Sentença condenatória. Roubo duplamente qualificado

 

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Processo nº 63642009

Ação Penal Pública

Acusado: C. de S. P.

Vítima: R. de J. A. D.


Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra C. de S. P., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Codex Penal, em face de, no dia 03.03.2009, por volta das 21h30, em companhia de outro meliante, ter assaltado R. de J. A. D., estando este em companhia de sua namorada A.C. C. D., de quem subtraiu uma motocicleta YAMAHA FAZER250, cor preta, de cuja denúncia sorvo os excertos abaixo, litteris:

Consta nos autos, que o casal, ao parar a moto supra, embaixo do elevado da Cohama para abrigarem-se da chuva que caía, foram surpreendidos por dois elementos, os quais deram voz de assalto a R., o qual estava parado de pé ao lado da moto e C., ainda encontrava-se sentada na garupa do veículo, tendo um deles apontado uma pistola para o casal, enquanto o outro mantinha a mão por baixo da camisa; assim, sem qualquer opção, a motocicleta foi entregue aos meliantes, os quais, logo em seguida, evadiram-se do local (Sic).

A persecução criminal teve início com o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor do acusado (fls.08/14).

Auto de apresentação e apreensão às fls. 16.

Termo de Restituição às fls. 24.

Recebimento da denúncia às fls. 46/47.

Defesa preliminar às fls. 78

Durante a instrução foram ouvida a vítima R. de J. A. D. (fls.90) e as testemunhas A. C. C. D. (fls.99) e G. M. M. da C. (fls. 110)

O acusado foi interrogado às fls. 108.

As partes não requereram diligências.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia (fls.111/112).

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, IV, do CPP, dizendo que não existem provas de que tenha sido autor do crime narrado na denúncia, e que, quando muito, poder-se-ia admitir ter praticado o crime de estelionato

Relatados. Decido.


01.00. Os autos sub examine noticiam desvio de conduta relevante, fato da vida real que o legislador definiu como crime (roubo duplamente qualificado), que teria sido protagonizado por C. de S. P., em detrimento do patrimônio e da integridade física de R. de j. A.D..

02.00. A persecução criminal (persecutio criminis) se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.

03.00. Na primeira fase da persecução avulta de importância o auto de prisão em flagrante, do qual consta, dentre outros dados relevantes para definição da autoria do crime noticiado na denúncia, a palavra do ofendido, o qual reconheceu o acusado como autor do crime (fls.12).

04.00. Da mesma sede assomam, também com especial importância, a apreensão da res furtiva em poder do acusado (fl.16) e sua devolução ao ofendido (fls.24).

05.00. O acusado, importa consignar, negou a autoria do crime (fls.13).

06.00. Com esses dados proeminentes, encerrou-se a fase periférica da persecução, com fortíssimos indícios de que o acusado, em concurso com outro meliante, com emprego de arma de fogo, atentou, sim, contra o patrimônio de R. de J. A. D..

07.00. O Ministério Público, de posse do caderno administrativo, deflagrou (deflagrare) a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF) (nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio) tendo, na proemial (nemo in indicium tradetur sine accusatione), denunciado o acusado, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Digesto Penal.

08.00. Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF), produziram-se provas, com destaque para a palavra do ofendido, de cujo depoimento, às fls. 98, vejo irromper os seguintes fragmentos:

I – que, no dia do fato, estava em companhia de A. C. C. D., sob o viaduto da Cohama, aguardando a chuva passar;

II – que dois rapazes se aproximarem, quando um deles sacou de uma pistola e determinou que entregasse a moto;

III – que a sua moto foi recuperada 04(quatro) dias depois do assalto;

IV – que recuperou a moto, depois de vê-la em poder do próprio acusado;

V – que quando o acusado foi preso ainda estava usando a mesma camisa listrada que usou na ocasião do assalto; e

VI – que quando prenderam o acusado logo o reconheceu como autor do assalto

09.00. Dando curso à instrução foi inquirido, às fls. 99, A. C. C. D., que estava em companhia do acusado, por ocasião do assalto, de cujo depoimento destaco as seguintes passagens:

I-que, no dia do fato, estava em companhia do ofendido, sob o viaduto da Cohama, esperando passar a chuva;

II – que foram surpreendidos com a presença de dois desconhecidos, os quais anunciaram o assalto;

III – que se recorda que um dos desconhecidos exibiu arma de fogo;

IV – que o outro permaneceu com a mão sob a camisa, dando a entender que também estivesse armado;

V – que subtraíram a moto do ofendido;

VI – que o fato aconteceu numa terça-feira e o ofendido recuperou a moto na sexta-feira subseqüente.

10.00. Em seguida, foi inquirida, às fls. 110, a testemunha G. M. M. da C., de cujo depoimento destaco o excerto no qual afirma que o acusado, no dia 13 de março, esteve na sua residência, onde foi jantar, tendo lá chegado por volta das 19h00, e tendo saído depois que terminou a novela das oito.

11.00. Encerrando a instrução, o acusado foi interrogado, às fls. 108, donde se vê os seguintes fragmentos:

I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;

II – que não sabe a quem atribuir a prática do crime;

III – que, ao ser preso, estava de posse da res furtiva;

IV- que não sabia que a moto era produto de roubo; e

V – que pretendia comprar a moto de uma pessoa alcunhada “Cabeludo”.

12.00. Resulta do exame das provas produzidas nas duas fases da persecução que o crime, efetivamente, ocorreu, cujo autor foi o acusado, o qual, registre-se, praticou o crime com emprego de arma de fogo e contando com o concurso de outro meliante, que se limitou a intimidar a vítima, dando a entender que estivesse armado.

13.00. Os depoimentos do ofendido e de C. C. D. são arrasadores, de modo a não deixar a mais mínima dúvida acerca da existência do crime, de sua autoria e das duas qualificadoras apontadas na denúncia.

14.00. Além da contundência dos depoimentos das testemunhas em comento, anoto que, ao ser preso, o acusado estava de posse da res furtiva, conforme termo de apreensão, ratificado, depois, pelo próprio acusado, por ocasião do seu interrogatório.

15.00. O acusado, numa linha de defesa equivocada, disse, em sede policial, que, ao tempo do fato, estava em sua residência, assistindo a novela da TV Globo (cf. fls.13).

16.00. Em sede policial, devidamente assistido por advogado, preferiu não mencionar o local onde se encontrava ao tempo do fato (fls.108/109).

17.00. Todavia, com a testemunha de defesa G. M. M. da C., contatada para mentir, o acusado voltou ao álibi, só que se esqueceram de combinar com a testemunha.

17.01. Com efeito, a testemunha G. M. M. da C., para dar sustentação ao álibi do acusado, disse que, ao tempo do fato, ele, e sua esposa, estiveram na sua residência, até depois da novela das 08h00, onde jantaram anchova recheado com camarão (fls.110).

18.00. A defesa, repito, esqueceu de combinar com a testemunha que o acusado não apresentou esse álibi em sede judicial e que, ademais, a fazer fenecer esse álibi, em sede administrativa disse que estava em sua própria residência, ao tempo do fato.

19.00. Mas os equívocos da defesa não param por aí.

20.00. A defesa, descuidada, não disse à testemunha que o crime não ocorreu no dia 13 de março, dia da suposta janta, mas no dia 03 de março, dia em que o crime efetivamente aconteceu, cuja autoria, agora, não se tem mais dúvidas.

21.00. Reafirmo, agora, que o acusado, efetivamente, subtraiu para si coisa alheia móvel, depois de, com exibição de arma, inviabilizar qualquer resistência do ofendido, em defesa do seu patrimônio.

22.00. Reafirmo, ademais, que o crime restou duplamente qualificado pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo.

23.00. É verdade que a arma de fogo não foi apreendida. É verdade, também, que o comparsa do acusado não foi identificado. Mas é verdade, também, que, a par da palavra do ofendido e da testemunha que o acompanhava, não se tem dúvidas de que foi utilizada arma de fogo e que, ademais, houve o concurso de pessoas, daí ser irrefragável o reconhecimento das qualificadoras.

24.00. A palavra do ofendido, em crimes desse matiz, todos sabemos, tem especial importância.

24.01. Mais importante, ainda, é o depoimento do ofendido, nos chamados crimes clandestinos, se esse depoimento tem respaldo em outras provas produzidas e se, de mais a mais, o ofendido não tinha nenhuma razão de ordem pessoal para imputar o crime ao acusado.

25.00. O acusado, agora, em face de sua ação réproba, tem que receber do estado a necessária reprimenda, traduzidas em penas privativas de liberdade e multa, previstas no preceito secundário do artigo 157 do Digesto Penal.

26.00. Além das provas demonstrarem, quantum satis, ter sido o acusado o autor do crime narrado na denúncia e de tê-lo praticado em concurso e com emprego e arma de fogo, ter-se-á que concluir, a par do mesmo quadro probatório, que o crime restou consumado, em face de a res furtiva ter saído da esfera de disponibilidade do ofendido, só se incorporando ao seu patrimônio vários dias depois.

27.00. A consumação do crime de roubo, todos sabemos, se dá no exato instante em que o agente se torna possuidor da res mobilis, subtraída mediante violência ou grave ameaça, independentemente de sua possa mansa e pacífica.

28.00. A mais judiciosa doutrina segue na mesma direção, como se verá a seguir.

29.00. No caso presente, não se tem dúvidas, a res mobilis foi, sim, retirada da esfera de vigilância do ofendido. Houve, efetivamente, inversão da posse.

29.01. O acusado, com efeito, realizou todos os termos da figura delituosa, daí que o bem jurídico penalmente protegido sofreu efetiva lesão; lesão que se exprime no núcleo do tipo.

30.00. Subtrair, no sentido emprego pelo legislador ordinário, é retirar a coisa contra a vontade do titular.

30.01. Nessa linha de argumentação, o roubo restará consumado, como se deu no caso presente, quando o autor do fato, com emprego de violência ou grave ameaça, retira o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima.

31.00. Os Tribunais têm decidido, iterativamente, na mesma senda, ao proclamarem, à exaustão, que

a consumação do roubo se dá no momento da apreensão da coisa pelo agente, independentemente de haver ele exercido ou não posse duradoura e tranqüila. A rápida recuperação da coisa e a prisão do autor do delito não constituem motivos para operar-se a desclassificação do crime de roubo para a sua forma tentada” (TJAP – ACr 171003 – (6781) – C.Única – Rel. Des. Honildo Amaral de Mello Castro – DOEAP 02.06.2004 – p. 22).

32.00. No mesmo rumo é a decisão segundo a qual para a caracterização do roubo, na forma consumada, basta que haja a

inversão da posse da coisa subtraída, ainda que por breve momento, mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa” (TJAP – ACr 146502 – C.Ún. – Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 19.04.2004 – p. 12).

33.00. Não destoa a decisão que proclama que

o crime de roubo se consuma quando a coisa subtraída sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente, estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranqüila deste …”(TJES – ACr 035980222133 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 30.06.2004)

34.00. No mesmo rumo já decidiu, incontáveis vezes, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, segundo o qual

o crime de roubo se consuma a partir do momento em que a vítima tem o bem subtraído mediante violência ou grave ameaça, não se exigindo que o agente tenha posse tranqüila da res furtiva, sendo irrelevante que o acusado seja detido logo em seguida ao início da fuga”. (Apelação nº 1.330.205/0, Julgado em 03/10/2.002, 8ª Câmara, Relator: Roberto Midolla, RJTACRIM 63/128)

35.00. Importa grafar, a guisa de reforço, que, tratando-se de crime material, o que se exige, para sua consumação, é, tão-somente, a real e concreta diminuição do patrimônio do sujeito passivo, ainda que essa diminuição se dê de forma passageira.

36.00. O acusado, subjetivamente, queria e alcançou o resultado (fim especial) que buscava, qual seja, o de subtrair do ofendido coisa móvel, mediante ameaça exercida com o emprego de fogo, pouco importando, para caracterização da qualificadora, que a arma tenha sido apreendida e periciada.

37.00. Convém lembrar que a legislação, in casu, protege dois bens jurídicos distintos, quais sejam, o patrimônio (posse, propriedade, detenção) e a integridade física e psíquica do indivíduo, daí, a fortiori, a tipificação do crime de roubo no caso em comento.

38.00. O acusado, agora, em face de sua ação, tem que suportar a inflição de penas (privativa de liberdade e multa), em face da prática de fato concreto que o legislador definiu como crime.

39.00. O acusado, em face da mesma ação, deve suportar a majoração da resposta penal, porque, para consecução do crime, fez uso de arma e contou com o concurso de pelo menos mais um meliante, demonstrando, com efeito, toda a sua perigosidade.

40.00. Cumpre anotar, para finalizar, que, com os argumentos suso elencados, a tese da defesa resta enfrentada, quantum satis, sem que se faça necessário a adição de qualquer outro argumento.

41.00. A propósito da quaestio, anoto que os Tribunais têm decidido, à estafa, que

a sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário.(STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI ).

42.00 No mesmo sentido é a decisão de que

não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa…” (STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61).

43.00. Na mesma linha de pensar é o aresto no sentido de

“inocorre nulidade da sentença, por suposta não apreciação, pelo Magistrado, de teses levantadas pela Defesa, em suas alegações finais, se o Juiz, ao formar seu convencimento e elaborar sua decisão, não respondeu, ponto a ponto, a todos os argumentos mas, na estrutura final, desenvolveu adequadamente a prestação jurisdicional solicitada, afastando, implicitamente, as teses apresentadas” (Apelação nº 1.305.327/9 – São Paulo – 11ª Câmara – Relator: Pires de Araújo – 24.6.2002 – V.U. (Voto nº 7.263).

44.00. Enfrentadas todas as possíveis questões que pudessem ser rediscutidas em sede recursal, devo reafirmar, agora, que o acusado, com sua ação, afrontou, hostilizou a ordem jurídica, devendo, por isso, suportar a inflição de penas, em face do crime que praticou.

45.00. A propósito, importa anotar que crime, no plano material, se define como a violação de bem jurídico penalmente tutelado, violação que se dá através da conduta de um homem que vem definida e configurada no preceito primário da norma penal, sabido que, em face do princípio da legalidade dos crimes e das penas não existam ações ou comportamentos do homem, relevantes para o Direito Penal, sem prévia descrição legal.

46.00. O acusado, com sua conduta, violou, sim, o comando normativo penal do artigo 157, em seu momento preceptivo, devendo, por isso, se sujeitar à punição prevista no seu preceito secundário.

47.00. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade de subtrair, com a finalidade expressa no comando legal, que é o de ter a coisa para si ou para outrem (animus furandi ou animus rem sibi habend).

48.00. A prova amealhada nos autos, induvidosamente, fez chegar ao meu espírito a crença de estar de posse da verdade, da reconstrução histórica dos fatos, da verdade material tão buscada e, quase nunca, encontrada.

49.00. O fato narrado na exordial, depois de coligidas as provas, se enquadrando na descrição legal da norma incriminadora do artigo 157 do CP, justifica, legitima a potestas coercendi dos órgãos do procedimento penal.

50.00. O acusado, ao atentar contra o patrimônio da vítima, o fez com a consciência de que se tratava de um ato ilícito, e com a clara intenção de subtrair coisa alheia móvel, para incorporar ao seu patrimônio, daí o elemento subjetivo.

51.00. O próprio acusado informou que responde a mais duas ações penais nesta comarca, mais precisamente nas 2ª e 4ª Varas Criminais (cf. fls.108).

52.00. Ao depois, colhi no banco de dados desta comarca informações, (Sistema Themis), do qual vejo que o acusado, efetivamente, responde aos processos de nºs 90042009, na 2ª Vara Criminal, e 142002009, na 4ª Vara Criminal.

53.00. A tradução do exposto é que o acusado, em face dos seus antecedentes criminais, lato sensu, deve, sim, suportar a majoração das penas-base.

54.00. Tenho entendido – e tenho reiterado – que quem tem mais de uma incidência penal, ainda que não exista sentença transitada em julgado, deve suportar a majoração da resposta penal básica, pois que, desde meu olhar, não pode se pode tratar da mesma forma situações díspares.

54.01. Não pode, a meu juízo, o acusado com várias incidências penais, receber a mesma pena-base que receberia quem não é contumaz transgressor da ordem pública.

55.00. É claro que a minha posição é quase isolada. Todavia, ainda assim, forte nas minhas convicções, entendo deva majorar a resposta penal de quem tem a vida ante acta prenhe de deslizes.

56.00. Para finalizar, uma digressão, à guisa de ilustração.

57.00. A pena é a legítima conseqüência que decorre do atuar reprochável.

58.00. O Direito Penal é, sabidamente, o setor do ordenamento jurídico público interno que

“estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas conseqüências jurídicas (Luiz Regis Prado, in Curso de Direito Penal, Parte geral, Vol. I, 5ª edição, Editora Revista dos tribunais, p. 53)

59.00. O homem, por sua própria natureza, vive e coexiste em comunidade.

59.01. É o Direito que regula, que disciplina, o convívio social.

59.02. Sem disciplina e sem a contrapartida punitiva ao transgressor da ordem pública a sociedade não pode subsistir.

59.03. O Direito Penal tem como função primordial proteger os bens jurídico-penais, proteção essencial à vida em comunidade.

60.00. Decorrem da vida em sociedade, inexoravelmente, conflitos os mais diversos.

60.01. As condutas lesivas se multiplicam inapelavelmente.

60.01.01. É necessário, pois, punir, exemplarmente, aqueles que teimam em afrontar a ordem estabelecida.

60.01.02. A lei penal, por isso, é o instrumento de que se vale o Estado para reagir às agressões aos bens jurídicos tutelados pelo Direito.

61.00. O direito penal tem a missão de

“proteger a convivência humana, assegurando, por meio da coação estatal, a inquebrantabilidade da ordem jurídica”.(Luis Regis Prado, ob. cit. p. 54)

62.00. Ao transgressor da norma penal deve ser infligida, sem espaço para tergiversação, a correspondente sanção penal,

que é a principal conseqüência jurídica do crime”.(Heleno Cláudio Fragoso, in Lições de Direito Penal, Parte geral, 16ª edição, Editora Forense, 2004, p. 4

63.00. Sempre que o homem, em sua relação com seus parecentes, comete um ilícito penal, deve suportar a inflição de uma pena, como conseqüência da violação do preceito jurídico, pena que deve ser imposta pelos agentes do Estado e que corresponde à

perda de um bem jurídico imposta ao autor do ilícito, ou seja, num mal infligido ao réu, em virtude de seu comportamento antijurídico(Heleno Cláudio Fragoso, ob. cit. p. 04)

64.00. O Estado não delega a ninguém o magistério punitivo, do qual detém o monopólio, ainda que a ação penal seja promovida pelo particular.

64.01. Ao particular é defeso, assim, fazer justiça com as próprias mãos.

64.01.01. Daí a existência dos órgãos estatais, a quem compete punir aquele que transgrida a norma, desde que, claro, não tenha agido sob o manto de alguma justificante.

65.00. O Direito Penal tem por função básica, impostergável e indeclinável promover a defesa social, que se realiza através da tutela jurídica, traduzida como um

“mecanismo com o qual se ameaça com uma sanção jurídica (no caso, a pena criminal) a transgressão de um preceito, formulado para evitar dano ou perigo a um valor social (bem jurídico)”(Heleno Cláudio Fragoso, ob. cit. p. 04).

66.00. Ao Direito Penal conferiu-se a missão de proteger os bens jurídicos fundamentais ao individuo e à comunidade, através de um conjunto de normas incriminatórias e sancionatórias, visando, como ultima ratio,

punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis”. (René Ariel Dotti, in Curso de Direito penal, Parte Geral, 2ª edição, Editora Forense, p.03 )

67.00. Do conjunto de normas incriminatórias e sancionatórias despontam as que se destinam, fundamentalmente, proteger a integridade física e o patrimônio das pessoas.

68.00. A finalidade do Estado, sabe-se, é a consecução do bem comum. É a sua razão teleológica.

68.01. Para consecução desse mister, faz-se necessário ditar normas de condutas, necessárias à harmonia e equilíbrio sociais. 68.01.01. É que a vida em sociedade, que é a inclinação natural do homem, está a reclamar um complexo de normas disciplinadoras que estabeleçam regras indispensáveis ao convívio dos indivíduos.

68.01.02. A esse conjunto de regras dá-se o nome de direito positivo, as quais, além de regularem a organização do Estado, regulam, também, a conduta externa dos indivíduos, com a previsão de pena aos transgressores.

68.01.03. Essas regras, de um modo geral,

“ são cumpridas por mero contato virtual. Muitas vezes, porém, os imperativos do Direito são desrespeitados e violados” (José Frederico Marques, inTratado de Direito Penal, Vol.I, Editora Millennium, p. 20)

69.00. O Estado, nada obstante as constantes violações dos preceitos legais, necessita sobreviver.

69.01. Para sua sobrevivência,

tem ele que velar pela paz, segurança e estabilidade coletivas, no entrechoque de interesses dos indivíduos, determinado por condições naturais e sociais diversas (E. Magalhães Noronha,inDireito Penal, Vol. I, Saraiva, p. 94).

70.00. Nesse contexto,

as normas legais, por ele editadas, têm, então, a finalidade de tutelar bens-interesses, necessários à coexistência do individuo na vida em sociedade, e como interesse a representação psicológica desse bem, a sua estima”(Arturo Rocco, L’oggeto de Reato, 1913, p. 444 e s. apud E. MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, ob. cit. p. 94).

71.00. É através do direito que o Estado valoriza esses bens-interesses, pois que a sua ofensa fere mais fundo o bem comum, por afrontar as condições materiais basilares para a coletividade, daí a relevância de protegê-los com a preconização de uma sanção.

71.01. Pode-se afirmar, assim, que

crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. Sua essência é a ofensa ao bem jurídico, pois toda norma penal tem por finalidade a sua tutela(E. Magalhães Noronha, ob.cit. p. 94)

72.00. A conduta humana, para ser criminosa, há que corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica, incorrendo o seu autor no juízo de censura ou reprovação social.

73.00. Além de, necessariamente, corresponder a conduta do homem à conduta descrita pela lei, faz-se mister, ademais, que a ação seja representada

por um movimento corporal (ação) produzindo uma modificação no mundo exterior (resultado)”. (César Roberto Bittencourt), in Manual de Direito Penal, Parte Geral, Vol.I, Saraiva, p.137

74.00. Força convir, em face do exposto, quea simples vontade de delinqüir não é punível, se não for seguida de um comportamento externo. Nem mesmo o fato de as outras pessoas tomarem conhecimento da vontade criminosa será suficiente para torná-lo punível”(, César Roberto Bittencour, ob.cit. p. 160), sabido quede internis non curat praetor. Não se pode prescrutar o que vai na psique humana ( Solus Deus est cordium scrutater).

75.00. Infere-se do exposto que, se o movimento corporal do agente não for orientado pela consciência e pela vontade não se pode falar, validamente, em ação.

76.00. À luz das considerações suso, é cediço que quem atua, ad exempli, impulsionado por uma força irresistível não age voluntariamente.

76.01. Não agindo voluntariamente, não se há que falar em conduta humana e sem conduta humana, não se há de falar em crime.

77.00. O agente que atua compelido por uma força exterior e irresistível, não é o dono, claro, do ato material praticado.

78.00. O ilícito penal, bem por isso,

“é fruto exclusivo da conduta humana” ( René Ariel Dotti, in Curso de Direito Penal, Parte Geral, Forense, 2º Edição, p. 303).

79.00. O CP declara que a causa produtora do resultado (de que depende a existência do crime) é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (Art. 13, do Digesto Penal).

80.00. Devo anotar, em face do exposto, que os elementos da economia da infração penal – a conduta, a tipicidade, ilicitude e culpabilidade –

são inerentes à vontade e consciência como estado anímico do homem”. (René ArieI Dotti, ob. cit. p. 303).

81.00. Essas considerações não foram perdidas de vista na análise das provas produzidas, ao longo da jornada probatória que agora se encerra.

82.00. O acusado, efetivamente, ao cometer o crime que se lhes atribui a prática, tinha consciência da ilicitude. É dizer: não foi compelido por uma força exterior, daí que sua conduta se adéqua ao ilícito contido na norma incriminadora mencionada na denúncia.

83.00. A ação do acusado, vejo das provas produzidas, foi, sim, a causa criadora do resultado”, daí a razão pela qual deve suportar a ira estatal, traduzidas em penas (Basileu Garcia, in Instituições, Vol. I tomo, I, p. 219).

84.00. Para ilustrar, devo prosseguir, agora refletindo sobre a conduta criminosa.

85.00. Pois bem. A conduta implica vontade, desejo.

85.01. A conduta, para interessar ao direito penal, tem que ser voluntária, voltada para uma finalidade, porque é inconcebível que haja vontade de nada ou vontade para nada.

85.01.01. Foi por isso que aferi, em face do conjunto de provas, qual a vontade, qual o desejo impulsionou o acusado para a realização do tipo penal; vontade que, registre-se, não foi viciada, pois que, se o fosse, não interessaria ao Direito Penal, sabido que uma vontade sem conteúdo não é vontade.

86.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência,

Condenar C. de S. P., brasileiro, casado, motorista, filho de J. de R. P. e M. das G. de S. P., residente à Rua Alcides Pereira, nº 67, Caratatitua, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157, do CP, cujas penas-base fixo em 06(seis) anos de reclusão e 15(quinze)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de penas previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157, totalizando, definitivamente, 08(oito) anos de reclusão e 20(vinte)DM, as quais torno definitivas, em face da inexistência de causas e/ou circunstâncias outras a serem consideradas, que possam modificar o quantum, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime fechado, ex vi do §3º, do artigo 33, do Digesto Penal.

87.00. O acusado foi preso em flagrante, preso permaneceu durante toda instrução e preso deve continuar, em face dos seus maus antecedentes.

88.00. O acusado, em face de sua vida pregressa, em face do perigo que representa para ordem pública, deve ser mantido segregado, pois que, em liberdade, muito provavelmente, poderá voltar a hostilizar a ordem pública.

89.00. A ordem pública, tenho dito, não pode ficar a mercê da ação criminosa de quem quer que seja, ainda que primário e possuidor de bons antecedentes.

90.00. Com as considerações supra e sem mais delongas, revigoro, aqui e agora, os efeitos da prisão em flagrante do acusado, para que o mesmo, preso, aguarde o trânsito em julgado desta decisão.

Recomende-se o acusado, pois, na prisão em que se encontra.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado desta decisão, lance-se o nome do réu no rol dos culpados e extraia-se carta de sentença.

Após, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 20 de outubro de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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