Sentença condenatória. Roubo duplamente qualificado

 

Processo nº 150522009

Ação Penal Pública

Acusado: S. V. da C.

Vítima: M. A. M. R.


Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra S. V. da C., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Código Penal, de cuja denúncia colho os seguintes fragmentos, verbis:

A peça inquisitorial, teve início através do auto de prisão em flagrante de fls. 02 a 08, noticiando a prática do delito capitulado no artigo 157,§2º, inc. I e II, do COM, realizado pelo denunciado anteriormente qualificado na companhia do menor, J. M. R. A., vulgo “Dondon”. Os quais cometerem tentativa de assalto, na data de 26/05/2009, por volta das 21 horas, no estabelecimento comercial, Lan House Speed Cyber Net, localizada na Av. João Alberto, nº 7-A, Santa Efigência, de propriedade do Sr. M. A. M. R., donde apoderaram-se da renda da lan house, bem, dos pertences de clietes e funcionários do estabelecimento (Sic)

Mais adiante, litteris:

Consta nos autos que na ação criminosa, o denunciado e o menor, invadiram o local anunciando o assalto, sendo que Júlio Mário o menor, foi quem adentrou com a arma de fogo em punho ( revólver cal. 38, marca Taurus, seis tiros, de numeração 942388, com três munições intactas, apreendido às fls. 16 dos autos); ambos os meliantes abordaram os presentes e passaram a revistá-los, subtraindo os objetos apreendidos às fls. 16, 01(um) celular digital MP10, cor preta; 01(um) cordão de cor amarela; 01(uma) carteira porta céduloa, com documentos de Elielson Alves dos Santos e a quantia de R$ 10,00 (dez reais), inclusive a quantia de 45,00 (quarenta e cinco reais), renda do estabelecimento; restituídos as vítimas fls. 17/21, (Sic)

 

A persecução criminal teve início com o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado (fls.08/14).

Auto de apresentação e apreensão e entrega às fls.22.

Termo de entrega às fls. 23, 24, 25, 26 e 27.

Recebimento da denúncia às fls. 60/61.

Resposta à denúncia às fls. 67/69.

Durante a instrução criminal foram as testemunhas M. A. M. R. (fls. 100), D. P. C. (fls. 107) e N. C. S. da S. (102).

O acusado foi interrogado às fls. 132/133.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia (fls.118/119)

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado ou, no caso de condenação, que seja desclassificado o crime de roubo tentado por tentativa de furto (fls.124/128

Relatados. Decido.


01.00. Tendo às mãos o caderno administrativo, o Ministério Público ofertou denúncia contra D. S. J., vulgo “Careca” (ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), à alegação de ter malferido a ordem pública, fazendo subsumir a sua ação no artigo 157, §2º, I e II, do Codex Penal.

02.00. Na jornada probatória que agora se encerra, várias foram as provas coligidas, quer no âmbito administrativo, quer no âmbito judicial.

03.00. Da primeira fase da persecutio, iniciada com o auto de prisão em flagrante, destaco, a palavra dos adolescentes G. R.L.s e W. S. V.(fls.18/19, 20), e a confissão do acusado ( 21).

04.00. Consigno que, na mesma sede, foram apreendidas os instrumentos utilizados na prática do roubo (fls.24 e 25).

05.00. Da segunda fase da persecutio, inaugurada com o recebimento da proemial, destacam-se vários depoimentos, os quais comprovam, quantum satis, a existência do crime e sua autoria.

05.01. São as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa que vou analisar a seguir.

06.00. A primeira testemunha inquirida foi M. C. L. proprietário da Auto-escola Byron, de cujo depoimento, às fls. 126, colho os seguintes fragmentos:

I – que no momento em que o desconhecido anunciou o assalto, portando uma arma de fogo, mais precisamente um revólver calibre 38, J. R. reagiu aplicando-lhe um tapa no rosto;

II – que, nessa hora, outro assaltante entrou na auto-escola, também portando arma de fogo;

III – que Á. P. S. teve o cordão de prata subtraído;

IV – que, depois que os autores do fato deixaram o local do crime, noticiou o fato à Policia;

V – que a Polícia, algum tempo depois, apresentou-lhe o acusado; e

VI – que o acusado foi reconhecido, sem nenhuma dúvida como um dos autores do crime

07.00. Em seguida foi ouvida a testemunha Á. P. S., às fls. 127, donde se vê os seguintes excertos:

I – que, ao tempo do fato, estava na auto-escola Byron;

II –que viu quando quatro pessoas entraram na auto-escola, anunciando o assalto;

III – que dos quatro assaltantes, havia dois armados com revólveres;

IV – que, anunciado o assalto, um dos clientes da auto-escola, J. R., travou luta corporal com um dos assaltantes;

V – que os assaltantes, depois de insistentes apelos de M., que estava com sua esposa no local, gravidade de nove meses, os assaltantes resolveram deixar o local;

VI – que, antes de saírem, os assaltantes arrancaram o cordão do pescoço do declarante;

VII – que não conseguiu reaver o cordão; e

VIII – que foi à Delegacia, onde reconheceu o acusado como um dos assaltantes.

08.00. Mais adiante foi ouvida a testemunha J. de R. C., às fls. 128, policial militar da reserva, que foi quem, estando no local da ocorrência, reagiu ao assalto.

09.00. Do depoimento da testemunha em comento, às fls. 128, vejo ressair, com especial relevância, os seguintes excertos:

I – que se recorda que entraram quatro elementos na auto-escola, três dos quais portando arma de fogo;

II – que, após o anúncio do assalto, se atracou com um dos assaltantes que estava armado;

III – que os assaltantes se apavoraram com a sua reação e deixaram o local;

IV – que sabe informar que os assaltantes subtraíram os pertences de pessoas que estavam na auto-escola;

V – que tomou conhecimento que levaram pulseiras, cordões e relógios; e

VI – que, depois de preso o acusado, o reconheceu como um dos assaltantes.

10.00. Os policiais que prenderam o acusado – P. S. R. dos S. (fls.129) e J. R. A. T. (fls.130) – declinaram, com relevância, a apreensão de uma das armas de fogo utilizadas no assalto em comento.

11.00. G. R. S., do rol da defesa, às fls. 131, nada informou acerca do crime (fls.131).

12.00. Essas, as provas produzidas; provas que me dão a certeza, a convicção de que o acusado, contando com o concurso de outros meliantes, dentre os quais dois menores – G. R. L., vulgo “Cabeção”, W. S. V., vulgo “Cabeça Furada”, e J. C. N. L. – , atentou, sim, contra a ordem pública, hostilizando o artigo 157 do CP.

13.00. O acusado, verdadeiramente – como, aliás, confessou em sede administrativa -, subtraiu coisa alheia móvel, no caso um cordão (de prata ou aço, não importa), que foi arrancado do pescoço de A. P. S., depois ser impedido de articular qualquer reação em defesa de seu patrimônio, sob a ameaça de arma de fogo.

14.00. Além da subtração, mediante violência e grave ameaça, é bem de ver-se, de mais a mais, que o crime restou duplamente qualificado – pelo concurso de pessoas e pelo emprego de armas de fogo.

15.00. O acusado e comparsas, vejo das provas produzidas, com destaque para as testemunhas que se encontravam no local da ocorrência, cujos depoimentos analisei acima, chegaram à Auto-Escola Byron, plena luz do dia, empunhando armas de fogo, e anunciaram o assalto – destemidamente, corajosamente, impiedosamente, sem receio, sem enleio, como se vivessem numa terra sem lei.

16.00. O acusado e seus comparsas, no entanto, não contavam com a reação, corajosa e destemida, de uma testemunha – J. de R. C. (fls.128) -, que conseguiu evitar que os prejuízos materiais aos presentes fossem mais relevantes.

16.01. O acusado, com efeito, não pretendia apenas subtrair um cordão; pretendia, sim, muito mais. Todavia, foi obstado, por circunstâncias não imaginadas, as quais lhe frustraram as expectativas.

17.00. Mas que não se argumente, à conta disso, ou seja, de o acusado ter subtraído apenas um cordão de prata, que o fato é atípico, em face da insignificância da lesão, pois que, sabe-se, o princípio da insignificância é incompatível com o crime de roubo, tendo em vista que o legislador, com esse tipo penal, pretendeu proteger não somente o patrimônio, mas, também, a integridade física do ofendido.

18.00. No caso sub examine o ofendido – e os presentes, claro – só está contando história porque, felizmente, não sucumbiu diante da arma de fogo do roubador e de seus comparsas.

19.00. É cediço que o acusado, quando determinou-se pelo crime, teve a motivá-lo o desejo de desfalcar, significativamente, o patrimônio dos presentes à auto-escola Byron; e, para esse fim, se necessário, mataria, pois, para ele – e comparsas – , a vida não tem nenhuma relevância, insensível que demonstrou ser.

19.01. Para sua infelicidade – e dos demais comparsas – , havia um policial da reserva que, sem temor, sem medir as conseqüências, reagiu, inviabilizando, assim, que tivesse êxito a empreitada criminosa que colocaram em prática.

20.00. Importa consignar que o crime em comento, além de duplamente qualificado – pelo emprego de arma de fogo e pelo concurso de pessoas – restou consumado, pois que a vítima não mais recuperou o cordão que lhe foi subtraído.

21.00. Não há dados idôneos nos autos, sobreleva gizar, que possa fazer concluir que o acusado tenha ao menos tentado subtrair outros bens dos presentes, a caracterizar o concurso formal, mesmo porque, já se sabe, ao anunciar o assalto, foi surpreendido com a reação de um dos presentes.

22.00. É verdade que há notícias de que o acusado e seu bando tenham realizado outras subtrações. Todavia, as vítimas dessas outras subtrações não foram sequer identificadas, daí que, para mim, resta provado, com sobra, apenas o roubo que vitimou Á. P. da S..

23.00. Convém gizar que, após a prática do crime, o acusado foi preso pela polícia militar e levado à presença das testemunhas e vítima, tendo sido reconhecido, sem a mais mínima dúvida, como autor do crime narrado na denúncia.

24.00. Infere-se, pois, do quadro de provas emoldurado nos autos, que não há dúvidas, mínimas que sejam, de que o acusado, efetivamente, contando com o concurso de três menores, afrontaram a ordem pública.

25.00. Espera-se do Estado-Juiz, agora, que submeta o acusado às penas correspondentes ao agir reprochável, tudo de conformidade com preconizado no preceito secundário do artigo 157 do CP.

26.00. O Estado, tenho dito, nada obstante as constantes violações dos preceitos legais, necessita sobreviver.

26.01. Para sua sobrevivência, ele tem que velar pela paz e pela segurança dos cidadãos, daí a necessidade de que o acusado, em face de sua ação, seja punido exemplarmente.

27.00. O acusado deve ser punido, para que saiba que existem normas no arcabouço jurídico que devem ser respeitadas, para possibilitar a coexistência do indivíduo em sociedade, sem o que a vida seria um caos.

28.00. Pode-se afirmar, à luz do que foi exposto, a par das provas produzidas, que o acusado lesionou bem jurídico protegido pela lei penal, razão pela qual deve ser punido, para que sirva de exemplo e para que se saiba que os atos criminosos devem merecer a necessária reprimenda por parte dos agentes estatais.

29.00. A conduta do acusado, disso não se tem mais dúvidas, corresponde, objetivamente, à conduta descrita pela lei, incorrendo o seu autor no juízo de censura e reprovação social.

30.00. Das provas pode-se inferir que o acusado foi além da vontade de delinquir. O acusado foi muito além. Colocou em prática o que havia planejado e, com essa determinação, agiu – e afrontou toda sociedade, já vilipendiada, dia sim, outro também, pela ação descontrolada de marginais do mesmo matiz.

31.00. A simples vontade de delinqüir não é punível. Todos sabemos que, para que tenha repercussão jurídica, essa vontade deve ser seguida de um comportamento externo; comportamento que, já se viu, foi realizado pelo acusado e seu bando, sem nenhum receio, sem temor, quiçá acreditando na impunidade que grassa em nossa sociedade.

32.00. O acusado não foi impulsionado à prática do crime por nenhuma uma força irresistível. O acusado, ao reverso, agiu voluntariamente, conscientemente; tinha total domínio dos fatos.

32.01. Tivesse agido o acusado compelido por força exterior e irresistível, não haveria que se falar em conduta típica e antijurídica.

33.00. A conduta, importa redizer, implica vontade, desejo.

33.01. A conduta, para interessar ao direito penal, tem que ser voluntária, voltada para uma finalidade, porque é inconcebível que haja vontade de nada ou vontade para nada.

34.00. Em face do contexto probatório, posso afirmar que o acusado foi impulsionado a cometer o crime pelo desejo de se apropriar de coisa alheia móvel, sem medir as conseqüências.

35.00. O acusado, essa é a leitura que faço das provas, tinha, sim, ao tempo do fato, capacidade de querer e de entender, razão pela qual posso afirmar que, ao atentar contra a ordem publica, o fez sob absoluta higidez mental.

36.00. O acusado e seus comparsas, depois de praticado o assalto, foram perseguidos pela Polícia Militar, tendo-se notícia de que, durante a fuga, um dos comparsas do acusado, G. R. L., vulgo Cabeção, assassinou J. N. dos S., roubando-lhe uma motocicleta, do que se infere, também por isso, que o acusado se uniu a meliantes perigosos para cometer crimes, disso resultando que se deve a ele dispensar tratamento rigoroso, compatível com a gravidade do crime que cometeu; rigor que só não pode ser traduzir em ilegalidade, em afronta aos postulados legais.

37.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, consequentemente,

condenar D. S. J., vulgo “Careca”, brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de J.S. S.e J. de R. N. J., residente na Travessa Nova do Canavial, nºm01, Sacavém, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Código Penal brasileira, cujas pena-base fixo em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento e de penas previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157, totalizando, assim, definitivamente, 05(cinco) anos e 04(quatro) meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

38.00. O acusado esteve preso durante toda instrução e preso deve permanecer, em face de sua perigosidade, aferida, sobretudo e fundamentalmente, em razão do crime pelo qual está sendo responsabilizado.

39.00. O acusado, é verdade, não tem registros penais anteriores, dado que, isoladamente, não pode ser considerado para conceder-lhe o direito de recorrer em liberdade.

40.00. O crime praticado pelo acusado é de extrema gravidade. O acusado, bem se viu, uniu-se a um bando de marginais, ainda na mais tenra idade, para assaltar, quiçá confiante na impunidade que, infelizmente, tem sido a regra.

40.00. Reconheço os efeitos deletérios do cárcere. Reconheço que a prisão é a última ratio. Mas reconheço, também, que o acusado, em razão de sua personalidade perigosa, em face do perigo que representa para ordem pública, da insegurança em que vivemos, da sensação de impunidade, dos efeitos didáticos de uma prisão, deve, sim, ser mantido preso, em tributo à ordem pública.

41.00. E não se argumente que os efeitos psicológicos de uma prisão, tratando-se de um jovem de 18(dezoito) anos, devem ser evitados, pois que esse argumento a mim não me molifica, pois que, muito pior que os efeitos do cárcere são os abalos psicológicos infligidos às vítimas.

42.00. Com as considerações supra, revigoro, aqui e agora, os efeitos da prisão em flagrante do acusado, para que o mesmo, ergastulado, aguarde o transito em julgado desta decisão.

43.00. Recomende-se, pois, o acusado na prisão em que se encontra.

44.00. Condeno o Estado a pagar ao Defensor dativo, à guisa de honorários, o valor de R$ 2.250,00(dois mil e duzentos e cinquenta reais).

45.00. Oficiar, pois, a quem de direito, para providenciar o pagamento.

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado, expeçam-se Cartas de Sentença.

Lançar, outrossim, o nome dos réus no rol dos culpados.

Arquivem-se, após, com a baixa em nossos registros.

Façam-se as comunicações de praxe.

 

São Luis, 13 de outubro de 2009.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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