Com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar

Mas, que fique claro, eu não me regozijo com isso. Encaro isso como uma afronta. Juiz não pode ser visto dessa forma. Juiz é juiz e nada mais que isso. Dispenso as etiquetas, os rótulos, pois que eles são sempre mal intencionados. Eu não quero ser nem bom nem ruim, nem rigoroso e nem liberal. O que quero mesmo é ser justa. Essa é a minha obsessão.

O que faço, e não abro mão, porque é obrigação, é agir com rigor. Quem assalta tem que saber que, em face disso, será punido. Só assim se pode fazer fluir a violência. E não se argumente que os colarinhos engomados estão soltos, pois que um erro, uma omissão não justifica a outra. O que está ao meu alcance, eu faço. Se há quem não faça a sua parte, paciência.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Sexta-feira, dia 26, ontem, portanto, realizei mais uma das incontáveis audiências que tenho feito em face do crime de roubo. Nesse caso, como em todos os outros, as vítimas e testemunhas se apresentaram extremamente nervosas, uma das quais (vítima) quase não teve condições de falar. De tão nervosa, quase não se entendia o que falava.

É assim mesmo que as testemunhas e vítimas comparecem a juízo. Qualquer pessoa que passe pelo trauma de um assalto sai dele com problemas psicológicos graves.

Uma das vítimas me disse, por exemplo, que, desde o assalto, não pode ver uma moto que entra em pânico. É que os assaltantes se utilizaram de uma moto – além de uma arma de fogo – para prática do assalto.

Em face dos efeitos da violência sobre a psique dos ofendidos já tive a oportunidade de refletir, incontáveis vezes, em incontáveis decisões, nos termos abaixo, verbis:

“Os efeitos de uma violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece,têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios -empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançado reggae; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra: evitam sair de casa, deixam freqüentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perde a paz e a tranqüilidade . Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, com as mãos no rosto, deprimida. Pena que essa situação não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade”.

É uma pena que muitos, ao que parece, ainda não atentaram para essa realidade. Muitos são os que só valorizam o quadro quando tem um amigo, um parente envolvido com o crime. Muitos são os meliantes perigosos que são presos hoje e amanhã já estão na porta dos ofendidos afrontando-os.

É claro que lutar com tenacidade para punir os autores de ilícitos penais nos estigmatizam diante dos parentes dos acusados e deles próprios.

Ainda recentemente a mãe de um acusado disse para mim, na presença dos meus funcionários, que os presos da CADET, onde estava seu filho, tinham medo da minha caneta. Isso é estigma, isso é etiqueta,  pura e simplesmente. Juiz não é carrasco de ninguém. Juiz não existe para incutir medo em quem quer que seja. Juiz existe para dar a cada um o que é seu e para punir quem afronta a ordem jurídica. E eles sabem, tem quase certeza que, caindo na 7ª Vara Criminal, há um probabilidade muito grande de serem punidos. Daí, quiçá, o pavor que eles têm da minha “caneta”.

Mas, que fique claro, eu não me regozijo com isso. Encaro isso como uma afronta. Juiz não pode ser visto dessa forma. Juiz é juiz e nada mais que isso. Dispenso as etiquetas, os rótulos, pois que eles são sempre mal intencionados. Eu não quero ser nem bom nem ruim, nem rigoroso e nem liberal. O que quero mesmo é ser justa. Essa é a minha obsessão.

O que faço, e não abro mão, porque é obrigação, é agir com rigor. Quem assalta tem que saber que, em face disso, será punido. Só assim se pode fazer fluir a violência. E não se argumente que os colarinhos engomados estão soltos, pois que um erro, uma omissão não justifica a outra. O que está ao meu alcance, eu faço. Se há quem não faça a sua parte, paciência.

Trabalho, sempre, com denodo, porque sei que, dentre outras tantas causas, a impunidade é fomentadora de criminalidade. E não posso, com o poder que o Estado me outorgou, quedar inerte, como o fazem os covardes e/ou descomprometidos. Eu não sou do tipo descrito por Raul Seixas, ou seja, aquele que fica no trono de um apartamento, com a boca escancara cheia de dentes, esperando a morte chegar.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”

  1. Meretíssimo,o SENHOR é contigo, não os temais, continue avante e triunfante combatendo o bom combate, pois é grande o vosso galardão.
    Para sua meditação deixo os escritos eternos:
    “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por Ele instituídas.
    De modo que aquele que se opõe à autoridade, resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre sí mesmos condenação.
    Porque os magistrados não são para temor quando se faz o bem, e sim, quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
    É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa da punição, mas também por dever de consciência.” (ROMANOS 13:01 AO 05)

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