É evidente que não se tratava de um “juizinho de merda”. Ter coragem de enfrentar o homem mais poderoso de sua época, capaz de destruir, de derrubar um presidente da república, de se eleger senador onde e como quisesse, de colocar os seus interesses acima de qualquer coisa, não podia ser um “juizinho de merda”. Era, sim, um juiz honrado, que não se deixava quedar em face da arrogância de quem quer que seja. Do tipo do juiz “porreta”, duro na queda, destemido, voluntarioso, honrado. Desses que estão aí para honrar a toga que vestem.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular 7ª Vara Criminal
O artigo a seguir transcrito foi publicado na edição do dia 31 de agosto no Jornal Pequeno.Esse mesmo artigo já tinha sido publicado neste mesmo blog, com redação um pouco diferente.
Consigno, ao ensejo, que as minhas reflexões, de regra, são impessoais, o que não impede que os maus intencionados vejam nelas algum destinatário específico.
A despeito do que possam pensar e ainda que seja mal intepretado em face dos meus artigos, vou continuar escrevendo, no exercício do meu sagrado direito de dizer o que penso.
Abaixo, pois, o artigo em comento.
“JUIZINHO DE MERDA”
O jornalista Assis Chateaubriand disputava a posse da filha Teresa Acunha, que tivera – mas não reconhecera – com Cora Acunha.A menina tinha sido levada da casa da mãe – que havia fugido com Clito Bockel – por 10 homens armados, a mando de Chateaubriand.
Corita, como era conhecida a mãe de Teresa Acunha, inconformada, ingressou em juízo, na 4ª Vara de Órfãos e Sucessões, no Rio de Janeiro, objetivando reaver a filha.
O juiz, cumprindo o seu dever, determinou a intimação do jornalista, para que levasse Teresa Acunha de volta ao Rio de Janeiro, para ser entregue a sua genitora.
Inconformado com essa decisão, Chateaubriand, que tudo podia à época, dirigiu-se, furioso, colocando fumaça pelas narinas, à vara de Sucessões, para “conversar” com o autor do despacho; na verdade, pressioná-lo, questioná-lo em face da decisão que ele, Chateaubriand, entendeu injusta.
Ao questionar o magistrado em face da decisão, com a habitual arrogância, com incontida intrepidez, como a costumeira petulancia Assis Chateaubriand foi colocado para fora do gabinete juiz, o qual o fez ver que, na condição de juiz, podia, até, agir por amizade ou pelo coração, mas contra a lei ninguém o obrigaria a fazer nada.
Assis Chateaubriand, acostumado a fazer tudo que queria – como esses coronéis de todos conhecidos, como esses falsos estadistas que pululam por aí – saiu esbravejando:”Eu posso não ter direito, seu juizinho de merda, mas tenho algo mais importante: tenho razão”.Adiante, sentenciou::”Sua carreira terminou hoje,aqui,agora.”E arrematou, insolente, – como ele sabia ser:”Se o senhor está pensando que vai ser desembargador, juiz do tribunal, pode tirar o cavalo da chuva. Sua carreira acaba hoje. E saiba que seu despacho vai ser anulado, seu juiz de merda.”
É evidente que não se tratava de um “juizinho de merda”. Ter coragem de enfrentar o homem mais poderoso de sua época, capaz de destruir, de derrubar um presidente da república, de se eleger senador onde e como quisesse, de colocar os seus interesses acima de qualquer coisa, não podia ser um “juizinho de merda”. Era, sim, um juiz honrado, que não se deixava quedar em face da arrogância de quem quer que seja. Do tipo do juiz “porreta”, duro na queda, destemido, voluntarioso, honrado. Desses que estão aí para honrar a toga que vestem.
Esse “juizinho de merda”, por ter tido a coragem de contrariar um homem poderoso, deve ter sofrido muito, deve ter sido injustiçado, deve ter sido perseguido, deve ter comido o pão que o diabo amassou em face de sua intrepidez. Contudo, tenho certeza, foi um exemplo para a sua família, para os seus amigos e jurisdicionados – para sua geração, enfim.
Esse “juizinho de merda”, seguramente foi um daqueles que não deixaram apenas uma retrato na parede, pois não se curvou diante dos poderosos, agiu de acordo com a sua consciência, não se preocupou em ser simpático – porque, afinal, juiz não é pago para ser simpático -, não sublimou o tapinha nas costas, não ficou de quatro diante dos donos poder, não fez cortesia com o direito alheio, não sucumbiu diante da pressão.
Confesso que não sei se o destemido magistrado – arrogante, para os invejosos – teve a sua carreira prejudicada. É muito provável que sim, vez que, infelizmente, os Tribunais – à época, sobretudo – costumavam (?) sofrer e aceitar influências externas, para composição de sua Corte.Mas o que importa mesmo concluir, a par do quadro acima retratado, é que, como o eminente magistrado que peitou Chateaubriand, há muitos que não se curvam diante das pressões, dos pedidos indecorosos, da perseguição dos inimigos.
Tenho a sensação de que hoje, no Maranhão, ainda há quem, nos bastidores, escondido, covardemente, sorrateiramente, sub-repticiamente, denomina “juizinho de merda” o magistrado que decide com independência, que não aceita pressão, não faz concessão, não faz conchavo e para quem todos são iguais perante a lei, ainda que isso possa ser, para muitos, uma quimera. Tenho a nítida sensação de que, por essas paragens, aqui na província, há quem imagine que pode, com sua ação perniciosa, com o poder que ostenta, a ferro e fogo, dar por encerrada a ascensão de algum “juizinho de merda”, como pretendeu fazer Chateaubriand.Em tempo: voltaram a distribuir carta anônima dentro do Tribunal para tentar impedir a minha promoção por antiguidade. O(a) canalha não perde por esperar. Vou voltar ao assunto.
Nao teria como o senhor expor o conteúdo dessas cartas anônimas?