Sentença condenatória. Porte Ilegal de Arma de Fogo

 

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Processo nº 196502006

Ação Penal Pública

Acusado: T. V. R.

Vítima: Incolumidade Pública


Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra T. V. R., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 14, da Lei 10.826/2003- Estatuto do Desarmamento, em face de, no dia 19 de agosto de 2006, por volta de 16h45, ter sido preso e autuado em flagrante, de posse de uma arma de fogo, sem autorização legal.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls. 07/11).

Auto de apresentação e apreensão às fls. 13.

Recebimento da denúncia às fls.126/127.

Laudo de exame em arma de fogo às fls. 131

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 143/144.

Defesa prévia às fls. 146/147.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas S. da S. E. (fls.160), C. S. C. M.(fls.161) e A. de M. S. (fls.162).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do nos termos da denúncia(fls. 144166).

O a defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado ou, no caso de condenação, que seja fixada a pena no mínimo legal (fls. 177/179)

Relatados. Decido.


01.00. T. V. R., viu-se acima, foi denunciado pelo Ministério Público, em face de ter malferido o preceptum iuris do artigo 14 (porte ilegal de arma de fogo), da Lei 10.826/2003 – Estatuto do Desarmamento.

02.00. Antes, uma digressão, à guisa de ilustração.

03.00. Sob a rubrica porte ilegal de arma de fogo, o legislador previu treze diferentes condutas típicas, que não se restringe ao porte do artefato. São elas: portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar.

04.00. Trata-se, como se pode inferir, do tipo misto alternativo, no qual a realização de mais de um comportamento pelo mesmo agente implicará sempre um único delito, por aplicação do princípio da alternatividade.

05.00. Três são os objetos materiais: a) arma de fogo, b) acessórios ou c) munição.

06.00. Assim, haverá a configuração típica sempre que as ações de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob a guarda ou ocultar arma de fogo, acessórios ou munições forem praticadas sem autorização e com desrespeito à determinação legal ou regulamentar.

07.00. Convém anotar, com efeito, que aquele que pratica uma dessas condutas típicas sem autorização já está automaticamente violando a lei ou o regulamento.

08.00. O delito se consuma com a realização da conduta e as condutas previstas pelo legislador são todas dolosas, tratando-se de dolo simples, direto, não tendo o legislador exigido nenhum motivo.

09.00. A objetividade jurídica é a incolumidade pública, cuidando-se de crime de perigo, já que para caracterização da tipicidade não se exige o dano ( o resultado da conduta) e sim o perigo.

10.00. A par dessas diretrizes, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para aferir, alfim e ao cabo do exame, se o acusado, efetivamente, fez subsumir a sua ação no tipo penal referido a denúncia.

11.00. O acusado T. V. R., reafirmo, foi denunciado pelo Ministério Público, à alegação de ter malferido o preceptum iuris do artigo 14, da Lei 10.826/2003, por ter sido preso em flagrante, portando arma de fogo.

12.00. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa do acusado, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.

12.01. Tudo isso porque, sabe-se, ao magistrado é defeso julgar o réu por fato de que não foi acusado(extra petita ou ultra petita), ou por fato mais grave(in pejus), proferindo sentença que se afaste do requisitório da acusação

13.00. A persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

14.00. A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas que se avoluma nos autos

15.00. Pois bem, a primeira fase, teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls.07/11).

16.00. O acusado confessou a autoria do crime, afirmando que estava portando a arma de fogo, tendo vista que, no dia do fato, pretendia se deslocar até a Rua 05 do bairro onde mora e ficou sabendo que por lá estaria um elemento que matou um primo seu (fls.10)

17.00. O acusado disse, ademais, que antes de chegar ao destino, foi abordado pela Polícia, estando de posse de um revólver calibre 22, municiado com quatro projéteis (ibidem)

18.00. Na mesma sede foi apreendida a arma de fogo em comento(fls.13)

19.00. A arma apreendida foi periciada, tendo sido constatado pelos jusperitos que estava apta a produzir disparos (fls.131).

20.00. Com os dados acima mencionados posso afirmar que estão presentes veementes indícios de autoria.

20.00. Faz-se necessário, pois, continuar analisando o quadro probatório, objetivando esclarecer definitivamente os fatos imputados ao acusado, na certeza de que somente a prova plena, extreme de dúvidas, autoriza o desfecho condenatório.

21.00. Encerrada a primeira fase, o Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado, imputando ao mesmo o malferimento do artigo 14, da Lei 10.826/2003 fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

22.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emerge, com singular importância, a confissão do acusado (fls. 143/144).

23.00. Para justificar o porte da arma de fogo, o acusado disse que a comprou porque tinha muitos inimigos no bairro onde mora.

24.00. O acusado disse, ademais, que havia uma pessoa, nominada N., que já havia atentado contra a sua vida, razão pela qual precisava da arma para se defender.

25.00. A confissão do acusado foi respaldada pelos depoimentos de S. da S. E. (fls. 160) e C.S.C.M.(fls. 161), policiais militares que o prenderam portando a arma de fogo antes mencionada.

26.00. Com esses dados, encerrou-se a produção de provas.

27.00. A par do patrimônio probatório, não tenho a mais mínima dúvida de que o acusado T. V. R., efetivamente, portava arma de fogo, sem autorização legal, ao tempo de sua prisão, fazendo subsumir a sua ação no preceito primário do artigo 14 do Estatuto do Desarmamento.

28.00. A prova acerca da autoria e da materialidade do crime, viu-se acima, é plena.

29.00. O acusado confessou o crime nas duas oportunidades nas quais foi interrogado, conquanto tenha apresentava justificativas diferentes para o fato de estar armado, dado que, inobstante, não tem relevância para tipificação do crime.

30.00. A confissão do acusado foi respaldada pelos depoimentos de S. da S.E.(fls. 160) e C.S. C. M. (fls. 161).

31.00. Do que restou apurado, reafirmo, não se tem dúvidas de que o acusado fez subsumir a sua ação no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, devendo, agora, se submeter às conseqüências jurídico-penais de sua ação.

32.00. O acusado, importa dizer, agiu com a vontade livre e consciente, tanto que afirmou estar portando a arma de fogo para se proteger, em face dos vários inimigos que diz ter.

33.00. A conduta do acusado, ao portar ilegalmente arma de fogo, é antinormativa e o fato, materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizado pessoalmente pela ação que praticou.

34.00. O acusado, ao decidir-se pelo porte ilegal de arma, tinha, à época do fato, plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

35.00. O acusado, portando a arma de fogo apreendida em seu poder, tinha plena consciência da situação fática em que se encontrava, sabia exatamente aquilo que fazia, daí poder-se imputar a ele, a título de dolo, a potencialidade lesiva de sua ação.

36.00. No exato instante em que o acusado, com sua ação, atentou contra a ordem jurídica, fez descer o jus puniendi do plano abstrato, para o plano concreto, nascendo daí a pretensão punitiva do Estado, sabido que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito.

37.00. As provas, viu-se acima, foram produzidas em duas sedes distintas, ou seja, sedes administrativa e judicial.

37.01. E não vale alegar que a prova produzida em sede extrajudicial é imprestável. Não é assim que compreendo a questão e não é assim que a compreendem os nossos Sodalícios.

36.01.01. Tenho dito e redito que as provas produzidas em ambiente extrajudicial podem e devem ser buscadas para compor o quadro de provas, como, aliás, têm sido proclamado pelos nossos Tribunais, à exaustão.

37.00. No caso presente, é fácil entrever que busquei na fase extrajudicial a apreensão da arma de fogo e a prova pericial, para formar a minha convicção acerca do crime em comento.

37.01. Com isso, sublinho, não ultrajei a ordem jurídica, pois que, é ressabido, tais provas são submetidas ao crivo do contraditório na ambiência judicial, oportunidade em que se abrem ensanchas para que as partes acerca delas expendam as suas considerações e as suas impugnações.

38.00. Cediço, assim, que tais provas, ainda que produzidas em ocasião anterior ao due proces of law, podem e devem ser buscadas para integrar e fortalecer o conjunto de provas, sem que, com isso, se atente contra os princípios constitucionais que oxigenam o processo judicial.

38.01 Nesse passo, posso reafirmar, como já fiz algures, que à prova administrativa não se pode negar valor probatório, inclusive para que outorguem supedâneo a um decreto de preceito condenatório.

38.02. Nessa linha de entendimento, cabe referir e citar, porque decorrente de decisão similar, o aresto que proclama que

havendo algum suporte probante judicial, obtido em instrução contraditória, a prova do inquérito pode e deve ser convocada a compor, integrar e fortalecer o quadro probatório

39.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente, em parte, a denúncia, para, de conseqüência,

condenar T. V. R., brasileiro, solteiro, tapeceiro, filho de S. das D. R., residente à Rua 07, Casa 109, São Francisco, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 14do Estatuto do Desarmamento ( Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003), cujas penas-base fixo 02(dois) anos de reclusão e 10(dez)DM, as quais torno definitivas, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.

40.00. Anoto que as penas-base foram fixadas no mínimo legal, daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes e, pela mesma razão, deixei de fazer alusão às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sem que da omissão resulte qualquer nulidade, à falta de prejuízo.

41.00. O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois que

a) a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos,

b) o acusado não é reincidente;

c) o crime não foi praticado com violência contra a pessoa, e

d) as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP lhe são favoráveis.

42.00. Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade (artigo 43, IV, do CP) ,cujo programa deverá ser definido no juízo da execução, ex vi do artigo 149, I, da LEP.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, expeça-se Carta de Sentença.

São Luis, 23 de outubro de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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