Sentença condenatória. Latrocínio tentado

 

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“[…]Sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como crime, como se deu no caso presente, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador.

O acusado, portanto, com sua ação, descumpriu uma obrigação que lhe tinha sido imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir, in abstracto, do Estado.

Do descumprimento, pelo acusado, da obrigação derivada da norma incriminadora, nasceu para o Estado o direito concreto de puni-lo, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção prevista no preceito secundário(sanctio iuris) do comando normativo eventualmente afrontado[…]”

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis,Estado do Maranhão


Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de latrocínio tentado.

Antes da questão de fundo, tive que enfrentar duas preliminares da defesa.

Antecipo, a seguir, os argumentos com os quais enfrenei uma das preliminares, verbis:


  1. É claro, não se há de negar, que o Ministério Público, ao capitular o crime, o fez de forma equivocada. Tal equívoco, inobstante, não induz à conclusão de que pretendesse a condenação do acusado por crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e, no mesmo passo, por crime de latrocínio tentado.
  2. Compreendo que entrever essa pretensão na prefacial é muito mais grave do que a falta de zelo do órgão ministerial na elaboração da denúncia, mesmo porque, é consabido, a definição jurídica do fato quem dá é o julgador, que pode, alfim da instrução, dar definição jurídica diversa da dada pelo Ministério Público, afinal entre nós sobreleva os brocados narra mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia.
  3. A conclusão, pois, a par dos termos em que está vazada a proemial, é que o Ministério Público ofertou denúncia contra E. V. B., imputando a ele a prática, tão somente, do crime de latrocínio tentado, inobstante tenha se equivocado na capitulação, equívoco reparado pelo próprio representante ministerial, quando do oferecimento das alegações finais.
  4. O Ministério Público, com efeito, ao ofertar as alegações finais, pediu a procedência da ação, para que o réu fosse condenado nas penas do artigo 157, §3º, do CP, sendo razoável concluir que, por se tratar de crime mais grave, o latrocínio absorve o crime de roubo qualificado pelo emprego de arma – menos grave, portanto.
  5. É bem de se ver, definitivamente, que, in casu sub examine, em face dos fatos albergados na proemial, está-se a cuidar de crime de latrocínio tentado e não de crime de roubo qualificado pelo emprego de arma.
  6. É de relevo que se conclua, ademais, que o Ministério Público apenas equivocou-se se, quando da capitulação, de cujo erro, é curial compreender, não resultou qualquer prejuízo à defesa do acusado.

A seguir, a decisão por inteiro.


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PODER JUDICIÁRIO

FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS-MA

JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL

SÃO LUIS-MARANHÃO

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Processo nº 89102007

Ação Penal Pública

Acusado: E.B.

Vítima: C. R. A.

Carta aberta aos Promotores de Justiça Cláudio Alberto G. Guimarães e José Cláudio A.L. Cabral Marques

“Vivemos, não se há de negar, momentos tormentosos. Vivemos, a olhos vistos, uma crise moral sem precedentes. As instituições estão em frangalhos. A autoridade pública está se esvaindo, definhando, perdendo força, se desmilinguindo, por falta de credibilidade, de ideal, de entrega, de força de vontade.

Vivemos, nos dias atuais, a cultura da impunidade, da algazarra, da falta de pudor, do desvario, da licenciosidade. E às favas a ordem pública! Que se danem as pessoas de bem! […]

“[…]Nessa passarela de verdadeira desordem social, de flagrante inversão de valores, desfilam, empertigados e insensíveis, alguns dos nossos homens públicos, que exercem o poder sem a exata dimensão do seu papel, seguindo a balada dos omissos, louvando a acomodação, enaltecendo as máximas do conformismo, impregnados a toda evidência de vaidade; todavia destituídos de consciência do seu verdadeiro papel.[…}”

“[…]Não custa lembrar que quem exerce cargo público não se manda. Quem exerce cargo público não tergiversa. Quem exerce uma função pública não tem inimigos, adversários não tem. Quem exerce o poder público tem metas. E tem que se entregar. Tem que colaborar. Esse é o comando. Esse é o rumo. Essa é a direção. Por isso, não arrefeçam o ímpeto por lhes negarem apoio[…]”

Falem alto para que a sociedade saiba quem está se omitindo, de onde não lhes veio o apoio necessário, quem tem agido em detrimento da Operação Manzuá, quem, podendo fazer, se omite e quem, não se omitindo, faz acontecer para que ela não alcance o seu desiderato.[…]”

“{…]Os que fazem apologia do “quanto-pior-melhor”, não podem sobrepujar as ações das pessoas de bem, das pessoas comprometidas com a ordem pública, cujo exemplo maior, nos dias presentes, são as ações desenvolvidas pelos senhores na Operação Manzuá.[…]”

“[…]Os senhores saíram da inércia, deram a cara pra bater. Enfrentaram os apóstolos do caos, fincaram pé, não arredaram, inicialmente. Têm, agora, que ir em frente[…]”

“[…]Os senhores abdicaram do sossego e do conforto pessoal, para dar sossego e conforto a muitos de nós, que vivíamos as agruras de ter que conviver com os seguidores da cultura da baderna, do afrontamento da ordem pública, do desrespeito às leis.[…]”

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra E. B., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I, e §3º, do Código Penal, de cuja denúncia colho os seguintes fragmentos, verbis:

O auto de prisão em flagrante que inaugurou a peça inquisitorial, informa que em 14/04/2007, por volta das 09h00 da manhã, na estrada que dá acesso ao terminal de ferry-boat, da ponta da espera, no bairro do Anjo da Guarda, nesta capital, o acusado, que havia fretado o moto-táxi pertencente ao Sr. C. R. A., rumo ao terminal do ferry-boat, pediu ao Sr. C., que rumasse para uma estrada vicinal, e ao chegarem num local ermo, E. sacou um revólver cal. 38, efetuou três disparos contra o Sr. C., fugindo em seguida com a motocicleta deste último(Sic).

Adiante:

O réu, pilotando a moto Honda NXR 125 Bros ES, placas HPX 6298, cor vermelha, modelo 2005, fugiu do local do crime, e embarcou no ferry-boat, com destino a baixada. A vítima, porém, apesar dos três tiros recebidos, conseguiu arrastar-se até as margens da estrada de acesso a Ponta da Espera e, pediu socorro a um taxista que passava, os quais socorreram a vítima e ouviram desta última, que o assaltante fugira com a moto supracitada, em direção ao terminal do ferry (Sic).

A persecução criminal teve início com o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado (fls. 06/11).

Auto de apresentação e apreensão e entrega às fls. 13.

Recebimento da denúncia às fls. 40/41.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 51/54.

Defesa preliminar às fls. 58/61.

Laudo de exame em arma de fogo às fls.65/67.

Exame de corpo de delito às fls.78.

Exame complementar às fls.79.

Durante a instrução criminal foram ouvidas a vítima (fls.98/99) e as testemunhas E. V. B. (fls.104), M. G. S.M. (fls.110), I. dos S.V. (fls.111) e A. de O. M. N. (fls.112).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos do artigo 157,§3º, do CP (fls.113/114)

A defesa, de seu lado, alegou I-inépcia da denúncia, em face de não conter a exposição do fato criminoso; II – a anulação de todos os atos, em face em face da falta de clareza da denúncia; III – o não acolhimento do pedido de condenação feito na exordial, pois que com ele o Ministério Público pretende que o acusado seja punido, duas vezes, pelo mesmo fato; e IV – que a ação do acusado não é típica, vez que agiu em legítima defesa (fls.115/119)

Relatados. Decido.

01.00. Antes da analise das provas produzidas, devo expender considerações acerca das preliminares da defesa, agitadas em sede de alegações finais.

02.00. Ao que dimana das alegações finais, a defesa alega, preliminarmente, o seguinte:

I – que a denúncia é inepta pois que lhe falta a descrição fática do crime de latrocínio tentado, sabido que a denúncia, de lege lata, deve conter a exposição do fato criminosos, com todas as suas circunstâncias;

II – que o Ministério Público, na denúncia, pugna pela punição do acusado, duas vezes, pelo mesmo fato, o que caracteriza bis in idem, pois que pretende a punição do acusado por crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e por crime de latrocínio tentado(Sic)

03.00. Assim postas as preliminares, devo, agora, sobre elas expender as minhas considerações.

04.00. Importa dizer, de início, que nenhum acusado se defende de capitulação. Acusado se defende, todos sabemos, de fatos. E os fatos, ao que observo, estão narrados na denúncia, de modo a possibilitar ao demando o exercício pleno de sua defesa, nos moldes preconizados na Carta Política em vigor.

05.00. É claro, não se há de negar, que o Ministério Público, ao capitular o crime, o fez de forma equivocada. Tal equívoco, inobstante, não induz à conclusão de que pretendesse a condenação do acusado por crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e, no mesmo passo, por crime de latrocínio tentado.

06.00. Compreendo que entrever essa pretensão na prefacial é muito mais grave do que a falta de zelo do órgão ministerial na elaboração da denúncia, mesmo porque, é consabido, a definição jurídica do fato quem dá é o julgador, que pode, alfim da instrução, dar definição jurídica diversa da dada pelo Ministério Público, afinal entre nós sobreleva os brocados narra mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia.

07.00. A conclusão, pois, a par dos termos em que está vazada a proemial, é que o Ministério Público ofertou denúncia contra E.B., imputando a ele a prática, tão somente, do crime de latrocínio tentado, inobstante tenha se equivocado na capitulação, equívoco reparado pelo próprio representante ministerial, quando do oferecimento das alegações finais.

07.01. O Ministério Público, com efeito, ao ofertar as alegações finais, pediu a procedência da ação, para que o réu fosse condenado nas penas do artigo 157, §3º, do CP, sendo razoável concluir que, por se tratar de crime mais grave, o latrocínio absorve o crime de roubo qualificado pelo emprego de arma – menos grave, portanto.

08.00. É bem de se ver, definitivamente, que, in casu sub examine, em face dos fatos albergados na proemial, está-se a cuidar de crime de latrocínio tentado e não de crime de roubo qualificado pelo emprego de arma.

09.00. É de relevo que se conclua, ademais, que o Ministério Público apenas equivocou-se se, quando da capitulação, de cujo erro, é curial compreender, não resultou qualquer prejuízo à defesa do acusado.

10.00. A segunda preliminar agitada é apenas um desdobramento da primeira, disso resultando que, uma vez evidenciado que o Ministério Público não pretendia que o acusado fosse punido duas vezes, pelo mesmo crime, a quaestio resta enfrentada, a mais não poder, pelas razões acima expostas.

10.01. Essa questão, de tão elementar, não demanda maiores considerações, mesmo porque, a meu ver, só condenaria o acusado duas vezes, pelo mesmo crime, um magistrado que não estivesse no pleno gozo de suas faculdades mentais.

11.00. A verdade, pura e simples, é que a defesa, na tentativa de desqualificar a acusação, envereda por uma trilha íngreme, pois que, ao se pode ver, se a peça vestibular não é um primor, se é descuidada e sem esmero, não se pode, só por isso, concluir que se trate de peça írrita, pois que ela alcança, sim, a sua finalidade, qual seja a de narrar os fatos imputados ao acusado, de modo a lhe garantir o exercício da ampla defesa.

12.00. Creio que a questão, em face de sua singeleza, não está a demandar maiores considerações, pelo que a considero superada, seguindo, agora, sem mais demora, ao exame da questão de fundo, à luz das provas que foram produzidas ao longo da caminhada instrutória, jornada probatória que se desenvolveu, como sói ocorrer, em dois momentos distintos – sedes judicial e administrativa, como de praxe no Direito Positivo brasileiro.

13.00. A ação dos órgãos persecutórios teve início com o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado (fls.06/11).

14.00. Do auto de prisão em flagrante, a me compelir à reflexão oportuno tempore, a opção do acusado pelo silêncio (fls. 11), silêncio que foi rompido seis dias depois, quando o acusado, finalmente, decidiu apresentar a sua versão acerca do fato.

14.01. Na oportunidade o acusado disse que, a vítima, em verdade, o tinha assaltado em outra época e que agiu apenas para ajustar contas com ela (vítima) (fls.26).

14.01.01. Mais adiante o acusado aduziu que não pretendia roubar a moto e que a utilizou apenas para deixar o local e que embarcou no ferry-boat porque queria ir a Pinheiro a passeio (ibidem).

15.00. O acusado disse, ademais, que quando reconheceu a vítima como sendo a pessoa que o assaltara dias atrás, disparou contra ela três vezes (ibidem).

16.00. Em vista da linha defesa do acusado infere-se, a priori, o que o que desejava mesmo era fazer justiça com as próprias mãos.

17.00. Todavia, ainda é cedo para uma conclusão.

17.01. É necessário, pois, ir adiante no exame das provas amealhadas.

18.00. Pois bem. Da mesma sede avulta de importância a apreensão, em poder do acusado, da arma instrumento do crime (fls.13), que foi periciada, tendo os jusperitos concluído que a mesma tinha eficiência para efetuar disparos (fls.65/67).

19.00. Das provas produzidas em sede extrajudicial ponho em relevo, finalmente, o exame de corpo de delito de fls.78 e o exame complementar de fls.79, dos quais entrevejo a constatação da natureza da lesão produzida no ofendido.

20.00. Tendo às mãos o caderno administrativo, o Ministério Público ofertou denúncia contra E. B. (ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), à alegação de ter malferido a ordem pública, fazendo subsumir a sua ação no artigo 157, §3º, do Codex Penal.

21.00. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando ao acusado o exercício da ampla defesa, sabido que o réu se defende da descrição fática e não da classificação do crime, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.

22.00. Tudo isso porque, sabe-se, entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e, também, motivá-la por meio da propositura da ação penal.

23.00. Na jurisdição penal, ressabe-se, a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva.

23.01. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.

24.00. O acusado foi interrogado, às fls. 51/53, de cujo depoimento destaco os seguintes fragmentos:

I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;

II – que não sabe por que estão lhe acusando;

III – que, no dia do fato, se dirigiu à Ponta da Espera, para pegar ferry-boat, com destino a pinheiro;

IV – que foi para o ferry – boat de moto;

V – que, no trajeto, sentiu necessidade de urinar;

VI – que quando o condutor da moto levantou o capacete, o reconheceu como o autor de um assalto que sofrera alguns dias antes;

VII – que abordou o ofendido, tendo este lhe agredido com as duas mãos em seu peito;

VIII – que, em face dessa agressão caiu no chão, quando então se recordou de uma arma de fogo que trazia consigo, dela sacando e efetuando três disparos contra a vítima.

25.00. O acusado, mais adiante, asseverou:

I – que efetuou os disparos, porque a vítima colocou as mãos nas costas, dando a entender que ia fazer uso de uma arma de fogo;

II – que, em seguida, fugiu com a moto do ofendido;

III – que, no terminal do ferry-boat pretendia entregar a moto e a arma à polícia;

IV – que, no entanto, não o fez, porque não encontrou nenhum policial;

e

V – que, por isso, dirigiu-se ao ferry-boat, onde pretendia relatar o ocorrido aos policiais que estivessem por lá, mas não encontrou nenhum.

26.00. O acusado, mais adiante, disse:

I – que não noticiou o assalto que sofrera antes;

e

II – que assim procedeu, porque o valor subtraído foi irrisório.

27.00. Dando sequência à produção de provas, foi ouvida vítima, às fls.98/99.

28.00. Do depoimento do ofendido sobreleva destacar os seguintes excertos:

I – que foi contratado pelo acusado para fazer uma corrida até a Ponta da Espera;

II – que o acusado usava uma farda do Exército;

III – que o acusado disse que pretendia se dirigir a um centro de treinamento do Exército;

IV – que, para chegar ao destino pretendido pelo acusado, entrou numa área de mato, próximo a Ponta da Espera; e

V – que, dentro do mato, o acusado mandou o ofendido parar, dizendo que daí seguiria a pé, porque a guarnição do exército estava próximo.

29.00. Vê-se que, até aqui, tudo parecia dentro da normalidade.

29.01. Mas o que parecia normal, se constituiu, depois, em um pesadelo para a vítima, como se vê, agora, nos excertos que vou destacar a seguir, apanhados no mesmo depoimento:

I – que foi surpreendido com a ação do acusado, que sacou uma arma de fogo, apontando-a na direção de sua cabeça, determinando que colocasse as mãos sobre a cabeça e saísse andando na frente;

II – que o acusado, em seguida, determinou que o declarante se deitasse no chão, para, em seguida, efetuar um disparo na direção de sua cabeça;

III – que o disparo atingiu a sua mão e sua cabeça;

IV – que o acusado efetuou mais um disparo, desta feita atingindo apenas a mão direita do declarante;

V – que, em face das lesões, apresenta deformidade permanente na mão direita;

VI – que o acusado, logo após, efetuou um terceiro disparo, desta feita nas costas do declarante, cujo disparo atingiu a sua coluna;

VII – que um dos disparos efetuados atingiu a boca do declarante quebrando-lhe seis dentes;

IX – que resolveu sair correndo, se escondendo dentro do mato;

X – que o acusado depois levou a sua moto;

XI – que, com muitas dificuldades, saiu se arrastando até a estrada que leva ao ferry-boat.

30.00. Em face dos argumentos da defesa e acerca dos bens subtraídos, o ofendido afirmou:

I – que em nenhum momento o acusado falou em urinar;

II – que em nenhum momento o acusado falou que o declarante o tenha assaltado em qualquer época; e

III –que o acusado subtraiu a moto, dois capacetes, um celular, uma equipagem de futebol e uma capa de chuva.

31.00. Vê-se, à luz acima exposto, a par dos depoimentos do acusado e do ofendido, que há duas versões para o mesmo fato.

31.01. É necessário, por isso, que prossigamos analisando a prova produzida, para, alfim, concluir acerca da verdade que dimana dos autos.

32.00. Pois bem. Do almanaque probatório produzido em sede judicial destaco, ademais, às fls. 110, o depoimento de M. G. S. M., que, dentre outras coisas, disse:

I – que, ao tempo do fato, na condição de Policial Militar, estava de serviço no Terminal do ferry-boat, na Ponta da Espera;

II – que se recorda que o acusado foi abordado quando passou pela corporação, com destino ao ferry-boat, estando o mesmo pilotando uma moto e usando uma farda do exército brasileiro;

III – que, algum tempo depois, foi informado que havia uma pessoa ensanguentada próximo da estrada que dá acesso ao ferry-boat;

IV – que se dirigiu ao local e encontrou o desconhecido, que lhe informou ter sido vítima de um assalto;

V – que o autor do crime teria sido uma pessoa que usava farda do exército;

VI – que quando encontraram o acusado, no ferry-boat, o mesmo estava no banheiro tirando a farda do exército e vestindo outra roupa;

VII – que com o acusado foi encontrada uma arma de fogo, que estava no capacete;

VIII – que o acusado, cientificado da acusação, não apresentou nenhuma defesa;

IX – que a moto da vítima estava estacionada no ferry-boat; e

X – que, detido, o acusado foi levada à presença da vitima, que o reconheceu como autor do fato.

33.00. Encerrando a instrução foram ouvidas três testemunhas arroladas pela defesa, dos quais destaco, para análise, em face dos fatos trazidos à colação, o depoimento de I. dos S. V., de onde apanho os seguintes excertos:

I – que duas semanas antes da prisão do acusado foram assaltados, no João Paulo;

II – que o assaltante foi identificado como C. R.; e

III – que foram subtraídos dois aparelhos celulares e uma importância em dinheiro.

34.00. As demais testemunhas do rol da defesa – E. V. B. (fls.109), e A. de O. M. Neto (fls. 112) – nada acrescentaram que fosse digno de destaque.

35.00. Depois do detido exame da prova consolidada nos autos, posso concluir que o acusado E. B., efetivamente, assaltou o ofendido C. R. A., subtraindo-lhe a moto HPX 6298, cor vermelha, modelo 2005, tendo sido preso ainda de posse da res furtiva.

36.00. Das provas consolidadas nos autos concluo, demais, que o acusado, atentou contra a vida do ofendido, contra quem efetuou três disparos de arma de fogo, crime que, inobstante, não se consumou por circunstâncias alheais à sua vontade.

37.00. O acusado, para justificar a sua atitude, disse que, no dia do fato, tinha contratado os serviços de moto-taxi do ofendido e que, ao reconhecê-lo como a pessoa que o tinha assaltado algum tempo atrás, atirou contra o mesmo.

38.00. Claro que essa afirmação do acusado não guarda nenhuma relação com a prova produzida, pois que, desde meu olhar, ao que infere-se da prova produzida, o que o acusado pretendia mesmo era matar o ofendido, para subtrair-lhe a moto, tanto que, depois de alvejá-lo por três vezes, seguiu viagem com destino a Pinheiro, ainda portando a arma de fogo, instrumento do crime, e a moto subtraída.

39.00. O que o acusado não imaginava, posso ver com muita nitidez do conjunto probatório, é que o ofendido sobrevivesse, apesar da clara intenção do acusado de tirar-lhe a vida.

40.00. Há alguns detalhes que ressurtiram ao longo da instrução, que deixam entrever, com nitidez sobre os quais vou expender considerações a seguir.

41.00. Primeiro. O acusado disse que, próximo ao terminal do ferry-boat, pediu ao ofendido que entrasse no mato para urinar.

42.00 Em face dessa informação convém anotar não ser crível que o acusado, tão próximo da ponta da espera, não pudesse aguardar o acesso ao ferry-boat para urinar.

43.00. É claro que o que pretendia mesmo o acusado era levar o ofendido a lugar ermo, onde pudesse tirar-lhe a vida e subtrair a sua moto.

44.00. Claro, pois, que esse argumento, de tão pueril, não pode mesmo ser considerado.

45.00. O acusado, em verdade, mentindo, induziu o ofendido a entrar no mato, dizendo que, dali, seguiria a pé até ao centro de treinamento do exército, quando, em verdade, pretendia mesmo era matá-lo e dali seguir viagem com a res mobilis.

46.00. O acusado, para esse fim, valeu-se da credibilidade e da respeitabilidade decorrente da farda que usava, com a qual ludibriou até a Polícia Militar, passando por uma barreira sem ser incomodado, como se verá seguir.

47.00. Segundo. O acusado disse que não entregou a moto e a arma à polícia, porque não havia policiais nas proximidades da ponta da espera.

48.00. Curioso, nesse sentido, é que o Soldado PM M. G. S. M., que estava na ponta da espera, disse ter visto o acusado passar, com uma moto – e, detalhe, com a farda do exercito.

49.00. Pode-se ver, pois, que esse argumento do acusado, a exemplo do antes mencionados, não se sustenta diante das provas produzidas.

50.00. O acusado, essa é a verdade, não tinha nenhuma intenção de entregar à Polícia a arma do crime e a res substracta. Se o quisesse teria feito.

50.01. Não o fez porque, tendo cometido um crime grave, queria mesmo era desaparecer do distrito da culpa, para assegurar a execução definitiva do crime que praticara.

51.00. Terceiro. O acusado quando foi preso, estava no banheiro do ferry-boat, tirando a farda do exército e vestindo outra roupa, numa claríssima demonstração de que procurava se furtar da ação dos órgãos persecutórios, em face do crime que cometera.

52.00. Essa tentativa do acusado de escamotear, de ludibriar, de passar por um cidadão comum, depois de ter tentado assassinar o ofendido, depois de ter subtraído do mesmo a sua moto e depois de ter passado por uma barreira policial, é mais do que sintomática.

52.01. É, para mim, uma demonstração mais do que evidente de que, depois de tentar assassinar o ofendido, pretendeu se safar da ação persecutória do Estado, sem supor, no entanto, que o ofendido, apesar dos disparos, tivesse sobrevivido para denunciá-lo.

53.00. Quarto. O acusado disse que não registrou a ocorrência, ou seja, do assalto praticado, dias atrás, pelo ofendido, em face da irrelevância do bem que lhe tinha sido subtraído.

54.00. Esse é mais um argumento insustentável do acusado, em face da prova produzida.

54.01. Com efeito, a testemunha – arrolada pela defesa, registre-se – I. dos S. V., contrariando o acusado, disse que, no dia do assalto que lhes vitimara, foram subtraídos dois aparelhos celulares e dinheiro.

55.00. Diante dessa afirmação da testemunha I. dos S. V., resta indagar: dois aparelhos celulares não têm valor para o acusado?

55.01. Resta indagar, ademais: a sua integridade física e de sua namorada, que estiveram sob ameaça, em face do assalto que diz ter sofrido, não tem nenhum significado para o acusado?

55. 01.01. Será que foi por isso, por não ter apreço à integridade física das pessoas, que agiu sem controle, sem sentimento e sem pudor, quando se decidiu pela morte da vítima, para subtrair-lhe a moto?

56.00. Quinto. O acusado em nenhum momento forneceu detalhes do assalto que disse ter sofrido.

56.01. O advogado do acusado, de seu lado, acerca dessa questão, permaneceu silente durante toda instrução.

56.01.01. Poderia, se quisesse, trazer detalhes do crime.

56.01.02. E por que não o trouxe?

56.01.03. Porque crime não houve, efetivamente.

57.00. Devo prosseguir, analisando as provas produzidas.

58.00. Acerca, ainda, do assalto que disse ter sofrido o acusado, importa gizar que a testemunha I. dos S. V., sem nenhuma convicção, informa, para dar sustentação à tese da defesa, que o assalto ocorreu no João Paulo, nesta cidade.

58.01. Convém gizar, inobstante, que essa afirmação, em face de tudo o que já tinha sido amealhado em juízo, não tem credibilidade e, por isso mesmo, não se sustenta.

59.00. Sexto. O acusado, importa consignar, diante dos soldados da polícia militar, ao ser flagrado no momento em que trocava de roupa, no banheiro do ferry-boat, ou seja, quando se desfazia da farda do exército, certamente para dificultar o esclarecimento do crime, não questionou a sua prisão.

60.00. Sétimo. O acusado, curiosamente, por ocasião da sua prisão em flagrante, ao invés de aproveitar o ensejo para se defender, invocou o seu direito de só falar em sede judicial.

60.01. Seis dias depois, o acusado resolveu falar, apresentando o álibi que já mencionei acima.

61.00. Oitavo. O acusado, em sede judicial, disse que, antes do fato, cerca de quinze dias a um mês, tinha sido assaltado pelo ofendido.

61.01. Curiosamente, a testemunha I. dos S. V., com precisão cirúrgica, afirma que o assalto se dera quinze dias antes da prisão do acusado.

62.00. Não é crível, portanto, que o acusado, em face de um assalto que marcou tanto a sua vida, não tivesse noção do período de sua ocorrência.

63.00. Nono. Por que o acusado, nesta sede, disse que, quando foi preso no ferry-boat, tinha entrado no banheiro para lavar o rosto e se acalmar, sem fazer qualquer menção à troca de roupa, para se desfazer da farda do exército?

64.00. Todos esses detalhes, todas as contradições e omissões do acusado, aliado à palavra do ofendido e do policial M. G. S. M., me dão a convicção de que o acusado, efetivamente, atentou contra o patrimônio do ofendido e contra a sua vida, produzindo nele lesões corporais de natureza grave, com arma de fogo, com inescusável animus necandi.

65.00. O acusado, é a verdade que assoma, subtraiu os bens do ofendido, tendo, antes, tentado lhe tirar a vida, efetuando contra o mesmo três disparos de arma de fogo, homicídio que não se consumou, no entanto, por circunstâncias alheias à sua vontade.

66.00. É cediço que quem efetua três disparos na direção de órgãos vitais da vítima, o faz com a clara, claríssima intenção de lhe tirar a vida.

67.00. Anoto que, desde a minha compreensão, a tentativa de homicídio e a subtração consumada de bens, configuram crime de latrocínio tentado.

68.00. Nessa situação, o agente, para mim, alcança o seu objetivo, subtraindo os bens da vítima, porém, em que pese ter atentado contra a vida da vítima, esta não veio a óbito, por circunstâncias alheias à sua vontade.

69.00. A melhor doutrina não dissente, como se colhe do escólio de Sebastián de Mello,

havendo subtração patrimonial consumada e morte tentada, estamos diante de um latrocínio tentado, sem dúvida, posto que se reuniram todos os elementos de sua definição legal para considerar o crime como consumado” (Sebástian Borges de Albuquerque, Latrocínio tentado: o lógico x axilológico, Jus Navigandi, Teresina, a. 7 n. 65, maio de 2003)

70.00. Compreendo, nessa linha de pensamento, que, tratando-se de crime complexo, é necessária a consumação de todos os delitos-membros para que esteja configurado um crime consumado.

71.00. Nessa mesma senda têm entendido doutrinadores de escol, como Júlio Fabrinni Mirabete, in Manual de Direito Penal, Parte Especial, Editora Atlas, 2004, p. 246-251; Fernando Capez, in Curso de Direito Penal, Parte Especial, V II, 3ª Ed. Saraiva, 2004, p.398; Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, vol. II, Saraiva, p. e Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.682.

72.00. A seguir, algumas reflexões, só a guisa de ilustração.

73.00. Os autos sub examine noticiam uma infração penal relevante, um fato da vida real que o legislador definiu como crime (artigo 157 do CP), que, agora já tenha convicção, foi praticado por E. B., em detrimento do patrimônio e da integridade física do ofendido C. R. A. em razão do que foi colocado em movimento a máquina estatal – Polícia Judiciário, Ministério Público, Ministério Público e Poder Judiciário – para possibilitar, alfim, a inflição de penas.

74.00. O enquadramento de um fato da vida real, na descrição legal de norma incriminadora sob retina, esteve presente, bem se viu, em todos os momentos da persecutio criminis que ora se encerra, sem o que não se justificaria a potestas coercendi e a potestas cognoscendi das diversas instancias formais que atuaram na esfera penal.

75.00. A Justiça Penal saiu de sua inércia com a notícia do crime praticado pelo acusado, em razão do que ela se colocou em movimento, para possibilitar, agora, definida a responsabilidade do acusado, a inflição de penas – restritiva de liberdade e multa – em face do crime que praticou, com o qual, registre-se, exteriorizou toda a sua periculosidade.

76.00. Com o crime que praticou, o acusado violou bens jurídicos penalmente tutelados, cuja conduta, por isso mesmo, está em contraste com a ordem jurídica.

77.00. O acusado, também se constatou ao longo da jornada probatória, tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

78.00. O acusado, devo consignar, não foi impulsionado por nenhum fator exógeno.

78.01. O acusado, em verdade, agiu voluntariamente, praticando um ilícito grave, quando dele se espera que agisse secundo ius.

79.00. Sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como crime, como se deu no caso presente, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador.

80.00. O acusado, portanto, com sua ação, descumpriu uma obrigação que lhe tinha sido imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir, in abstracto, do Estado.

80.01. Do descumprimento, pelo acusado, da obrigação derivada da norma incriminadora, nasceu para o Estado o direito concreto de puni-lo, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção prevista no preceito secundário(sanctio iuris) do comando normativo eventualmente afrontado.

81.00. A propósito da linha de raciocínio aqui desenvolvida, impende anotar que a culpa penal constitui-se no centro ético do direito punitivo.

81.01. Não há pena sem culpabilidade, como também a pena não pode exceder-lhe na medida. Pena e culpa são binômios que se juntam indissociavelmente, consistindo no exato ponto de ligadura e de penetração da teoria das conseqüências jurídicas na teoria do delito.

82.00. É cediço que não basta que alguém pratique uma conduta que se ajuste a um tipo penal, para que suporte a ira estatal.

82.01. Para que alguém se submeta ao constrangimento de um processo criminal, é necessário a conduta (ação ou omissão voluntária e consciente), além típica (amoldável aos elementos do tipo penal), antijurídica (contrária ao Direito) e culpável (realizada com imputabilidade etc.), seja relevante, significativa, como se viu, quantum satis, no caso sub examine.

83.00. O Ministério Público, só denunciou o acusado, só provocou o Estado-Juiz, através da ação penal, porque não despontaram nos autos motivos que afastassem a responsabilidade (embora prevaleçam a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade), do acusado, tais como a bagatela (ou princípio da insignificância) ou outra falta qualquer de justa causa para o exercício do “jus persequendi in judicio”.

84.00. Essas diretrizes foram sublimadas ao longo da persecução criminal, que culmina, agora, com a decisão que reconhece a culpabilidade do acusado, por ter violado uma norma jurídica.

85.00. Acerca da prova produzida, anoto que, no caso presente, avulta de importância a palavra do ofendido, além claro, da prova material acostada.

85.01. A palavra da vítima assoma com especial relevo porque aqui se está a cuidar de crime clandestino, na sua mais nítida manifestação.

86.00. O acusado, com efeito, para realização do crime, levou a vítima para lugar ermo, mas não contava, todavia, que a vítima sobrevivesse aos três disparos e destruísse os seus planos, que pareciam ter sido bem executados.

87.00. A propósito da palavra do ofendido, em crimes desse matiz, chamo à colação as ementas a seguir transcritas, verbis:

Prova. Palavra da vítima de crimes patrimoniais. Valor: – Em sede crimes patrimoniais, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima assume relevância no reconhecimento dos agentes (Recurso : REVISÃO Processo : 363902 / 2 Relator : LOPES DE OLIVEIRA Órgão Julg.: 8. GRUPO Votação : VU)

88.00. No mesmo sentido:

EMENTA OFICIAL: – Roubo Palavra da vítima – Validade. Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor(Recurso : APELAÇÃO Processo : 1102311 / 9 Relator : WILSON BARREIRA Órgão Julg.: 11. CÂMARA).

89.00. Na mesma senda:

EMENTA OFICIAL: – ROUBO – PALAVRA DA VÍTIMA – VALIDADE. – Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor.(Recurso : APELAÇÃO Processo : 1099069 / 1 Relator : WILSON BARREIRA ).

90.00. Nessa linha de pensar nunca se perca de vista que, para valer mesmo, o ideal é que a palavra da vítima não esteja insulada no contexto probatório. E não está, no caso presente, sobreleva gizar.

91.00. O depoimento do ofendido, com efeito, foi corroborado por outros dados probatórios colhidos ao longo da jornada probatória.

91.01. Nesse sentido destacam-se o depoimento do policial M. G. S. M., a prova material acostada (exame de corpo de delito, exame complementar, auto de apreensão) e, mais importante ainda, as contradições do acusado, a sua conduta, logo após a prática do crime, e o inconsistente argumento de que o ofendido, noutra época, o tivesse assaltado.

92.00. O acusado, à luz do exposto, tem, agora, que suportar a aplicação das penas previstas no preceito primário do tipo penal malferido, pena que, sabe-se, segundo a mais abalizada construção doutrinária, como

sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”(Damásio Evangelista de Jesus, in Direito Penal, Parte geral, Vol. I, Saraiva, 1988, p. 457)

93.00. O estado não pode deixar de, diante de um crime dessa magnitude, aplicar a pena ao transgressor, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social.

93.01. É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se prentende evitar que comportamentos desse jaez se realizem.

94.00. O sistema punitivo, na lição de Heleno Cláudio Fragoso, se constitui

“ o mais rigoroso instrumento de controle social. A conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, através da da incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema punitivo do estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave sanção jurídica, que é a pena…”(Heleno Cláudio Fragoso, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, 16ª Edição, 2004, Editora Forense, p.343).

95.00. Para Zaffaroni e Pierangeli,

A pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica”. A pena deve aspirar a prover segurança jurídica, pois seu objetivo deve ser a prevenção de futuras condutas delitivas”(Eugenio Raúl Zaffaroni e , José Henrique Pierangeli, ob. cit.p.103/104).

96.00. Do que restou apurado nos autos, devo reafirmar que a ação do acusado se amolda, perfeitamente, ao tipo penal declinado na incoativa.

97.00. O albergado na prefacial, com efeito, se apresenta na integridade de seus elementos constitutivos.

98.00. A conduta do acusado, salto aos olhos, se enquadra, perfeitamente, no tipo abstrato descrito na lei penal.

99.00. O fato narrado na exordial, depois de coligidas as provas, se enquadra na descrição legal da norma incriminadora do artigo 157, §3º, o que justifica a potestas coercendi dos órgãos do procedimento penal.

100.00. O acusado, ao subtrair os bens da vítima, tendo, antes, tentado matá-la com três disparos de arma de fogo, o fez com a vontade, com a finalidade de ter a coisa para si (animus furandi ou animus rem sibi habendi), que independe do intuito de lucro (abemos lucri faciendi).

101.00. O acusado, ao subtrair os bens da vítima o fez, subjetivamente, para ter a res para si, desfalcando o seu patrimônio, daí avultando o aspecto subjetivo de sua conduta, realçada de importância nos autos sub examine em face do princípio da culpabilidade(nullum crimen, nulla poena sine culpa), pois que não há delito sem que se considere a questão atinente à subjetividade.

102.00. A conduta do acusado, ao agredir, ao atentar contra o patrimônio e a integridade física da vítima, com animus necandi, é antinormativa e o fato materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizado pessoalmente pela ação reprochável.

103.00. O acusado, como ente dotado de capacidade de decidir acerca da conduta realizada, preferiu não agir secundo iuis.

104.00. O acusado, importa reafirmar, não teve a motivar a sua ação, a sua conduta nenhum agente externo. Nenhuma força exógena o impulsionou para o delito. Tinha total domínio do fato, sabia o que estava fazendo, não tinha a sua capacidade psíquica diminuída, não foi submetido a nenhuma força física irresistível.

105.01. Por força física irresistível entenda-se a

“aquelas hipóteses em que opera sobre o homem uma força de tal proporção que o faz intervir como mera massa mecânica”(Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli , ob. cit. p. 433.

106.00. O acusado, é verdade, teve a impulsioná-lo uma força física interna, mas resistível. A força física que elimina a conduta dever provir de fora do sujeito, id. est. deve ser externa.

107.00. A conduta do acusado não foi resultado de um ato involuntário, mas do desejo de vilipendiar, de ultrajar a ordem jurídica, de violar o patrimônio e a integridade da vítima.

107.01. Fosse a conduta do acusado decorrente de um ato involuntário, não interessaria ao direito penal, pois que decorre da incapacidade psíquica de conduta, ou seja, o estado em que se encontra quem não é psiquicamente capaz de vontade.

108.00. O acusado, viu-se à exaustão, transgrediu o preceptivo (ou regra primária) da norma penal incriminadora, porque praticou um fato típico, daí ter-se dirigido a ele a pretensão punitiva do Estado, que culminará, alfim, com a inflição de pena (regra secundária).

109.00. A regra secundária da norma incriminadora, ressabe-se, é o instrumento de que se vale a tutela jurídica estatal, para garantir a obediência aos imperativos contidos no preceito primário da norma.

110.00. O mandamento primário do artigo 157 do CP definiu o ato ilícito, estabelecendo ser crime

“subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”

111.00. O acusado, conquanto tivesse plena consciência da ilegalidade do ato que praticara, não se comportou como era de se esperar, devendo, por isso, suportar os efeitos da ilicitude, consubstanciados no preceito secundário do artigo 157, §3º, do Digesto Penal.

112.00. Para finalizar, reafirmo, apenas à guisa de reforço, que aqui se está cuidar do crime de latrocínio tentado, na medida em que o crime de roubo restou consumado e que o crime de homicídio não se consumou, por circunstâncias alheias à vontade do acusado.

113.00. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, como se colhe da ementa a seguir transcrita, verbis:

HABEAS CORPUS HC 34099 SP 2004/0028551-5 (STJ) HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE TENTATIVA DE LATROCÍNIO. CONFIGURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. CRITÉRIO TRIFÁSICO DE CÁLCULO DA PENA DEVIDAMENTE OBSERVADO PELO TRIBUNAL A QUO.

1. Na hipótese dos autos, mostra-se perfeitamente delineado o crime de latrocínio tentado, na medida em que, consoante concluíram as instâncias ordinárias, soberanas no exame da matéria de prova, a intenção do paciente foi de praticar o homicídio para garantir a subtração dos valores da vítima, o que não se concretizou por circunstâncias alheias à vontade dos criminosos.

2. Cálculo da pena satisfatoriamente realizado pelo Tribunal a quo, em observância ao disposto no art. 68, do Código Penal. Pena-base devidamente aplicada no mínimo legal previsto ao tipo descrito no § 3.º, do art. 157, do CP.

3. Ordem denegada

STJ – 03 de Fevereiro de 2005

114.00. No mesmo sentido:

STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 313545 GO 2001/0034796-7

Relator(a): Ministro HAMILTON CARVALHIDO
Julgamento: 27/10/2003
Órgão Julgador: T6 – SEXTA TURMA

Publicação: DJ 15.12.2003 p. 412
RT vol. 825 p. 553

RECURSO ESPECIAL. PENAL. LATROCÍNIO. MORTE TENTADA E SUBTRAÇÃO CONSUMADA. LATROCÍNIO TENTADO. ARTIGO 157, PARÁGRAFO 3º, SEGUNDA PARTE, COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PROVIDO.

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Ementa

RECURSO ESPECIAL. PENAL. LATROCÍNIO. MORTE TENTADA E SUBTRAÇÃO CONSUMADA. LATROCÍNIO TENTADO. ARTIGO 157, PARÁGRAFO 3º, SEGUNDA PARTE, COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PROVIDO.

1. Em tema de crime complexo, é de se afirmar a sua forma tentada quando o crime-fim alcança a consumação, não ultrapassando, contudo, o crime-meio os limites da tentativa, precisamente porque no delito não se reúnem todos os elementos da sua definição legal (Código Penal, artigo 14, inciso I).

2. In casu, trata-se de crime de roubo próprio, cuja natureza complexa é induvidosa e no qual, embora haja se consumado a subtração patrimonial, o homicídio restou apenas tentado, impondo-se a afirmação da tentativa do delito complexo, classificando-se o fato-crime no artigo 157, parágrafo 3º, segunda parte, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

3. Recurso provido

115.00. Acerca do crime de roubo, importa dizer que, em face da res mobilis ter saído da esfera de disponibilidade do ofendido, que ele restou consumado.

116.00. Guilherme de Souza Nucci, a propósito, afirma, direto, sem delonga, incisivo que o momento consumativo do roubo se dá

quando o agente retira o bem da esfera de disponibilidade e vigilância da vítima”(Guilherme de Souza Nucci,in Manual de Direito Penal, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 664)

117.00. Júlio Fabbrini Mirabete, de seu lado, afirma, espancando, de vez, a tese da posse tranqüila da res, que

o crime de roubo somente se consuma, como o furto, com a inversão da posse, ou seja, nos termos da jurisprudência francamente dominante, se o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da coisa, ainda que por breve momento, fora de esfera de vigilância da vítima”(Júlio Fabbrini Mirabete, in Código Penal Anotado, ob. cit., p. 95)

118.00. Rene Ariel Dotti, a seu tempo e modo, ensina que o crime restará consumado,

“quando o sujeito ativo realiza em todos os seus termos a figura delituosa, em que o bem jurídico penalmente protegido sofreu efetiva lesão ou a ameaça de lesão que se exprime no núcleo do tipo (René Ariel Dotti, in Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª Edição, Editora Forense, p. 325/326)

119.00. Na mesma direção é a lição de Fernando Capez, para quem

o roubo se consuma no momento em que o agente subtrai o bem do ofendido”. Prossegue o celebrado professor afirmando que “ subtrair é retirar contra a vontade do titular”, para, mais adiante, concluir que “ levando-se em conta esse raciocínio, o roubo estará consumado tão logo o sujeito, após o emprego de violência ou grave ameaça, retire o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, sendo irrelevante se chegou a ter a posse tranqüila ou não da res furtiva”( Fernando Capez, in Curso de Direito Penal,.Parte especial, Vol. II, Saraiva, . p.399

120.00. Na mesma toada é a lição do preeminente e notável professor Luiz Regis Prado, segundo o qual

o roubo próprio consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranqüila do sujeito ativo, que dela pode dispor” (Luiz Regis Prado, in Curso de Direito Penal brasileiro,Vol. II, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2005, . p.440)

121.00. Na mesma senda é a ensinança do egrégio José Henrique Pierangeli para quem

“o delito de roubo próprio consuma-se quando a coisa sai do âmbito de proteção do sujeito passivo e o sujeito ativo tem a sua posse tranqüila, ainda que por pouco tempo”.( PIERANGELI, José Henrique, in Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.375)

122.00. Os Tribunais têm decidido, iterativamente, na mesma senda, ao proclamarem, à exaustão, que

a consumação do roubo se dá no momento da apreensão da coisa pelo agente, independentemente de haver ele exercido ou não posse duradoura e tranqüila. A rápida recuperação da coisa e a prisão do autor do delito não constituem motivos para operar-se a desclassificação do crime de roubo para a sua forma tentada”(TJAP – ACr 171003 – (6781) – C.Única – Rel. Des. Honildo Amaral de Mello Castro – DOEAP 02.06.2004 – p. 22).

123.00. Não destoa a decisão que proclama que

“o crime de roubo se consuma quando a coisa subtraída sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente, estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranqüila deste …”(TJES – ACr 035980222133 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 30.06.2004).

124.00. No mesmo rumo já decidiu, incontáveis vezes, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, segundo o qual

o crime de roubo se consuma a partir do momento em que a vítima tem o bem subtraído mediante violência ou grave ameaça, não se exigindo que o agente tenha posse tranqüila da res furtiva, sendo irrelevante que o acusado seja detido logo em seguida ao início da fuga (Apelação nº 1.330.205/0, Julgado em 03/10/2.002, 8ª Câmara, Relator: Roberto Midolla, RJTACRIM 63/128).

125.00. Creio que, em face dos argumentos suso lançados, com esteio na mais luminosa jurisprudência e na mais respeitável construção doutrinária, não há que se questionar acerca da consumação do crime albergado nos autos, pois que o acusado teve a posse da res mobilis, definitivamente.

126.00. No que se refere à tese da excludente de ilicitude, emoldurada nas alegações finais, importa dizer que só o fato de a “reação” ter-se materializado mais de 15 dias depois da suposta agressão, já é mais que suficiente para descaracterizar a legitima defesa.

127.00. A legítima defesa, todos sabem, tem pressupostos à falta dos quais não se caracteriza; e a reação a uma agressão atual ou iminente é um deles, ausente, a toda evidência, no caso sob retina.

128.00. Tudo essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, consequentemente,

condenar E. B., brasileiro, solteiro, soldado QM 07/01 Exército Brasileiro, filho de O. C. B. e de E. A. V. B., residente e domiciliado à XX, nesta capital, por incidência comportamental no artigo 157,§3º, segunda parte, cujas penas-base fixo em 20(vinte) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, cujas penas reduzo em 1/3, em face da causa geral de diminuição de penas prevista no parágrafo único, do inciso II, do artigo 14, do CP, totalizando, definitivamente, 13 (treze) anos e 04(quatro)meses de reclusão e 03(três)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime fechado, ex vi legis.

129.00. Anoto que optei pela redução das penas em 1/3, em face do iter percorrido, ou seja, do caminho palmilhado pelo acusado em direção à meta optata.

130.00. O acusado, com efeito, depois dos três disparos contra o ofendido, subtraiu-lhe os bens e chegou, inclusive, a embarcar num ferry-boat, na tentativa de furtar-se a ação dos agentes do Estado.

131.00. Claro, pois, à luz das provas produzidas, que o acusado percorreu o iter criminis quase que integralmente, só sendo impedido de alcançar o resultado que pretendia, em face de o ofendido, conquanto gravemente lesionado, ter sobrevivido.

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado, expeça-se Carta de Sentença.

Lançar, outrossim, o nome do réu no rol dos culpados.

Arquivem-se, após, com a baixa em nossos registros.

Façam-se as comunicações de praxe.

São Luis, 08 de outubro de 2009.

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Sentença condenatória. Latrocínio tentado”

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