da inexistência de indícios, não há sentido em abrir o processo. “Se há dúvida, o processo deve ser aberto, “in dubio pro societate” [na dúvida, em favor da sociedade]. Mas se o tribunal entende que não há indícios, não há dúvida, e, por isso, o processo não deve ser aberto.”
O advogado Adriano Vanni diz que, não havendo elementos suficientes contra Palocci, seria um “constrangimento enorme” fazê-lo passar por todo um processo para, ao final, descobrir que não há prova contra ele.
“Achei justa a decisão do STF, que entendeu que não há nos autos qualquer elemento de que o ex-ministro pediu a quebra do sigilo”, afirma.
Para a advogada Flávia Rahal, o conceito de indício é fluido, mas no caso de Palocci ela não vê qualquer indício contra o ex-ministro. “No máximo, suspeitas pessoais, mas não indícios jurídicos”.

FERNANDO RODRIGUES

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2908200904.htm

A cidadania pós-caseiro

BRASÍLIA – Levantar o braço e apontar algo de errado é um dever do cidadão. O caseiro Francenildo Costa tomou esse rumo. Relatou em 2006 as idas e vindas do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a uma mansão na qual lobistas se refestelavam em Brasília.
A partir daí, deu tudo errado para Francenildo. Foi perseguido pelo Estado brasileiro. Teve seu sigilo bancário quebrado. Três anos se passaram. A ação movida por ele contra a Caixa Econômica Federal continua sem solução. Ao mesmo tempo, Palocci já está livre, leve e solto, absolvido pela Justiça.
Esse episódio concluído pelo Supremo Tribunal Federal anteontem tem vários ângulos. O mais saliente do ponto de vista político eleitoral é Lula ter reabilitado um de seus quadros de elite. O outro aspecto é o conservadorismo do STF ao não enxergar indícios suficientes para processar Palocci.
Mas o efeito mais relevante da decisão do STF é desestimular cidadãos interessados em participar da vida pública. Tome-se o caso do momento no mundinho político de Brasília, a reunião nebulosa e pendente de confirmação entre Dilma Rousseff e Lina Vieira. Qual a chance de um motorista, secretária ou assessor de baixo escalão se animar e contar a verdade? Se tiverem juízo, todos ficarão calados.
Essa foi a lição ministrada pelo STF a caseiros, mordomos, secretárias e motoristas de poderosos: tomem cuidado. Suas palavras não valem nada. Terão efeito nulo se desejarem relatar alguma impostura.
Todos vocês correm o risco de terem suas vidas devassadas. Na Justiça local prevalecerá a tradição lusitana, ibérica e obcecada por provas irrefutáveis e cabais para dar início a um processo.
Ontem, sexta-feira, a Praça dos Três Poderes estava vazia -apesar de outro escândalo acabar de ser sepultado. É compreensível ninguém protestar. Tornou-se arriscado exercer a cidadania nestes tempos pós-Francenildo.

frodriguesbsb@uol.com.br

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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