Sentença absolutória. A inexistência do direito penal do autor

Cuida-se de sentença absolutória, na qual demonstro a inexistência de provas de que tenha o acusado cometido o crime, ao tempo em que lembro que o réu não pode ser condenado pelo seu passado, mas pelo crime que eventualmente tenha cometido.
O excerto que antecipo a seguir é exemplar:

“[…]Todavia, não se pode, à conta do passado do acusado, condená-lo, se as provas acerca de sua participação para realização do crime não são estreme de dúvidas. Nessa linha de argumentação cumpre anotar que, entre nós, não existe o direito penal do autor. É dizer: não se pune, não se condena ninguém em face apenas de sua vida ante acta. O Direito Penal não pode se preocupar com o passado do autor do fato, mas sim do fato por ele praticado. Decidir com esteio no que é o acusado e não no que ele tenha efetivamente praticado, é decidir violando a Carta Política em vigor[…]”

A seguir, a decisão, por inteiro:

Processo nº 00199.005058-1

Ação Penal Pública

Acusado: W. P. da S.

Vítima: R. P. C.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra W. P. da S., vulgo “Nenenzão”, brasileiro, solteiro, desempregado, filho de M. de L. P. da S., residente na BR 135, bairro Rio Grande, nesta cidade, e A. J. D. S., vulgo “Orelha”, brasileiro, filho de J. B. da S. S. e C. S. D., residente na BR 135, bairro Rio Grande, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Digesto Penal, no dia 10 de março de 1999, por volta das 10h00, terem subtraído de um comércio situado na BR 135, KM 10, nº 76, Rio Grande, a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), de R. P. C., vulgo “Baixinho”.

A persecução criminal teve início com portaria (fls.07).

Recebimento da denúncia às fls. 32.

Os acusados foram citados por edital, a cujo chamamento não atenderam (fls.43/44).

Defesa preliminar às fls. 95.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas R. C. S.(fls. 103) e M. do B. P. C. A. (fls. 104).

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 105.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a absolvição do acusado (fls.106), no que foi secundado pela defesa (fls.107).

Relatados. Decido.

01.00. Para compreender o alcance desta decisão anoto que dois foram os denunciados pelo Ministério PúblicoW. P. da S., vulgo Nenenzão, e A. J. D. S., vulgo Orelha.

02.00. O feito, inobstante, foi separado e, relação ao acusado A. J. D. S., vulgo Orelha, que está com paradeiro incerto (fls. 97).

03.00. Cediço, à luz do exposto, que esta decisão alcança apenas a ação do acusado W. P. da S., vulgo “Nenenzão”.

04.00. Feito o registro, passo a decisão.

05.00. O Ministério Público denunciou W. P. da S. devidamente qualificado, porque o mesmo, contando com o concurso de A. J. D., vulgo “Orelha”, com emprego de arma, teria hostilizado o artigo 157, §2º, II e II, do Digesto Penal.

06.00. As provas, em face da ação do acusado, foram produzidas em dois momentos distintos: sedes administrativa e judicial.

07.00. Na fase inaugural da persecução criminal destaca-se a palavra do ofendido, que aponta a autoria do crime para o acusado e do seu comparsa (fls.09/10).

08.00. Da mesma sede destacam-se, ademais, os depoimentos de R. C. da S., vulgo “Galego” (fls.12), M. do B. P. (fls.130), E. M. R. (fls 15) e J. R. Q. , vulgo “Zé Cachacinha” (fls.16).

09.00. Com esses dados, foi deflagrada a persecução criminal, no seu segundo momento, tendo o Ministério Público, como suso mencionado, denunciado W. P. da S., vulgo “Nenenzão”, por incidência comportamental no artigo 157, §2, II, e §3º, primeira parte, do Digesto Penal.

10.00. Da segunda fase da persecução criminal assomam os depoimentos de R. C. S. (fls. 103) e M. do B. P. C. A. (fls. 104), os quais nada souberam informar que pudesse definir a autoria do crime.

11.00. O acusado foi interrogado, a seguir, tendo negado a autoria do crime (fls. 105).

12.00. Depois de analisada o patrimônio probatório consolidado nas duas fases da persecução criminal – sedes administrativa e judicial – concluo, na mesma linha de entendimento do Ministério Público, que as provas são frágeis e não autorizam o desfecho condenatório.

13.00. Poder-se-á argumentar que o ofendido, em sede extrajudicial, direcionou a autoria do crime ao acusado e que esse depoimento poderia ser buscada (buscado???) para compor o quadro probatório.

14.00. É verdade, sim, que o ofendido, em sede policial, apontou a autoria do crime para o acusado e seu comparsa.

14.01. Todavia, como aproveitar esse depoimento, se em sede judicial nenhuma prova relevante foi produzida, de modo a definir a autoria do crime?

15.00. A verdade é que não há provas, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que possa arrimar um decreto de preceito sancionatório.

16.00 O acusado pode, sim, ter cometido o crime. Mas não se pode, quando se decide acerca de uma condenação, trabalhar com probabilidade.

16.01. Nesse sentido, importa dizer, ou o julgador tem certeza absoluta, sem reservas, sem vacilação, sem titubeio, sem dúvidas da ocorrência do crime e quem seja o seu autor, ou não pode subscrever um édito condenatório.

17.00. Tenho dito, e nem me importo de repetir, iterativamente, que não se faz cortesia com o direito alheio.

18.00. O acusado, ao que vejo dos autos, já respondeu a um processo por porte ilegal de arma de fogo, segundo afirmou em seu interrogatório.

18.01. Todavia, não se pode, à conta do passado do acusado, condená-lo, se as provas acerca de sua participação para realização do crime não são estreme de dúvidas.

19.00. Nessa linha de argumentação cumpre anotar que, entre nós, não existe o direito penal do autor. É dizer: não se pune, não se condena ninguém em face apenas de sua vida ante acta.

20.00. O Direito Penal não pode se preocupar com o passado do autor do fato, mas sim do fato por ele praticado.

20.01. Decidir com esteio no que é o acusado e não no que ele tenha efetivamente praticado, é decidir violando a Carta Política em vigor

21.00 O direito repressivo tem que se preocupar com os fatos delituosos praticados pelo agente.

21.01. Se o Ministério Público não foi capaz de trazer aos autos provas bastante de que o acusado tenha praticado o crime a ele imputado, então tem que suportar o ônus de sua omissão, traduzido numa decisão absolutória.

22.00. Já se disse, reiteradas vezes, que o que não está nos autos não está no mundo.

23.00. Nessa ordem de idéias, posso afirmar que, ainda que tenha a íntima convicção de que o acusado praticou o crime, não posso, só por isso, condená-lo, sem que as provas constantes dos autos me façam ciente e consciente de que tenha sido o autor do fato delituoso.

24.00. Tudo de essencial posto e analisado,julgo improcedente a denúncia, para, de consequencia

absolver o acusado W. P. da S., brasileiro, solteiro, desempregado, filho de Ma. de L. P. da S., residente na BR 135, bairro Rio Grande, nesta cidade, o fazendo com espeque no artigo 386, III, do Digesto de Processo Penal.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 27 de outubro de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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