Processo nº 213982005
Ação Penal Pública
Acusados: W. do N. P. e outro
Vítima: G. B. P.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra W. do N. P. e R. dos S. S., devidamente qualificados, por incidência comportamental no artigo 155,§4º, IV, do CP, em face de crime que teria sido praticado no dia 13 de novembro de 2005, por volta das 23h00, na Choperia Cidade Center, com a subtração de uma bicicleta de G. B. P., de cuja denúncia apanho o seguinte excerto:
“[…]Infere-se da leitura dos autos, que no dia e hora mencionados, a vítima, em companhia de alguns familiares, dirigiu-se à referida Choperia e ao adentrar no estabelecimento deixou sua bicicleta próximo da entrada e foi se divertir.Ocorre que, minutos depois, o segurança da festa foi ao seu encontro para informá-lo que a sua bicicleta havia sido furtada por dois indivíduos, tendo sido detido apenas o primeiro denunciado, enquanto o seu comparsa conseguiu fugir com a res furtiva[…]”
A persecução criminal teve início com o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor dos acusados (fls. 08/14).
Auto de apresentação e apreensão às fls. 22.
Termo de entrega às fls.27.
Recebimento da denúncia às fls. 90/91.
O acusado W. do N. P. foi qualificado e interrogado às fls.97/99, e R. dos S. S., às fls. 108/110.
Defesa prévia de R. dos S. S., às fls. 120/121.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas R. R. do N. F. (fls.147/151), M. O. de S. (fls.152/154), G. B.P. (vítima) (fls. 155/158), W.S. M.(fls. 159/162), T. de J. S. (fls.169/170) e M. M. S. dos S. (fls.171/172).
As partes nada requereram na fase de diligências (fls.174)
O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação dos acusados, nos termos da denúncia (fls.189/196)
A defesa do acusado W. do N. P., pediu: I – a sua absolvição, na forma do artigo 386, III, do CPP, em face da incidência do princípio da insignificância; ou II – o reconhecimento do furto privilegiado, uma vez que o acusado é primário e o bem furtado de pequeno valor(fls.201/205).
A defesa de R. dos S. S., de sua parte, pediu a sua absolvição, nos termos dos inciso V e VII, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal (fls.212/217).
Relatados. Decido.
01.00. Em face da presente ação penal, foram produzidas provas em duas fases distintas – sedes administrativa e judicial -, tal como preconizado em nosso Direito Positivo.
02.00. A primeira fase teve início com a prisão em flagrante dos acusados.
03.00. O primeiro conduzido, W. do N. P., às fls. 12, admitiu ter pegado a bicicleta do ofendido, a mando do acusado R. dos S. S., para comprar uma carteira de cigarro.
04.00. O acusado disse, ademais, que, em seguida, o próprio R. dos S. S. pegou a bicicleta, para comprar cigarro, tendo imaginado que a ele pertencia a res furtiva (ibidem).
05.00. O segundo conduzido, R. dos S. S., de seu lado, às fls.13, disse que foi W. do N. P. quem lhe entregou a bicicleta do ofendido, pedindo que a levasse para sua casa, vez que não tinha aonde guardá-la (fls.13)
06.00. Os acusados, pode-se ver, apresentaram versões conflitantes, em sede administrativa.
07.00. A vítima, também inquirida na mesma oportunidade, disse que o segurança da Choperia Cidade Center lhe informou que a sua bicicleta tinha sido furtada e que conseguiu deter um dos furtadores, no caso o acusado W. do N. P., e que o seu comparsa tinha fugido com a res mobilis (fls.11).
08.00. Na fase extrajudicial foi apreendida a res substracta (fls.22), posteriormente devolvida ao ofendido (fls.27).
09.00. Esses os dados mais relevantes dos colacionados em sede extrajudicial.
10.00. Tendo às mãos o caderno administrativo, o Ministério Público formulou denúncia contra W. do N. P. e R. dos S. S., aos quais imputou a prática do crime de furto, em detrimento do patrimônio de G. B. P..
11.00. O acusado W. do N. P. foi qualificado e interrogado às fls. 97/99.
12.00. Do depoimento de W. do N. P.ponho em destaque os seguintes fragmentos:
I – que, encontrando-se com Rafael na Choperia Cidades Center, este o autorizou a comprar cigarros em uma bicicleta, que dizia ser sua;
II – que, em face disso, pegou a bicicleta e colocou do lado de fora, sendo que, nessa hora, R. apareceu dizendo que ele mesmo iria fazer a compra do cigarro;
III – que quando retornou para o interior do clube, foi logo agarrado pelo segurança, tendo sido levado ao Decop, onde ficou sabendo que estava sendo acusado da prática de furto;
IV – que, diante dessa situação, resolveu entregar R.; e
V- que aconselhou W. a assumir sozinho a autoria do crime, mas ele preferiu acusar o interrogado.
13.00. O acusado R. dos S. S., divergindo do depoimento prestado em sede administrativa, disse:
I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;
II – que, em verdade, comprou de W. do N. P., por cinquenta reais;
III – que a bicicleta foi barata porque estava muito velha;
IV – que na polícia não disse que tinha comprado a bicicleta, porque ficou com medo de ser acusado de receptação.
16.00. R. R. do N. F., chefe de segurança da Choperia onde se deu o furto, disse, dentre outras coisas, às fls.147/151:
I – que, à época do fato era chefe de segurança da Choperia;
II – que viu quando os dois acusados se aproximaram da bicicleta da vítima, foram ao banheiro,fizeram uma cera, tomaram uma cerveja,para, num descuido da segurança, o acusado W. passa a bicicleta a R.;
III – que foi Rafael que deixou o local na bicicleta, tendo Wiliston permanecido no portão da choperia, como se nada tivesse acontecido;
IV – que foi o depoente quem prendeu W.;
V – que Wiliston, detido, disse que R. tinha pedido a bicicleta emprestada para comprar cigarro;
VI – que contatou com o dono da bicicleta, que negou que a tivesse emprestado aos acusados; e
VII – que a bicicleta foi apreendida na casa da avó de R..
17.00. Em seguida foi ouvida a testemunha M. O. de S., às fls. 152/154, a qual, dentre outras coisas, afirmou:
I – que já conhecia Rafael, em face de outras entradas na Polícia;
II – que a bicicleta foi localizada em uma residência de uma parenta de R., dentro do quarto;
III – que foi W. quem disse onde estava a bicicleta;
IV – que Wilistou, que acompanhava a diligência, quando viu a bicicleta, não teve dúvidas em apontá-la como a subtraída;
V – que não sabe informar qual a participação de cada acusado para realização do crime.
18.00. G. B. P., ofendido, também foi ouvido,às fls. 155/158, convindo destacar do seu depoimento os seguintes excertos:
I – que, ao tempo do fato, estava na choperia Cidade Center;
II – que foi informado pelo segurança “Jacaré” que tinham levado a sua bicicleta;
III – que o segurança veio segurando W., apontando-o como autor do crime;
IV –que a bicicleta foi recuperada no dia seguinte:
V – que não emprestou a sua bicicleta pra ninguém.
19.00. A testemunha W. S. M., a seu tempo e modo, disse, apenas, que recebeu para guardar em sua casa a res mobilis, das mãos de R., que alegou não poder guardá-la em sua casa, porque a sua mãe não lhe deixaria sair, se retornasse para casa (fls.159/162).
20.00. Finalizando a instrução, foram ouvidas duas testemunhas do rol da defesa – T. de J.S.(fls.169/170) e M. M. S. dos S. (fls.171/172), as quais não souberam informar nada que contribuísse com a verdade material.
21.00. Analisada a prova amealhada, passo à decisão.
22.00. Vejo dos autos que a res mobilis foi uma bicicleta, negociada por cinquenta reais. É dizer: o valor da res é insignificante.
23.00. Além do valor insignificante, vejo dos autos, ademais, que a vítima foi ressarcida. É dizer: a vítima não sofreu nenhum prejuízo, em face da ação dos acusados.
24.00. Pode-se ver dos mesmos autos que contra os acusados não há títulos executivos judiciais. É dizer: os acusados são primários e têm bons antecedentes, à luz princípio da presunção de inocência.
25.00. Os acusados, com sua ação, não provocaram dano sensível ao patrimônio do ofendido. É dizer: a conduta dos acusados, em face da insignificância da lesão, torna injustificável a imposição de penas.
26.00. Nessa linha de argumentação, importa consignar que o princípio da insignificância repousa no princípio maior de que é inconcebível um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria.
27.00. Nessa mesma senda releva anotar que o conceito de tipicidade, nos dias atuais, não pode ser visto apenas pelo prisma formal da subsunção, mas, também, pelo prisma material, com destaque para a lesividade ao bem jurídico, para caracterização da tipicidade.
28.00. A propósito do tema, colho do magistério de Edilson Mougenot Bonfim e de Fernando Capez a seguinte lição, verbis:
“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (…) não tem previsão legal no direito brasileiro (…), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.(“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):
29.00. A luz de todas as considerações feitas acima, posso afirmar, definitivamente, que, para que se possa concluir que uma ação é criminosa, é preciso que se faça,
além do juízo de tipicidade formal (a adequação do fato ao tipo descrito em lei), também o juízo de tipicidade material, isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade. Caso a conduta, apesar de formalmente típica, venha a lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal. (AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O princípio da insignificância e os crimes contra o sistema financeiro nacional ( Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008.)
30.00. Trago à colação, nessa mesma alheta, a guisa de ilustração, as reflexões do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco de Assis Toledo, acerca do princípio da bagatela, verbis:
“Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334, parágrafo 1º, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante.“ (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 133) r
31.00. O sitio Consultor Jurídico publicou, recentemente, matéria tratando da extinção de um processo pelo STJ, em face do furto de uma bicicleta no valor de R$ 113,40.
STJ extingue Ação Penal por furto de bicicleta
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça extinguiu a Ação Penal contra uma pessoa denunciada por ter furtado bicicleta avaliada em R$ 113,40. Como o julgamento na Turma ficou empatado, a decisão mais favorável ao réu foi aplicada. Após a condenação do acusado à pena de um ano e quatro meses de reclusão, a defesa apelou. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou provimento à apelação e afastou a alegação de crime de bagatela.
O TJ entendeu que “embora o objeto seja considerado de pequeno valor, não se fala em crime de bagatela, nem se aplica o princípio da insignificância, uma vez que deve responsabilizar-se pelo ato praticado. Não se aplica a pena no mínimo legal se o réu é reincidente em delitos contra o patrimônio”. Segundo a decisão, não cabe absolvição, pois estão caracterizadas a autoria e a materialidade do crime.
No recurso ao STJ, a defesa sustentou que a conduta é atípica, à vista do princípio da insignificância. Segundo argumentou, além do pequeno valor da bicicleta, nenhum prejuízo adveio à proprietária, pois o bem foi integralmente restituído. Requereu, então, a extinção da Ação Penal instaurada contra o acusado.
Em parecer, o Ministério Público Federal discordou, opinando pela denegação da ordem. “Nos crimes patrimoniais, os objetos subtraídos têm valor relativo, não se podendo concluir pela não caracterização do ilícito penal à conta da suposta irrelevância da res, sem cotejar o seu valor com as condições econômicas da vítima”, afirmou. Para o MPF, há distinção entre bens de ínfimo e de pequeno valor para a aplicação do princípio da bagatela.
Ao votar, o relator do caso, ministro Nilson Naves, concedeu a ordem a fim de extinguir a Ação Penal. “Há, no caso, constrangimento ilegal, pois o fato pelo qual o paciente foi condenado evidentemente não constitui crime, tem a conotação própria da insignificância”, afirmou. Para o relator, sendo ínfimo o valor do bem apreendido pela Polícia — avaliado em R$ 113,40 — e não havendo nenhuma repercussão no patrimônio da vítima, impõe-se o reconhecimento da atipicidade material.
O desembargador convocado Celso Limongi concordou com o relator. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e o desembargador convocado Haroldo Rodrigues discordaram. Verificado o empate, foi declarada a extinção da Ação Penal, com a aplicação do princípio do Direito segundo o qual, em caso de empate, seja adotada a solução mais benéfica ao réu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
27.00. É cediço que, em determinadas hipóteses, o reconhecimento do crime bagatelar pode estimular a criminalidade, pois que escancara a possibilidade de que muitos busquem furtar objetos do mesmo valor, o que, é certo, traria graves riscos à convivência social.
28.00. Para mim, no entanto, os acusados não oferecem esse tipo de perigo.
29.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo improcedente da denúncia, para, consequentemente,
absolver os acusados W. do N. P., brasileiro, solteiro, mecânico, filho de A.. de S. P. e E. S. do N., residente na Unidade 101, Rua 03, Casa 66, Cidade Operária, e R. dos S. S., brasileiro, solteiro, lavador de carro, filho de A. F. de L. S. e M. do S. dos S. S., residente na Unidade 101, Rua 05, Casa 80, Cidade Operária, o fazendo com espeque no artigo 386, III, do Codex de Processo Penal
P.R.I.C.
Sem custas.
Com o trânsito em julgado desta decisão, arquivem-se os autos.
Dê-se baixa, a seguir, em nossos registros.
São Luis, 14 de outubro de 2009.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal