Para não esquecer

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Publico, a seguir, excertos do envolvente – e deprimente – livro Adeus, China – O Último bailarino de Mao (Editora Fundamento,, páginas 73 e 74, 2007), de memórias de Li Cunxin, que saiu da pobreza e da miséria na China de Mao para ser um dos maiores bailarinos do mundo.

Li Cunxin nasceu em 1961, em Vila Nova, na Comuna de Li, perto da cidade de Qingdao, costa nordeste da China. O sexto de sete filhos em uma família pobre da área rural, Li viu sua vida de camponês na China Comunista de Mao mudar drasticamente quando, aos 11 anos de idade, foi escolhido pelos conselheiros culturais de madame Mao para estudar na Academia de Dança de Pequim. Depois de um curso de verão nos Estados Unidos, para o qual foi um dos dois únicos selecionados, desertou para o Ocidente, tornando-se o primeiro bailarino do Houston Ballet.

Abaixo o excerto, do qual se extrai quão nefasta pode ser uma ditadura – de direito, de esquerda ou de centro. Pouco importa. Ditadura é ditadura.

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  • “[…]Até o respeitável chefe da vila foi acusado de contra-revolucionário .Eu e meus irmãos vimos quando um grupo de acusados teve de percorrer a vila com pesados quadro-negros pendurados no pescoço e chapéus de papel branco na cabeça. Cada um tinha os crimes anotados a giz no quadro e o nome escrito no chapéu. Deviam ficar de pé sobre uma plataforma armada no centro da praça da comuna e confessar seus crimes à multidão reunida em volta. Fomos lá para olhar. Os oficiais e guardas vermelhos distribuíram folhetos de propaganda. O barulho feito pela multidão era terrível. Usando um megafone, um homem gritava slogans incessantemente. As pessoas riam e zombavam. Durante a confissão, o acusado tinha de baixar a cabeça e se desviar dos objetos contra ele. Cabeça erguida sinal de arrogância, teimosia ou definitiva contaminação pela corrupção capitalista. O acusado nunca estava certo: se falava baixo, era agredido e acusado de esconder alguma coisa; se falava alto, era agredido do mesmo jeito e acusado de “atitude ostensiva típica de latifundiários”. Suas confissões eram quase sempre interrompidas pelo homem do megafone, que gritava slogans revolucionários, como “Derrubem e matem os capitalistas!”, ou “Não permitam a volta de Chiang Kaishek e dos latifundiários”, ou ainda “Não se esqueçam da vida cruel de antigamente e lembrem-se da doce vida da nova China!” E, é claro, havia os intermináveis brados de “Vida longa ao chefe Mao! Vida longa ao chefe Mao!”. Os revolucionários puxavam constantemente a cabeça dos contra-revolucionários para trás, humilhando-os ainda mais. Com isso, às vezes, o chapéu caía, deixando à mostra a cabeça raspada – o que faziam para evitar que fossem puxados pelos cabelos[…]”

Outro excerto, com a mesma finalidade:

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  • “[…]Durante a Revolução Cultural, assisti a muitos desfiles e reuniões. Os guardas vermelhos diziam estar eliminando os inimigos da classe, o que incluía donos de terras, proprietários de fábricas, homens de negócios bem-sucedidos, membros do Partido Guomindang e oficiais do exército, intelectuais e qualquer um que pudesse representar uma ameaça ao governo comunista. Mas houve uma situação cuja simples lembrança até hoje faz meu coração sangrar. Era um grupo grande. Como sempre, eu e os colegas fomos atrás. Ouvimos o líder comunista ler as sentenças de cerca de quinze donos de terras, proprietários de fábricas e contra-revolucionários. Em seguida, foram todos embarcados em um caminhão. De longe, viam-se os chapéus brancos pontudos com os nomes escritos em tinta preta e riscados por uma grande cruz vermelha. Foram todos levados para um campo nas proximidades. Apesar das recomendações dos adultos, eu e meus colegas seguimos o caminhão, correndo o mais depressa que conseguíamos. Quando chegamos ao local, já encontramos uma multidão alvoroçada, disposta em semicírculo diante dos acusados. Era tanta gente que ninguém nos percebeu agachados, espiando entre as centenas de pernas.Vi homens de pé junto de um barranco. Alguém iniciou um contagem. Dois homens caíram de joelhos. Um deles começou a gritar; Sou inocente! Sou inocenete! Não fiz nada de errada!. Deixem-me viver!Outro gritava; – Tenho filhos pequenos! Vão morrer de fome sem mim! Tenham piedade de minha família!Então, ouvi alguém contar; Yi, er, san! ( Um, dois, três…) Armas dispararam. O ruído me cortou o coração. Espirrou sangue para todo lado. Os corpos caíram. Gritei e corri para casa o mais rápido que pude[…]”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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