A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) divulgou, no último sábado (29/8), carta pública com críticas a resolução do Conselho Nacional de Justiça que criou a Meta 2. A Resolução 1, a primeira elaborada conjuntamente entre corregedores-gerais da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, foi fixada em fevereiro deste ano. A meta é que todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005 sejam julgados até o final do ano. No Paraná, 160 mil processos estão nessa situação.
Para os juízes da entidade, contudo, a resolução implicará na paralisia das varas durante os últimos quatro meses de 2009. “A consequência disto será nova acumulação de trabalho a ser enfrentada no futuro, à custa de novos sacrifícios dos juízes de primeiro grau, de indiscutíveis prejuízos ao serviço judiciário e, principalmente, ao povo, destinatário da nossa atividade”, registraram. Eles estimam que o atraso será em mais de 200 sentenças de mérito e acúmulo de dezenas de audiências.
Ainda segundo a entidade paranaenses, a resolução, a pretexto de solver problemas, cria outros ainda mais graves. Segundo eles, todas as varas iniciarão 2010 congestionadas. “A resolução do CNJ criará um círculo vicioso de mutirões, que só tornará a Justiça ainda mais lenta”, destacou a entidade. "Os objetivos impostos pela resolução, impossíveis de cumprir, autorizam-nos a recear, com tristeza, que a Instrução sirva apenas, ao fim e ao cabo, para expor os juízes, aos olhos da opinião pública e do CNJ, como culpados únicos pelo fracasso anunciado no cumprimento da Meta 2”.
Eficiência da meta
Quase seis meses depois de estipulada a Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça, metade dos tribunais está a menos de mil processos de atingir o objetivo: julgar até o final do ano todos os processos que deram entrada até 2005. Seis tribunais já atingiram a meta ou estão a menos de 10%. O CNJ não consegue, no entanto, dimensionar o tamanho real do trabalho para todo o Judiciário brasileiro cumprir a meta. Dos 91 tribunais, apenas 65 prestaram contas ao Conselho sobre o compromisso de desafogar a Justiça brasileira. Estes tribunais representam apenas 13% dos 38 milhões de processos ajuizados até 2005 e que estavam pendentes de julgamento no final de 2008. Na época, havia 74,9 milhões de processos em tramitação em todo o Judiciário.
A Justiça Estadual é o principal gargalo para o cumprimento da meta. Dos 38 milhões de processos que entraram no Judiciário até 2005, 33,7 milhões são da Justiça Estadual (88%). Esses 33,7 milhões representam mais da metade — 52% — do total de processos em tramitação na Justiça Estadual. Isso quer dizer que, para cumprir a Meta 2, os Tribunais de Justiça terão de julgar em 2009 metade de todos os processos em tramitação. Até agora, o CNJ sabe que os tribunais estaduais julgaram ínfimos 350,2 mil dos 33 milhões de casos. Mais uma vez, as estatísticas ficam distante da realidade: os TJs do Paraná, Amazonas, Maranhão e São Paulo.
A situação é menos crítica na Justiça do Trabalho e Federal, onde estão 12% dos processos que fazem parte da Meta 2. Na Justiça Federal, 3,2 milhões de processos ainda tramitavam em 2008. Destes, os cinco Tribunais Regionais Federais já julgaram 104 mil. Mais uma vez, o maior estado do país também está atolado de serviço. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) tem 1 milhão de processos para julgar, tarefa complicada. Isso porque essa quantidade representa metade de todos os processos do tribunal.
A Justiça do Trabalho é onde há menos processos distribuídos até 2005. Até o fim do ano, os tribunais deverão julgar pouco mais de 1,2 milhão. Pode parecer pouco em comparação ao resto, mas representa 42% de todos os processos da Justiça Trabalhista. Os Tribunais Regionais do Trabalho da 11ª, 13ª, 21ª e 22ª já cumpriram a meta. O TRT-14 está a sete processos de também alcançar o resultado.
Leia a carta
CARTA DE MARINGÁ
A Associação dos Magistrados do Paraná – AMAPAR, entidade que congrega os Juízes do Paraná, reunidos em Assembleia Extraordinária, tendo em vista o conteúdo da Instrução Normativa Conjunta n.º 01/2009, subscrita pelo Presidente e Corregedor-Geral da Justiça, torna pública a presente “Carta de Maringá”:
1. O cumprimento da referida Instrução Normativa, editada com a finalidade única de fazer com que todos os feitos distribuídos até dezembro de 2005 sejam julgados, implicará a paralisia completa das Varas e Juízos durante os últimos quatro meses de 2009. A consequência disto será nova acumulação de trabalho, a ser enfrentada no futuro, à custa de novos sacrifícios dos juízes de 1.º grau, de indiscutíveis prejuízos ao serviço judiciário e, principalmente, ao Povo, destinatário da nossa atividade;
2-Em alguns casos, esses meses em que o serviço atual permane cerá paralisado acarretarão o acúmulo de mais de duzentas sentenças de mérito e dezenas de audiências. Portanto, a IN 01, a pretexto de solver um problema, cria outros, ainda mais graves; nivela todas as Varas e Juízos – pois todas iniciarão 2010 congestionadas; não haverá, no ano vindouro, nenhuma Vara ou Juízo com serviço em dia; a IN 01 criará um círculo vicioso de mutirões, que só tornará a Justiça ainda mais lenta;
3-Preocupa-nos constatar que a IN 01 manda encerrar os 160 mil processos da Meta 2 até 31/12/2009, de qualquer modo, ainda que o custo seja a má qualidade da prestação jurisdicional e o desrespeito a direitos legítimos das partes, que serão atropelados nas sentenças improvisadas, proferidas com urgência, por juízes coagidos;
4- Preocupa-nos a ideologia que impregna as entrelinhas da Instrução, ao considerar os juízes “máquinas de proferir sentenças”, como se entrevê no § 9.º do artigo 3.º, que se refere à “capacidade de produção da unidade”, como se cada juiz fosse uma fábrica de produzir sentenças em série. Juízes não são “unidades de produção”, mas seres humanos. E as sentenças que proferimos não são produtos, mas decisões sérias, que afetam a vida, o patrimônio e a liberdade das pessoas. Reduzir juízes e partes a meros números em planilhas é uma idéia equivocada;
5- A IN 01 estabelece meta impossível de cumprir e ignora fatos simples da rotina judiciária. A maioria dos processos incluídos na Meta 2 não está pronta para receber sentença, pendentes a realização de perícia, de instrução, ouvir testemunhas, atos que não poderão ser presididos à distância, por juiz de outra Comarca;
6- O índice de produtividade usado pelo Tribunal para dividir os processos, 88 sentenças por mês, é uma média que inclui casos simples e complexos. É descabido esperar que um juiz consiga pro latar mais de 40 sentenças de mérito em feitos contestados num mês. E casos simples não ficam parados mais de quatro anos esperando julgamento: os 160 mil processos da Meta 2 são os mais complicados. Nessa lista não há julgamentos simples, somente sentenças de mérito. É humanamente impossível sentenciar 95 casos complexos num mês, como quer a IN 01, mesmo se todos os processos estivessem prontos para receber sentença, o que não ocorre;
7- Não foi considerado ainda o fato de que muitas varas não podem abandonar sua função cotidiana para fazer o trabalho de outras varas; as varas de infância e juventude e de família, por exemplo, têm processos com prioridade legal que não podem ser paralisados; grande contingente dos processos das varas criminais envolvem réus presos; o mesmo ocorre com as varas de execução penal. Os juízes dessas varas, todavia, receberam da IN 01 a mesma cota de processos, e, diante das suas situações peculiare s que não foram consideradas, serão duplamente prejudicados;
8- Os juízes diretores de fórum – os tais “subgestores da meta 2” – caso fosse possível contornar-se a questão legal da designação para proferir sentenças ser ato indelegável e privativo da Presidência do TJ – ver-se-iam forçados a despender tempo e energia no trabalho de classificar e redistribuir os processos, além de preencher os relatórios respectivos. Mas receberiam também a mesma cota de sentenças dos demais, com evidente prejuízo;
9- A IN 01 desconsiderou o esforço já feito pelos juízes que começaram a trabalhar para cumprir a Meta 2 em fevereiro último. Os processos encerrados desde então foram sumariamente desconsiderados na fixação da cota de redistribuição. Dessa forma, a IN 01 pune quem teve a iniciativa própria de cumprir a meta, trabalhou mais e com maior rapidez;
10- A IN 01 tratou igualmente situações desiguais, a o estabelecer cotas iguais para todos os juízes de entrância final, como se todos tivessem assessor e estagiário pagos pelo Tribunal. Os juízes dos juizados especiais e das varas de execuções penais, assim como os juízes de direito substitutos, não têm assessor, mas receberam a mesma cota de processos dos que têm. Além disso não se fez ressalva quanto à situação dos substitutos que estão sobrecarregados porque designados para atender mais de uma vara simultaneamente;
11- A IN 01 desrespeita princípios constitucionais como o do juiz natural e da vinculação do juiz ao processo em que conclui a instrução, porque delega a juízes de 1º grau diretores de fórum, o poder de redistribuir processos entre as varas sem qualquer critério objetivo prefixado. E viola a prerrogativa constitucional de inamovibilidade dos juízes porque a redistribuição de processos os compele a atuar em outro órgão jurisdicional que não aquele inerente ao cargo ocupad o. A IN 01 contraria também a regra de que a competência não se prorroga senão nos casos expressos em lei, como conexão e continência, e só por ato do juiz: definir competência é matéria jurisdicional, não administrativa. A autoridade dos subscritores da IN 01 é, neste caso, administrativa e não jurisdicional;
12- Ademais a IN 01/09, ao autorizar a paralisação de processos não incluídos na Meta 2, viola a regra do impulso oficial imposta por lei, e prorroga por ato administrativo prazos também impostos por lei. Essa paralisação malfere os princípios da continuidade do serviço público e do funcionamento ininterrupto do Poder Judiciário;
13- A IN 01/09 castiga os juízes de 1.º grau, tratando-os como se fossem os responsáveis pela obstrução da Justiça, ignorando o fato de que essa obstrução resulta da omissão do Tribunal, ao longo dos anos, em fornecer estrutura compatível com o volume de trabalho, bem assim propor regras mai s razoáveis de organização e divisão do trabalho;
14- Os objetivos impostos pela IN 01, impossíveis de cumprir, autorizam-nos a recear, com tristeza, que a Instrução sirva apenas, ao fim e ao cabo, para expor os juízes, aos olhos da opinião pública e do CNJ, como culpados únicos pelo fracasso anunciado no cumprimento da Meta 2;
15- A IN 01 não deixa transparecer a menor intenção da Administração em dotar o 1.º grau da estrutura necessária. Indica, ao contrário, que a pretensão do TJPR é aumentar a produtividade à custa exclusivamente do sacrifício dos juízes, da qualidade da prestação jurisdicional e da própria eficiência, vocação e idealismo de cada magistrado, tendo em vista o esforço conjunto que exige de todos;
16- Infelizmente, a IN 01 perpetua a cultura que inspirava a administração judiciária nas décadas passadas: impor os fins e não prover os meios. O TJPR não demonstra, ademais, que tenha cumprido, ou tentado cumprir, as outras nove (9) metas de nivelamento sugeridas pelo CNJ, as quais, acaso cumpridas, forneceriam aos juízes de 1.º grau meios e recursos para produzir mais;
17- Embora a IN 01 afirme que a concretização da Meta 2 é objetivo institucional do Poder Judiciário do Paraná, pelos termos da Instrução somente uma parcela dos membros desse Poder terá de envidar esforços. Os Gabinetes dos Desembargadores poderiam, por exemplo, ceder dois assessores para auxiliar na redação de minutas de sentenças – e os Substitutos em Segundo Grau, que também contam com um assessor, seriam designados para proferi-las. Com essa medida, ter-se-ia cerca de trezentos e cinqüenta (350) servidores e juízes participando desse esforço conjunto;
18- Também não se vê na IN 01 indicativo da parcela de sacrifício a ser assumida pela cúpula do Tribunal – em especial pela Corregedoria-Geral da Justiça – para cumprir a Meta 2. Os juízes auxiliare s deveriam paralisar suas atividades administrativas para colaborar no mutirão, proferindo sentenças.
Por fim, ressalte-se que os Juízes do Paraná estão dispostos aos maiores sacrifícios, em prol da sociedade. Trabalharemos até a exaustão. Faremos mutirões. Participaremos de força-tarefa. Os juízes de cada uma das Coordenadorias se irmanarão, em auxílio mútuo, para julgar no mais curto espaço de tempo os processos pendentes – e, simultaneamente, cumprir da melhor forma possível as exigência do dia-a-dia.
Mas com absoluta independência, sem pressões que atinjam a convicção pessoal do magistrado e tampouco afetem a atividade essencialmente jurisdicional. Juiz é agente de Poder, não "unidade de produção". Juiz não é robô. É uma pessoa que analisa e julga dramas humanos, que jamais poderão ser reduzidos a números frios, sem vida e sem alma.
É no mínimo contraditório que, em nome da "razoável duração do processo", permita-se deliberadamente o atraso de feitos que reclamam decisões tempestivas e adequadas à realidade dos nossos dias.
A Magistratura do Paraná espera, firmemente, que essa malsinada Instrução Normativa seja substituída por uma Resolução do Órgão Especial, com a coerência que caracteriza os atos do Colegiado máximo do Tribunal de Justiça – e que esse triste episódio seja relegado ao mais completo esquecimento.
Maringá, 29 de agosto de 2009.
Desembargador MIGUEL KFOURI NETO
Presidente da AMAPAR
Fonte: CONJUR