Folgança

A partir de terça-feira, dia 03 de novembro, estarei usufruindo de 45(quarenta e cinco) dias de licença-prêmio. Todavia, o que para muitos é uma mera folgança, momento da mais rigorosa relaxação, para mim parece um martírio.

É sempre muito difícil, para mim, me afastar do meu trabalho.

Digo com sinceridade: não sei como sobreviveria se não pudesse estar todos os dias, pela manhã e pela tarde, no Fórum despachando, julgando, ouvindo…cumprindo a minha obrigação, enfim.

Não sei o que seria da minha lucidez se olhasse para os lados e não visse nenhum processo para julgar. É por isso que, mesmo de licença, estou levando para casa (não é comendável, mas faço) vários processos para julgar neste período, sobretudo os da chamada Meta II, que estão aguardando apenas as alegações finais das partes. Parece estranho, mão não o é todavia. Eu quero julgá-los! Eu quero cumprir esse desafio!

Afastar-me do trabalho tem lá as suas compensações, pois, afastando-me, repenso a minha a minha vida, a minha história, a minha luta – quase inglória, decerto solitária – por uma sociedade mais fraterna e justa.

Pensando e repensando, vou deixando fluir a minha imaginação. Vou vendo onde errei, onde acertei, se devo mudar de rumo, sem mudar a minha história.

Nesse exato instante penso em algo que não gosto de pensar: promoção. Mas tenho que pensar, pois, a cada dia, ela se faz mais iminente.

Mas, convenhamos, vale a pena, no meu caso, desamado como sou, pensar em promoção? Será que, sendo promovido, me realizarei ? Uma pessoa com a minha personalidade, solitária, algumas vezes, até, individualista, saberá conviver com tantos contrários? Estou preparado, aos cinquenta e seis anos, para esse desafio?

Importa dizer, nessa linha de pensar, que, para mim, ser promovido, ou não, nos dias atuais, é indiferente. Diferente de muitos, o poder não exerce fascínio sobre mim. Por isso, não sou capaz de fazer qualquer coisa para ascender. Eu deixo as coisas acontecerem. Eu, tenho que admitir, não sei jogar o jogo do poder. Disputar, avançar, ascender significam para mim o mesmo que negociar, fazer concessões, se incompatibilizar, perder a paz…morrer um pouco, enfim.

Mas vamos lá! Vamos jogar esse jogo, sem perder a personalidade, sem ser a qualquer custo, de qualquer maneira, sob quaisquer condições.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

7 comentários em “Folgança”

  1. Caro Dr. José Luiz, bom descanço (ainda que seja acompanhado dos inquietantes processos de META II)! Certamente, após esse breve intervalo, o Judiciário Maranhense iniciará uma nova fase.

  2. Com efeito, também já não me causa horror o vetusto tripalium. De Calvino a Agostinho da Silva já me convenci de que o trabalho dignifica a alma.
    De fato, quando se tem por norte o valor justiça para decidir acerca do destino alheio, a jurisdição não traz mais do que conforto à alma do magistrado: em paz consigo, ainda que muitos tentem manchar-lhe a imagem.
    Também digo sinceramente: não sei se na jurisdição penal estou convencido do que acabei de afirmar. É que eu não consigo pensar o direito (por completo) senão como um instrumento de proteção de castas. A legislação penal eleitoral, de trânsito, econômica, fiscal e tributária muito me incomoda… Por que a classe política, os consumidores, os sonegadores, os furtadores do dinheiro público, que lesão muitos, têm penas reduzidas se comparadas com as aplicadas aos crimes a cuja prática está mais inclinada a ralé?
    Não sei, pois, se a luta por uma sociedade mais fraterna e justa passa pelo processo, especialmente o penal. A fraternidade, eu até compreendo, dela o Senhor se nutri, é uma recompensa que só o Senhor pode sentir. Mas, a justiça, com todo respeito, eu Lhe pergunto: para que é?
    Dr. José Luiz, veja só as pessoas que passam em sua Vara diariamente. Em sua maioria, são pobres, miseráveis, desempregados, viciados, sem estudos, incapazes de refletir, de pensar, de acompanhar o Seu raciocínio, incapazes de compreender a Sua luta. Ainda que o Senhor os tente melhorar, eles sempre o apunhalarão, pois até mesmo (e principalmente) os castos o fazem!
    Confesso que eu também prefiro ver o Senhor onde está, mas não pela mesma razão que os que se assentam na Corte Timbira. Ganhos e perdas: com o Seu acesso, uma vitória pessoal (merecida); mas, um prejuízo insuprível para a jurisdição de primeiro grau. Não conheço outro magistrado com as Suas singularidades.
    Mas, o que mais me preocupa é ver a Sua imagem manchada não por culpa Sua, mas em razão da conduta de pessoas que só contribuíram para a completa desmoralização do nosso Tribunal de Justiça.
    Doutor José Luiz, mantenha-Se saudável, lute, mas viva bem, ame mais o processo aos problemas do mundo real neles contidos.
    Boa folga, ou melhor, bom trabalho!!!

  3. Boas férias processuais. Siô, se aquiete um tiquin. rsssss

  4. Que bom, numa volta de um feriadão, ler e reler este texto.

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