Quando eu penso que já vi de tudo, acontecem coisas na minha vida profissional que jamais imaginei testemunhar. Hoje, pela manhã, realizando audiências gravadas, pedi a testemunha que colocasse o mp4 perto da boca, para que eu pudesse gravar a sua voz com nitidez. Acredito que eu tenha me comunicado muito mal, porque a testemunha, de posse do mp4, não teve dúvida: abriu a boca e ameaçou introduzi-lo. Nessa hora, segurando o riso, alertei a testemunha que não era para colocar o mp4 dentro da boca, mas perto da boca. Não preciso dizer que, depois da audiência, passada a formalidade, caímos todos no riso.
Mas o dia-a-dia de um magistrado não se faz de momentos hilários. Nessa mesma manhã a minha secretária entrou na minha sala com os olhos esbugalhados, do tipo de quem viu alma de bigode. Curioso com o inusitado quadro, tirei os olhos do processo para me transformar em ouvidos e ouvi-la dizer que, na secretaria, havia um acusado me fazendo sérias ameaças, em face de ter sido condenado. Estava ao meu lado, no momento dessa notícia, a minha filha, que vai, espontaneamente, às segundas e quartas-feiras me ajudar.
Não preciso de dizer que, por causa dela, fiquei preocupado. Todavia, em face da ameaça, não me abalei e nem me abalo. Já sofri muitas. Nada mais me intimida.
Quando essas coisas acontecem as pessoas dizem logo que é porque eu trabalho na área criminal. Não creio que seja só por isso. Toda profissão envolve risco. Lembro, a propósito, que já resolvi uma ameaça de morte a um urologista, porque tinha feito uma cirurgia e o paciente ficou impotente. Da mesma forma, já testemunhei ameaça de morte a um taxista, somente porque não ligou o taxímetro. E por aí vai. Ninguém esté imune a uma vendeta, máxima se lida apenas – ou quase – com meliantes perigosos. Se tiver que ser será. Um juiz não pode se intimidar com esse tipo de ameaça. A única coisa que posso é aguardar os acontecimentos, pois não adiante recorrer ao estado que ele não me dará segurança alguma.
A lição que fica desse episódio é que, por essas e por outras, muitos preferem mesmo não trabalhar. Para não correr risco, é só cuidar de dar liberdade pra todo mundo e não condenar ninguém. Mas não sou assim. Nada abala a minha convicção de que o agente público não pode se dar ao luxo de ser desleixado, afinal, para mim, tanto quanto se corromper é igualmente imoral e grave receber sem trabalhar.
Todavia é bom alertar: se não queres desagradar, se queres ser bonzinho, se queres ser simpático, o conselho que dou é não seguir o meu exemplo.