Juízes dizem que Meta 2 do CNJ virou martírio

Li no Consultor Jurídico


http://www.conjur.com.br/2009-set-08/meta-conselho-nacional-justica-vira-martirio-juizes


POR GLÁUCIA MILÍCIO

Juízes federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul são unanimes ao afirmar que a Meta 2, definida pelo Conselho Nacional, vai atrapalhar em vez de ajudar a baixar a pilha de processos que aguardam julgamento nas varas espalhadas pelo país. O objetivo é que todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005 sejam julgados até o final deste ano. Para os juízes, representados pela Ajufesp (Associação dos Juízes Federais de SP e MS), a meta poderá acarretar acúmulo de novos processos e, por isso, cobram mais estrutura.

Em nota pública, a Ajufesp afirma que as varas federais têm realidades e acervos distintos, algumas com quadro funcional reduzido e maior número de demandas antigas, como as varas que julgam processos previdenciários ou os Juizados Especiais Federais, onde existem situações específicas, como a necessidade de obter documentos antigos para o julgamento de demandas relativas à seguridade social. Com isso, os juízes pedem que o fornecimento de estrutura adequada de material e de pessoal seja simultâneo à fixação de qualquer meta, para que ela não se torne inatingível.

“Não se discutem os benefícios da fixação de metas de trabalho, ainda que seus critérios possam ser questionados. Todavia, discorda-se do tratamento da questão sob a perspectiva da responsabilidade funcional. Mais do que avaliar os processos que não foram julgados, devem ser analisados os processos que receberam o devido andamento, considerando a complexidade de cada demanda”, argumenta a associação.

A Ajufesp também é contra a adoção de medidas que impliquem punição ou interferência no processo de promoção ou ascensão na carreira dos magistrados que não atingirem a Meta de Nivelamento 2.

Recentemente, a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) divulgou carta pública com críticas à resolução do Tribunal de Justiça do estado editada para cumprir a Meta 2 do CNJ. A Instrução Normativa 1 foi assinada pelo corregedor e pelo presidente do TJ. Para os juízes da entidade, a resolução implicará na paralisia das varas durante os últimos quatro meses de 2009. “A consequência disto será nova acumulação de trabalho a ser enfrentada no futuro, à custa de novos sacrifícios dos juízes de primeiro grau, de indiscutíveis prejuízos ao serviço judiciário e, principalmente, ao povo, destinatário da nossa atividade”, registraram. Eles estimam que o atraso será em mais de 200 sentenças de mérito e acúmulo de dezenas de audiências.

Ainda segundo a entidade paranaense, a instrução normativa, a pretexto de solver problemas, cria outros ainda mais graves. Segundo eles, todas as varas iniciarão 2010 congestionadas. “A resolução criará um círculo vicioso de mutirões, que só tornará a Justiça ainda mais lenta”, destacou a entidade. “Os objetivos impostos pela resolução, impossíveis de cumprir, autorizam-nos a recear, com tristeza, que a Instrução sirva apenas, ao fim e ao cabo, para expor os juízes, aos olhos da opinião pública e do CNJ, como culpados únicos pelo fracasso anunciado no cumprimento da Meta 2.”

Em artigo publicado pela Consultor Jurídico no último dia 31, o secretário-geral da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, juiz Antonio Sbano também reclamou da Meta 2. Segundo ele, a meta é ambiciosa. “Todo sistema novo, ainda que traga em sua essência a vontade de todos nós para a construção de um Judiciário célere e de qualidade, esbarra, como é natural, em falhas decorrentes do novo e do desconhecido, que devem ser sanadas com humildade e bom senso”, registrou.

Ele também acrescenta que, para atingir os objetivos traçados, alguns tribunais, como medida de última hora, suspenderam as férias de seus juízes, “esquecendo-se que, os magistrados apresentam elevado grau de estresse em razão de suas condições de trabalho e que muitos assumiram compromissos para período de férias — já deferidos, vale dizer. Eles ficarão sujeitos a multas e perdas financeiras para transferir, sabe-se lá para quando, o novo período de gozo de seu direito” finaliza.

Leia a nota da Ajufesp

NOTA PÚBLICA – META DE NIVELAMENTO 2

A AJUFESP – Associação dos Juízes Federais de SP e MS, considerando a interpretação dada pelos tribunais quanto ao cumprimento da meta estabelecida no II Encontro Nacional do Judiciário, de julgar, na integralidade, todos os processos distribuídos até 31/12/2005, bem como a Resolução Conjunta n° 01/2009, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e o Provimento n° 106, da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 3ª Região, manifesta-se a seguir:

1 – Todos os magistrados têm interesse em julgar a totalidade dos processos sob sua responsabilidade e, cotidianamente, se empenham para esse fim;

2 – processo julgado não significa processo transitado em julgado, ou seja, a ação ainda não acabou, normalmente cabendo algum tipo de recurso em primeira ou segunda instância;

3 – os juízes não podem desrespeitar o devido processo legal, encontrando limites no que determina a lei e nos prazos e atos que dependem de terceiros, assim há, por exemplo, processos que aguardam a realização de perícias, atos que cabem às partes ou cumprimento de Cartas Precatórias. Na área criminal, feitos que aguardam o cumprimento da suspensão condicional do processo, etc.

4 – existem processos aos quais, por lei, deve ser dada prioridade de análise, não importando a data em que foram distribuídos, tais como processos com réus presos, Mandados de Segurança, demandas ajuizadas por idosos, entre outros;

5 – é preciso considerar que as Varas Federais têm realidades e acervos distintos, algumas com quadro funcional reduzido e maior número de demandas antigas, como, por exemplo, as Varas que julgam processos previdenciários ou os Juizados Especiais Federais, onde existem situações específicas, como a necessidade de obter documentos antigos para o julgamento de demandas relativas à seguridade social, no intuito de assegurar a produção da prova e contornar dificuldades decorrentes da hipossuficiência técnica dos jurisdicionados, que não pode ser desprezada;

6 – o fornecimento de estrutura adequada de material e de pessoal deve ser simultâneo à fixação de qualquer meta, para que ela não se torne inatingível;

7 – há Varas com grande quantidade de processos antigos, sob responsabilidade de juízes que as assumiram recentemente e eles não podem ser cobrados por um acervo que não surgiu em sua jurisdição, sem que lhes seja dado tempo hábil para solucionar a questão;

8 – não se discutem os benefícios da fixação de metas de trabalho, ainda que seus critérios possam ser questionados. Todavia, discorda-se do tratamento da questão sob a perspectiva da responsabilidade funcional;

9 – mais do que avaliar os processos que não foram julgados, devem ser analisados os processos que receberam o devido andamento, considerando a complexidade de cada demanda;

10 – a função essencial de um juiz não é fazer números, mas JUSTIÇA, pois por trás de cada processo há um cidadão à espera da análise do seu caso individual;

11 – o número de sentenças proferidas deve ser levado em conta, mas não pode ser considerado de forma isolada para a aferição da produtividade de um magistrado, pois os resultados numéricos são enganosos. Montanhas de sentenças não significam que serão realizadas na prática. Esse modelo de números serve apenas para uma fábrica de parafusos. Decisões precisam de execução;

12 – Em razão desses fatos, a Ajufesp é contrária à adoção de medidas que impliquem punição ou interferência no processo de promoção ou ascensão na carreira dos magistrados que não atingirem a Meta de Nivelamento 2.

São Paulo, 8 de setembro de 2009.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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