Sentença de pronúncia.

 

“É a imputação contida na denúncia, todos sabemos, que fixa o alcance da pronúncia.
O juiz pode, até, ir além da pronúncia. Todavia, para isso, há que adotar providências no sentido de dar ao acusado a oportunidade de se defender. Sem mais, nem menos, portanto, não se inclui uma qualificadora.”

 

José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz da 7ª Vara Criminal

 

Na sentença abaixo, manifestei a minha preocupação com um pedido do Ministério Público, o fazendo nos termos abaixo.

 

  1. O mais grave para mim – e digo isso constrangido – é o Ministério Público, numa peça processual desfundamentada, que peca pela singeleza, sem análise percuciente da prova, pedir a inclusão de uma qualificadora, sem declinar as razões pelas quais entendeu devesse a mesma ser incluída.
  2. É bem de ver-se que ao juiz não é dado pronunciar o acusado por fato estranho à acusação, ou seja, não mencionado na denúncia.
  3. É a imputação contida na denúncia, todos sabemos, que fixa o alcance da pronúncia.
  4. O juiz pode, até, ir além da pronúncia. Todavia, para isso, há que adotar providências no sentido de dar ao acusado a oportunidade de se defender. Sem mais, nem menos, portanto, não se inclui uma qualificadora.


 A seguir, a decisão, integralmente.

 

Processo nº 213332006

Ação Penal Pública
Acusado: S.H.S.M.
Vítima: Wallison Ramos Cortes

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra S. H. S. M. vulgo “Serjão”, qualificado na inicial, por incidência comportamental por incidência comportamental no artigo 121 do CP, em face de ter assassinado Wallisson Ramos Cortes, fato ocorrido no dia 28 de setembro de 2003,por volta das 18h30, com arma branca, cujos fatos estão sintetizados na proemial, que passa a integrar o presente relatório.
A persecução criminal teve início mediante portaria. (fls. 07).
Exame cadavérico às fls. 23.
Recebimento da denúncia 35
O acusado foi qualificado e interrogado às fls.40/42.
Defesa prévia fls. 43/44.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas Jardson Conceição Castro (fls.69/70), Carlos Antonio Campos (fls.71/72), Nilson de Jesus Moraes (fls.91), Eliza Moreira (fls.101104), Fábio José Pacheco Coelho (fls.105/107), Rildo Campelo Mendes (fls.108/111), Wellington Soares Mota (fls.112/115) e Luziane Lopes Chaves. (fls.125/126)
O Ministério Público, em alegações finais, pediu, alfim, a pronúncia do acusado, nos termos da denúncia. (fls. 130/131).
A defesa do acusado, de seu lado, pediu a absolvição sumária do acusado, por ter agido sob o pálio da legítima defesa.(fls.135/151)

Relatados. Decido.

01. Antes da análise das provas albergados, devo fazer menção à qualificadora apontada nas alegações finais do Ministério Público.
02. Pois bem. O Ministério Público, quando apresentou a proemial, pediu a pronúncia do acusado, nos termos do artigo 121 do Digesto Penal, sem fazer qualquer menção a qualquer qualificadora – nem implícita, nem explicitamente.
03. O mesmo Ministério Público pediu, em sede das alegações finais, a inclusão de uma qualificadora, sem que, no pleito, declinasse qualquer fundamento que justificasse a inclusão da mesma.
04. Convenhamos, não se pode fazer a inclusão de uma qualificadora sem que se dê ao acusado a oportunidade de sobre ela expender as suas razões. É dizer: a inclusão de uma qualificadora, sem qualquer fundamentação, sem observância do contraditório e da ampla defesa, seria, para dizer o mínimo, um despropósito, um destrambelho.
05. O mais grave para mim – e digo isso constrangido – é o Ministério Público, numa peça processual desfundamentada, que peca pela singeleza, sem análise percuciente da prova, pedir a inclusão de uma qualificadora, sem declinar as razões pelas quais entendeu devesse a mesma ser incluída.
06. É bem de ver-se que ao juiz não é dado pronunciar o acusado por fato estranho à acusação, ou seja, não mencionado na denúncia.
06.01. É a imputação contida na denúncia, todos sabemos, que fixa o alcance da pronúncia.
06.01.01. O juiz pode, até, ir além da pronúncia. Todavia, para isso, há que adotar providências no sentido de dar ao acusado a oportunidade de se defender. Sem mais, nem menos, portanto, não se inclui uma qualificadora.
07. Não tendo o órgão ministerial feito aditamento da denúncia – e poderia fazê-lo a qualquer tempo, antes da sentença – não se pode, na pronúncia, incluir circunstância qualificadora não contida na denúncia.
08. Enfrentada, preliminarmente, a questão envolvendo a inclusão da qualificadora apontada nas alegações finais do Ministério Público e rechaçada, também em sede de alegações finais, pela defesa, passo, a seguir, à decisão acerca da admissibilidade da acusação, para fins de submissão do acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri Popular.
09. S. H. S. M., devidamente qualificado nos autos sub examine, foi denunciado pelo Ministério Público ( ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), com legitimidade ad causam e ad processum para ocupar o pólo ativo da relação jurídica processual, à alegação de ter malferido o preceito primário do artigo 121 do Codex Penal, em face de, no dia 28 de setembro de 2003, por volta das 18h30, ter assassinado Walisson Ramos Cortes, com dois golpes de faca, cujas lesões estão descritas no laudo de exame cadavérico acostados aos autos às fls.23.
10. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa do acusado, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
10.01. Tudo isso porque, sabe-se, entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e também motivá-la por meio da propositura da ação penal.
11. Na jurisdição penal a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.
12. Como de praxe no direito pátrio, em dois momentos distintos produziram-se dados probatórios, em face do crime de homicídio que vitimou Walisson Ramos Cortes, vulgo “Potrin”.
13. Na fase pré-processual destaco de relevante a confissão do acusado(fls.09/10) e a prova material acostada às fls. 23.
14 As testemunhas ouvidas em sede administrativa – Jardson Conceição Castro (fls.12/13), Carlos Antonio Campos (fls.14/15), Alexsandro da Silva Azevedo (fls.16/17) e Nilson de Jesus Moraes Leite (fls.18/19) – tiveram conhecimento do fato e de sua autoria, mas nada declinaram acerca do crime, pois que não estavam presentes no momento de sua ocorrência.
15. A prova material do crime foi acostada, onde está descrita a lesão e a causa da morte do ofendido.(fls.20)
16. Com esses dados, e outros tantos, encerrou-se a fase administrativa, donde entrevejo fortíssimos indícios de que o acusado foi o autor do crime que lhe imputa o Ministério Público.
17. Cediço que, cuidando-se, até aqui, de provas extrajudiciais, não de pode falar, validamente, em admissibilidade da acusação só com esteio nelas, pois que a prova pré-processual, embora relevante, não serve, isoladamente, solitária, para os fins colimados na pretensão punitiva do Estado.
19. Faz-se necessário, por isso, prosseguir na análise das provas produzidas, devendo, agora, ser objeto de exame as provas judiciais. Esta, sim, a prova por excelência, pois que bafejada pela ampla defesa e pelo contraditório, corolários do devido processo legal (due process of law).
19. Tendo às mãos o caderno inquisitório, o representante do Ministério Público, órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública, deflagrou a persecutio criminis in judicio – afinal, ne procedat iudex ex offico e nulla poena sine judicio – imputando ao acusado Sérgio Henrique Soares Mota o malferimento do artigo 121 do Digesto Penal.
20. Com a proposta ministerial ofertada buscou o Estado por intermédio do seu órgão oficial (artigo 129, I, da CF), submeter o autor do fato típico a julgamento perante seus pares, pois que, sabe-se, nec delicti manet impunita.
21 Na jurisdição penal, disse-o acima, a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, estabelecendo limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal.
22. Na sede judicial o acusado, sob todas as garantias constitucionais, inclusive a de se manter calado, a exemplo do que fizera em sede extrajudicial, confessou a autoria do crime.
23. O acusado, a propósito, disse que, no dia do fato, foi provocado pelo ofendido, depois de ter-lhe atingido com uma bicicleta que conduzia, ou qual lhe disse que naquele dia pretendia matar um.(fls.40/42)
24. O acusado prosseguiu dizendo que, depois de atingi-lo com a bicicleta, o ofendido partiu em sua direção com a mão no cós da calça, demonstrando que pretendia sacar de uma faca, razão pela qual sacou de uma faca pequena que trazia consigo, fato que não intimidou a vítima. (ibidem)
25. O acusado concluiu dizendo que em face da vítima ter partido em sua direção, a lesionou duas vezes, tendo o ofendido, após, pegado a bicicleta e deixado o local. (ibidem)
26. Nesta mesma sede das franquias constitucionais, foi ouvida a testemunha Jardson Conceição Castro, a qual, conquanto não estivesse presente no momento da ocorrência, teve notícia do crime e de sua autoria.(fls.69/70)
27. Do depoimento de Jardson Conceição Castro ponho em relevo o excerto em que afirma não acreditar que a vítima tenha atingido o acusado com uma bicicleta, vez que eram unidos como carne e unha. (ibidem)
28. A testemunha disse, ademais, que o acusado e o ofendido usavam drogas juntos e que não teve noticia de desentendimentos entre ambos antes do crime. (ibidem)
29. Na mesma sede foi inquirida, outrossim, a testemunha Carlos Antonio Campos, a qual disse ter visto uma discussão entre o acusado e o ofendido e o momento em que o acusado furou a mesmo. (fls.71)
30. A testemunha em comento disse que ouviu o ofendido chamando o acusado de “pau no cu”, desafiando-o a colocar em cima dele, daí resultando uma briga e as facadas. (ibidem)
31. Nilson de Jesus Moraes, de seu lado, disse que houve uma discussão entre o acusado e o ofendido, mas só tomou conhecimento do fato depois de consumado.(fls.91)
32. As testemunhas Eliza Moreira (fls.101/104), Fábio José Pacheco Coelho(fls.105/107), Rildo Campelo Mendes (fls.108/111), Wellington Soares Mota (fls.112/115) e Luziane Lopes Chaves (fls.125/126) todas do rol da defesa, apenas ouvira falar do crime, mas disseram que sobre ele não sabiam mencionar qualquer detalhe.
33. Viu-se da análise das provas consolidadas nos autos, em seus dois momentos, que há, sim, provas mais do que bastante da existência do crime e de sua autoria.
34. Do patrimônio probatório entrevejo, ademais, que os autos albergam crime doloso contra a vida, de competência, ex vi legis, do Tribunal do Júri Popular.
35. Do mesmo acervo não vislumbro, de mais a mais, que tenha o acusado agido sob o pálio da legitima defesa, a legitimar, hic et nunc, um decreto de preceito absolutório.
35.01. Absolvição sumária, todos sabemos, somente quando a prova da excludente de ilicitude se mostre extreme de dúvidas, o que, seguramente, não vejo em o caso presente.
36. A prova amealhada, aqui considerados os dois momentos do persecutio criminis, pelo que contém de informação acerca da autoria e da existência do crime, é que o basta, a meu juízo, para a admissibilidade da acusação, para que o acusado seja submetido a julgamento perante seus pares.
37. In casu sub studio, reafirmo, provadas estão tanto a existência do crime, em face da prova material acostada, quanto a autoria, esta em razão dos depoimentos colacionados nos autos, em sedes administrativa e judicial, examinados, à exaustão, com destaque para a confissão do acusado, nas duas oportunidades em que foi inquirido.
38. De lege lata, sabe-se e reafirmo, para admissibilidade da acusação, decisão interlocutória de encerramento da primeira fase do rito dos crimes dolosos contra a vida, exige-se a presença de dois requisitos, quais sejam, o da existência do crime e dos indícios de autoria, os quais, reitero, estão presentes no caso sob análise.
39. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado S. H. S. M., vulgo “Serjão”, devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 121, do Código Penal, porque provadas a autoria e a materialidade delitiva, o fazendo com espeque no artigo 408 do Código de Processo Penal , para que o seja submetido a julgamento perante o e. Tribunal do Júri.
40. P.R.I.
41. Intime-se o acusado, pessoalmente, desta decisão.
42. Certificado o trânsito em julgado, encaminhem-se os presentes autos uma das varas do Tribunal do Júri, via distribuição, com a baixa em nossos registros.
São Luís, 04 de agosto de 2008.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
RT 691/310
Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final.
RT 692/380
Homicídio simples
Art 121. Matar alguem:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.941, de 22.11.1973)

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Sentença de pronúncia.”

  1. Sou fã incontest das Sentenças e dos comentários de Vossa Excelência. PARABÉNS

  2. Uma sentença desse porte com todo detalhe, minuciosamente estudado e discutido, não resta a simbra de duvidas. Perfeita!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.