Magistrados estaduais: os responsáveis pela descrença na instituição

Esse artigo foi postado em maio de 2007. Mas ele continua atual. Nada mudou de lá pra cá. Continuamos na mesma. Falam muito mal de nós juízes estaduais. É uma pena, pois nesse “julgamento” somos todos colocados no mesmo caldeirão.

Acho que vale à pena republicar o artigo, sobretudo para os novos leitores do meu blog.

Antecipo, a seguir, alguns fragmentos.

 

  1. A verdade, pura e simples, é que, por esses e por outros motivos, não temos crédito. E isso decorre, sim, da ação – ou inação – malsã daqueles que, verdadeiramente, não têm compromisso com a instituição.
  2. Tenho dito que a falta de fiscalização tem sido a mãe de todas as mazelas. Os juizes trabalham sem ter a quem prestar contas. Por isso, muitos chegam às comarcas às terças-feiras e retornam às quintas-feiras seguintes, deixando a população completamente desamparada. Esse fato, por si só, depõe contra a instituição.
  3. Tenho a mais absoluta convicção que, houvesse fiscalização, houvesse cobrança, os juizes – os descomprometidos, claro – agiriam de outra forma. É que há pessoas que só trabalham quando são cobradas. São os maus profissionais que permeiam todas as classes.

 

É preciso que dos magistrados se cobre produtividade mínima. Não a alcançando, o magistrado tem que justificar as razões pelas quais não a alcançou. Como está e que não pode ficar.

 

Vamos ao texto, pois.

Não é novidade que os juizes estaduais são muito mal vistos pela classe jurídica; muito mais pela nossa omissão que por nossa incompetência.

Vou refletir a seguir, em face de um episódio que protagonizei no meio desta semana.

Pois bem.Na última quarta-feira, dia 02 de maio, estive no 8º Juizado Especial Cível localizado no Renascença, para dar entrada em uma reclamação. Lá, encontrei três advogados na sala de audiências. O Juiz, extremamente afável, cuidou logo de me receber, embora não fosse sua obrigação. Os advogados, nada obstante, permaneceram na sala, porque, ao que pude perceber, o juiz não tem gabinete para receber ninguém em particular. Ademais porque o meu assunto não era privado. Era de interesse público evidente.

Com essa estimulante recepção do colega, aproveitei o ensejo e fiz, a propósito da súplica que protocolara, as minhas habituais perorações sobre o descrédito das nossas instituições, manifestando especial preocupação com o Poder Judiciário, em face das últimas noticias de corrupção envolvendo até um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Conversar vai, conversa vem, um dos advogados presentes disse, com todas as letras, que se recusava a advogar na Justiça Estadual. Para justificar essa afirmação, limitou-se, elegantemente, a dizer que, na Justiça do Trabalho, por exemplo, os juizes trabalham pela manhã e pela tarde e que, na Justiça Estadual, ao reverso, o Fórum, à tarde, é um deserto.

Não vou entrar no mérito dessa afirmação, porque eu, por exemplo, durante os dezesseis anos que trabalho em São Luis, trabalhei – e trabalho –  todas as tardes – fazendo audiências, inclusive.  Deixei de fazê-lo há pouco tempo, por absoluta falta de condições de trabalho – e comuniquei o fato à Corregedoria.

Só para que se tenha uma idéia da nossa situação, ontem, dia 04 de maio, oficiei ao Diretor do Fórum comunicando que estava encerrando as minhas atividades naquele dia, porque já estava há três dias sem água para beber.

Bom, mais retomemos ao tema central dessas reflexões.

Dizia acima que não pretendia entrar no mérito da afirmação do advogado, mesmo porque, além de mim, por diversas vezes encontrei trabalhando à tarde vários magistrados. Uma minoria, é verdade. Mas ele existe, sim, quiçá para confirmar a regra.

Portanto, não é verdade que os magistrados não vão ao Fórum no período vespertino.

O mesmo advogado alegou, ademais, que a sua descrença na Justiça Estadual decorria do fato de que os magistrados, além de só trabalharem pela manhã, chegam às dez horas.

Sobre essa questão também não vou entrar no mérito, mesmo porque sempre cheguei muito antes das oito – às vezes antes das sete – e já deparei-me com vários magistrados chegando junto comigo.

O que infiro dessa constatação é que, aqui também, a generalização é perigosa, pois há quem costuma chegar muito cedo, sim.

Mas, parcialmente verdadeira, ou não, a afirmação do advogado, a verdade é que, pela omissão de alguns, todos pagamos.

A verdade, pura e simples, é que, por esses e por outros motivos, não temos crédito. E isso decorre, sim, da ação – ou inação – malsã daqueles que, verdadeiramente, não têm compromisso com a instituição.

Tenho dito que a falta de fiscalização tem sido a mãe de todas as mazelas. Os juizes trabalham sem ter a quem prestar contas. Por isso, muitos chegam às comarcas às terças-feiras e retornam às quintas-feiras seguintes, deixando a população completamente desamparada. Esse fato, por si só, depõe contra a instituição.

Tenho a mais absoluta convicção que, houvesse fiscalização, houvesse cobrança, os juizes – os descomprometidos, claro – agiriam de outra forma. É que há pessoas que só trabalham quando são cobradas. São os maus profissionais que permeiam todas as classes.

É preciso que dos magistrados se cobre produtividade mínima. Não a alcançando, o magistrado tem que justificar as razões pelas quais não a alcançou. Como está e que não pode ficar.

Tenho dito que nós, magistrados, bem remunerados, com carros do ano, morando em boas residências, fornecendo aos nossos filhos os melhores colégios, com sessenta dias de férias, com dinheiro para viajar até para o exterior, freqüentando bons restaurantes, vivendo, pois, uma vida de conforto, temos o dever de nos dedicar com tenacidade ao trabalho, para demonstrar, nem que seja para nossa consciência, que merecemos o que ganhamos.

Só com o esforço da grande maioria, só com uma ação enérgica da Corregedoria, só com os olhos voltados para o interesse do nosso jurisdicionado teremos condições de reverter esse quadro de descrença, francamente desfavorável a nós magistrados.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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