O dever que o magistrado tem de não fazer cortesia com o direito alheio

O uso do poder, todos sabemos, é prerrogativa da autoridade. Mas o poder não pode ser exercido de forma abusiva. E abusar do poder é agir fora da lei, sem utilidade pública, ultrapassando o agente os limites de suas atribuições, desviando a sua finalidade.

O poder é, sim, todos sabemos, para ser exercido em benefício do interesse público, mas dentro de certos limites. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado (rectius: jurisdicionado), constituem formas abusivas de utilização do poder jurisdicional.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Primeiro, uma explicação.Tende a acontecer, naturalmente, em face da minha farta produção intelectual no exercício da magistratura, que, aqui e acolá, seja republicada alguma matéria neste blog. Para mim, em face mesmo do escasso tempo que tenho, lembrar de tudo o que postei é missão quase impossível. Daí que pode ocorrer de republicar alguma matéria.

Acho que não há nada de extraordinário nisso. Só espero a compreensão de quem se deparar com a reiteração de uma publicação. Não se trata, pode-se ver, de senilidade, nem de descaso. É mesmo pura falta de condições de realizar tantas coisas ao mesmo tempo. Confesso que, muitas vezes, não lembro sequer se determinada matéria já foi ou não publicada na imprensa, vez que, nessa aérea, a minha produção também é razoável.

Agora mesmo, relendo os meus textos, encontrei um, em face das informações que fui instado a prestar decorrentes de habeas corpus, no qual tento demonstrar à autoridade requisitante as razões pelas quais entendo que o magistrado, apontado como autoridade coatora, tem o dever de justificar, quantum satis, por que manteve essa ou aquela prisão.

Acho que vale à pena ler as minhas razões. Se você já as leu, se já as conhece, peço desculpas ao tempo em que apelo para que continue acessando meu blog pois que, tenho certeza, nele haverá pelo menos uma crônica que você ainda não leu e sobre a qual, imagino, vale à pena refletir.

A seguir, pois, fragmentos de informações que prestei ao Tribunal de Justiça, em face do habeas corpus nº 17560/2007, relatado pelo Desembargador Paulo Velten Pereira.

 “(…) Tenho entendido, desde sempre, que o magistrado apontado como autoridade coatora, tem a obrigação – repito, obrigação – de demonstrar, quantum satis, que não abusou da autoridade e tampouco atuou de forma ilegal.

Numa e noutra hipótese – abusando da autoridade ou agindo de forma ilegal – o magistrado exerce o mister, claro, em desacordo com a lei. É por isso que, desde meu olhar, o magistrado a quem se imputa (imputare) a condição de autoridade coatora, tem a obrigação de se justificar. Limitando-se, no entanto, a fazer um relato do processo, como tenho visto, fica aquém do que se espera de um magistrado garantista. É pena que muitos emprestem a sua aquiescência a essa verdadeira tergiversação profissional.

Se assim não fosse, ou seja, se não fosse a autoridade coatora compelida a justificar a sua ação, bastaria que o magistrado a quem se requisitam as informações, se limitasse a encaminhar ao juiz requisitante apenas cópias do processo.

O magistrado tem o dever de exercer o poder com retidão, prestando contas de sua atuação aos cidadãos, considerados em sua individualidade, e à comunidade em geral.

O magistrado não tem a faculdade de agir com desvelo, tem obrigação de fazê-lo. Assim como ao magistrado é defeso agir de forma ilegal, ele não pode, ademais, fazer cortesia com o direito alheio.

Além do dever de probidade, o magistrado tem o dever de eficiência, no sentido de que ao magistrado se impõe a obrigação de realizar as suas obrigações com presteza e rendimento funcional, máxime a se considerar que o magistrado é um dos poucos agentes públicos que não tem a quem dar satisfação – a não ser a sua própria consciência.

Conquanto não tenha o magistrado a quem prestar contas dos seus atos, tem o dever , reafirmo, de prestar contas de suas ações, ainda que o faço por via obliqua, como em casos que tais, quando se lhe requisitam informações acerca do seu atuar num caso específico.

O uso do poder, todos sabemos, é prerrogativa da autoridade. Mas o poder não pode ser exercido de forma abusiva. E abusar do poder é agir fora da lei, sem utilidade pública, ultrapassando o agente os limites de suas atribuições, desviando a sua finalidade.

O poder é, sim, todos sabemos, para ser exercido em benefício do interesse público, mas dentro de certos limites. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado (rectius: jurisdicionado), constituem formas abusivas de utilização do poder jurisdicional.

Nessa linha de pensar, consigno que, quando me aprofundo, às vezes à exaustão, no exame da quaestio posta a minha intelecção, como um pedidos de informações em face dehabeas corpus, não o faço por arrogância nem movido por um sentimento menor. O faço, sim, em respeito a quem me requisita as informações e, também, porque entendo que tenho a obrigação de justificar porque mantive esse ou aquele paciente preso. Cediço, assim, que, ao me aprofundar o exame das questões, ao me esmerar nas informações, o faço com humildade, na certeza de que não faço nenhum favor; apenas cumpra as minhas obrigações.

Não se pode deslembrar que o abuso de autoridade é crime e que ao juiz, num regime garantista, é defeso praticar ilegalidades.

Quem imagina que pretendo dar aulas com as minhas informações está muito longe de saber o que é humildade. Quem assaca contra mim críticas acerbas em face das minhas posições, decerto está muito mal informado do quando me sinto obrigado a prestar conta dos meus atos.Sempre que me esmero em informações em face dehabeas corpus, o faço com o sentimento de quem tem o dever de prestar contas dos seus atos.

Sempre que me aprofundo no exame das questões postas à minha intelecção, o faço na certeza de que não posso ser superficial (superficialis). O magistrado, tenho a exata noção, não pode ser do tipo “não tou nem aí”. Ele tem que fundamentar as suas posições. Isso é dever constitucional. Não se trata, pois, de mera faculdade. (…)”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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